Art. 9º A União incumbir-se-á de: VI - assegurar processo nacional de avaliação do rendimento escolar no ensino fundamental, médio e superior, em colaboração com os sistemas de ensino, objetivando a definição de prioridades e a melhoria da qualidade do ensino; VIII - assegurar processo nacional de avaliação das instituições de educação superior, com a cooperação dos sistemas que tiverem responsabilidade sobre este nível de ensino; IX - autorizar, reconhecer, credenciar, supervisionar e avaliar, respectivamente, os cursos das instituições de educação superior e os estabelecimentos do seu sistema de ensino. (grifei)
A Lei do Sinaes estabelece critérios de avaliação de qualidade da educação superior perfeitamente adequados e justos ao sistema de educação superior federal. Caso seja aplicada integralmente, com ligeiras alterações e sem os desvios até agora observados, pode contribuir significativamente para a melhoria constante da qualidade desse nível educacional. Críticas à Lei do Sinaes Penso, porém, que essa lei contém dispositivos que podem ser alterados, em benefício de melhor adequação à realidade brasileira. A seguir, apresento alguns exemplos. Avaliação x regulação Atrelar a avaliação de qualidade da educação superior aos processos de regulação, como prevê o parágrafo único do art. 2º, traz para os processos avaliativos do Sinaes conflitos conceituais, processuais e procedimentais. A avaliação de qualidade é um processo permanente, contínuo que requer critérios e procedimentos específicos. A regulação é periódica e deve ter critérios próprios. O conflito entre "avalição de qualidade” e “regulação” tem contribuído, desde a implantação da Lei do Sinaes, para os conflitos e distorções observados nos dois processos. Periodicidade do Enade A periodicidade trienal de aplicação do Exame Nacional de Desempenho do Estudante, o Enade (Art. 5º, § 3º), é inadequada para a quantidade cursos de graduação (cerca de 33 mil) e altamente oneroso para o Estado. O mais adequado seria um ciclo quinquenal, porque o ciclo trienal do Enade é tomado como referencial para os atos de regulação, conflitando com a Lei nº 10.870, de 2004, e com o art. 59 do Decreto nº 5.773, de 2006, que dispõe que o Sinaes será operacionalizado em ciclos avaliativos com duração de: “I – dez anos, como referencial básico para recredenciamento de universidades, e II – cinco anos, como referencial básico para recredenciamento de centros universitários e faculdades e renovação de reconhecimento de cursos” (grifei). Enade sem responsabilidade do aluno O § 5º do art. 5º estabelece que o Enade “é componente curricular obrigatório dos cursos de graduação, sendo inscrita no histórico escolar do estudante somente a sua situação regular com relação a essa obrigação...”. A crítica mais consistente e contundente que se faz ao Enade, da forma como é disciplinado na Lei do Sinaes, é a falta de comprometimento do estudante com o seu desempenho nos Exames. “É componente curricular obrigatório” apenas para a inscrição no histórico acadêmico do aluno. O desempenho do estudante é usado unicamente para premiar ou punir as IES. “Componente curricular obrigatório”, por outro lado, na terminologia acadêmica, depreende-se seja uma disciplina, uma unidade curricular, com avaliação terminativa, que pode conduzir à aprovação ou à reprovação. No Enade, o aluno pode ser reprovado que a sua diplomação estará assegurada. Basta comparecer ao evento, assinar a lista de presença e deixar de responder ou responder aleatoriamente às questões. Composição da Conaes A composição da Conaes (Art. 7º) não atende à representatividade da livre iniciativa na educação superior. A Conaes tem 13 membros, dos quais oito são de livre escolha do ministro da Educação e, entre esses, cinco são da própria estrutura executiva do MEC, e cinco nomeados pelo presidente da República, mediante indicação do próprio ministro. Trata-se, assim, de um órgão burocrático, sem autonomia e isenção para conduzir o Sinaes. Por outro lado, causa estranheza o fato de a livre iniciativa responder por 89% das IES e por 73% das matrículas na educação superior e ter unicamente um representante oficial na Conaes. O peso que representa a livre iniciativa na educação superior brasileira deveria corresponder a uma representação paritária na Conaes. Distorções da Lei do Sinaes A aplicação da Lei do Sinaes, pelo Ministério da Educação, tem apresentado distorções que têm prejudicado uma avaliação criteriosa da sua implantação, nesses dez anos de existência. Eis alguns exemplos. Avaliação institucional É desrespeitado o inciso III do art. 2º, que diz: “O Sinaes, ao promover a avaliação de instituições, de cursos e desempenho dos estudantes, deverá assegurar: [...] o respeito à identidade e à diversidade de instituições e de cursos”. (gn) Um exemplo prático é o confronto entre o instrumento de avaliação institucional[1] e o de avaliação de cursos de graduação[2], aprovados pela Conaes e adotados pelo Inep. O instrumento de avaliação institucional para Faculdade, ao analisar a composição e o regime de trabalho do corpo docente exige o seguinte:- Titulação do corpo docente
- No mínimo docentes com formação em pós-graduação lato sensu (Especialização). Não há exigência de doutores ou mestres.
- Regime de trabalho
- Não há exigência de Tempo Integral (TI) ou Tempo Parcial (TP).
- Titulação docente (Geral) do curso
Indicador | Conceito | Critério de análise |
2.7. Titulação do corpo docente do curso | 1 | Quando o percentual dos docentes do curso com titulação obtida em programas de pós-graduação stricto sensu é menor que 15%. |
2 | Quando o percentual dos docentes do curso com titulação obtida em programas de pós-graduação stricto sensu é maior ou igual a 15% e menor que 30%. | |
3 | Quando o percentual dos docentes do curso com titulação obtida em programas de pós-graduação stricto sensu é maior ou igual a 30% e menor que 50%. | |
4 | Quando o percentual dos docentes do curso com titulação obtida em programas de pós-graduação stricto sensu é maior ou igual a 50% e menor que 75%. | |
5 | Quando o percentual dos docentes do curso com titulação obtida em programas de pós-graduação stricto sensu é maior ou igual a 75%. |
- Titulação docente (Doutores) do curso
Indicador | Conceito | Critério de análise |
2.8. Titulação do corpo docente do curso – percentual de doutores | 1 | Quando não há doutores do curso. |
2 | Quando o percentual de doutores do curso é menor ou igual a 10%. | |
3 | Quando o percentual de doutores do curso é maior que 10% e menor ou igual a 20%. | |
4 | Quando o percentual de doutores do curso é maior que 20% e menor ou igual a 35%. | |
5 | Quando o percentual de doutores do curso é maior que 35%. |
- Regime de trabalho do corpo docente do curso
Indicador | Conceito | Critério de análise |
2.9. Regime de trabalho do corpo docente do curso | 1 | Quando o percentual do corpo docente previsto/efetivo com regime de trabalho de tempo parcial ou integral é menor que 20%. Para Medicina: menor que 50%. |
2 | Quando o percentual do corpo docente previsto/efetivo com regime de trabalho de tempo parcial ou integral é maior ou igual a 20% e menor que 33%.Para Medicina: maior ou igual a 50% e menor que 60%. | |
3 | Quando o percentual do corpo docente previsto/efetivo com regime de trabalho de tempo parcial ou integral é maior ou igual a 33% e menor que 60%.Para Medicina: maior ou igual a 60% e menor que 70%. | |
4 | Quando o percentual do corpo docente previsto/efetivo com regime de trabalho de tempo parcial ou integral é maior ou igual a 60% e menor que 80%.Para Medicina: maior ou igual a 70% e menor que 80%. | |
5 | Quando o percentual do corpo docente previsto/efetivo com regime de trabalho de tempo parcial ou integral é maior ou igual que 80%. Para Medicina: maior ou igual a 80%. |
[...] o desempenho dos estudantes em relação aos conteúdos programáticos previstos nas diretrizes curriculares do respectivo curso de graduação, suas habilidades para ajustamento às exigências decorrentes da evolução do conhecimento e suas competências para compreender temas exteriores ao âmbito específico de sua profissão, ligados à realidade brasileira e mundial e a outras áreas do conhecimento. (grifei)
A Lei do Sinaes não estabelece o Enade como instrumento de avaliação de curso de graduação e, muito menos, de avaliação de IES. O seu objetivo é a avaliação do “desempenho dos estudantes” do curso. O § 4º do art. 5º dispõe que “a aplicação do Enade será acompanhada de instrumento destinado a levantar o perfil dos estudantes, relevante para a compreensão de seus resultados” (gn). O “instrumento destinado a levantar o perfil dos estudantes, relevante para a compreensão de seus resultados”, é composto de questionário, com dezenas de perguntas, sendo duas delas usadas na composição de insumos dos indicadores CPC – Conceito Preliminar de Curso – e IGC – Índice Geral de Cursos. O CPC – Conceito Preliminar de Curso – e o IGC – Índice Geral de Cursos, todavia, não fazem parte da Lei do Sinaes. Foram criados mediante portaria ministerial sem qualquer amparo legal. O CPC é construído a partir dos resultados do Enade, de duas respostas dos alunos ao questionário aplicado para “levantar o perfil dos estudantes” e da titulação e regime de trabalho do corpo docente, estes, insumos extraídos do Censo da Educação Superior. O CPC e, por consequência, o IGC são perversos porque, além de não estarem revestidos dos “requisitos legais”, não foram criados por Lei, pretendem: o CPC, avaliar a qualidade dos cursos de graduação; o IGC, avaliar a qualidade de uma IES, seja faculdade, centro universitário ou universidade, privada ou pública. Os critérios são os mesmos. O CPC, com base em exclusivamente uma resposta do aluno participante do Enade sobre os planos de ensino das disciplinas – não se foram executados, mas se existem –, contempla “a avaliação da organização didático-pedagógica do curso”; a resposta referente às “aulas práticas” contempla ”a avaliação da infraestrutura do curso”. Isso sem qualquer avaliação in loco ou vistas à IES para o exercício do “direito de ampla defesa e do contraditório”, como determina o § 3º do art. 10 da Lei do Sinaes. Dilvo Ristoff e Jaime Giolo, quando ocupavam cargos de direção no Inep, à época da implantação do Sinaes, deixaram essa questão bastante clara ao afirmarem, em artigo publicado na Revista Brasileira de Pós-Graduação (RBPG)[3], que o Enade...[...] por si só não tem implicações regulatórias, ou seja, o resultado do desempenho dos estudantes na prova não é considerado igual à qualidade do curso e, portanto, não é suficiente para reconhecer ou deixar de reconhecer um curso [...] O Enade é um dos instrumentos de avaliação e informação do Sinaes. Ele faz parte, portanto, de um sistema que busca avaliar cursos e instituições e que, para fazê-lo, utiliza-se, também, mas não só, das informações geradas pelos estudantes [...] O Enade não é, convém repetir, a avaliação do curso”. (grifei)
Em 2014, Dilvo Ristoff é o diretor de Políticas e Programas de Graduação da Secretaria de Educação Superior (Sesu) do MEC. Em 2008, a então presidente da Conaes, Nadja Maria Valverde Viana, em entrevista ao periódico Ensino Superior (2008, p.14), afirmou que o IGC não avalia e não corresponde à qualidade de uma IES, nos termos seguintes:O IGC não é conceito. O nome é índice. Este índice geral de cursos não corresponde à qualidade da instituição. Para a avaliação institucional, nós temos as dez dimensões (do Sinaes). Os dados que o Inep tem não abrangem essa totalidade, consequentemente, outra vez, pensar a instituição em função do desempenho do estudante seguramente não atenderia à avaliação institucional. (grifei)
Os especialistas em avaliação da educação superior são quase unânimes em afirmar que a avaliação institucional e de cursos pode e deve incorporar a avaliação da aprendizagem para gerar os conceitos Institucional (CI) e de Curso (CC). Mas o Enade, isoladamente, como é feito por meio do CPC e do IGC, não pode ser responsável pela avaliação de cursos de graduação ou de IES, como tem pretendido o MEC, desde a implantação desse exame nacional dos estudantes da graduação, em 2004. Esse é, no mínimo, um grave equívoco, responsável por distorções na execução das diretrizes curriculares e no projeto pedagógico do curso, no processo de aprendizagem, enfim, gerando insegurança acadêmica e institucional em inúmeras IES, sem qualquer proveito para uma real melhoria da qualidade educacional, ao contrário do que afirmam os gestores do MEC. A aplicação de indicadores como o CPC e o IGC é uma redução, no mínimo, simplória do que sejam as dez dimensões institucionais, estabelecidas na Lei do Sinaes, e as dimensões Organização didático-pedagógica e Infraestrutura física e acadêmica de um curso de graduação, representadas por duas respostas dos alunos no questionário do Enade. Basta confrontar essa conceituação com o que preceitua os artigos 3º e 4º da Lei do Sinaes e os instrumentos de avaliação aprovados pela Conaes e construídos pelo Inep, para a avaliação in loco – avaliação institucional e avaliação de curso – para se constatar o fosso que existe entre avaliação de qualidade e os “indicadores de qualidade” criados pelo MEC, sem amparo legal, representados pelo CPC e o IGC. Protocolo de compromisso O art. 10 dispõe que “os resultados (da avaliação in loco institucional ou de cursos) considerados insatisfatórios ensejarão a celebração de protocolo de compromisso, a ser firmado entre a instituição de educação superior e o Ministério da Educação...”. O § 3º do art. 10 exige, antes da aplicação de qualquer penalidade, a ser aplicada pelo órgão do MEC responsável pela regulação e supervisão da educação superior, agora a Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (Seres), a prévia audiência da Câmara de Educação Superior, do Conselho Nacional de Educação, e somente podem ser aplicadas como resultado de “processo administrativo próprio, ficando assegurado o direito de ampla defesa e do contraditório”. As penalidades, nos termos do referido § 3º do art. 10 da Lei do Sinaes, à IES ou ao curso de graduação apenas podem ser aplicadas após esgotadas todas as etapas do protocolo de compromisso, com a obrigatória avaliação in loco, antes da assinatura do protocolo e depois de sua execução, obedecido o disposto no art. 46 da LDB, e o exercício ao “direito de ampla defesa e do contraditório”. O MEC não vem cumprindo esses dispositivos. “Os resultados considerados insatisfatórios” são os configurados no Conceito Institucional (CI) e no Conceito de Curso (CC), previstos na Lei, e não nos indicadores criados mediante portaria ministerial – CPC e IGC. Todavia, são estes que têm conduzido, mediante até “medidas cautelares”, os protocolos de compromisso ou os “planos de melhoria”. Qualquer tipo de punição, como prevê o § 3º do art. 10 da Lei do Sinaes, a IES ou curso de graduação apenas pode ser aplicada após audiência da Câmara de Educação Superior do CNE e esgotadas todas as etapas do protocolo de compromisso, com a obrigatória avaliação in loco, antes da assinatura do protocolo e depois de sua execução, obedecido o disposto no art. 46 da LDB, e o exercício ao “direito de ampla defesa e do contraditório”. Avaliação do Sinaes No primeiro decênio de sua implantação, a Lei do Sinaes já completou três ciclos avaliativos trienais. Essa série histórica já é suficiente para uma avaliação isenta do Sinaes. É chegado o momento de o Sinaes e os indicadores a ele marginais – CPC e IGC – serem avaliados por auditores internacionais e nacionais, independentes e especialistas na avaliação de qualidade da educação superior, ao longo de 2014. Essa avaliação independente pode integrar a “série de estudos e debates sobre o sistema, em suas diversas dimensões, de forma a resgatar a memória do trabalho realizado e, também, suscitar uma reflexão que permita subsidiar a consolidação da política de avaliação na perspectiva posta pela Lei 10.861 de 14 de abril de 2004”[4], que o Inep programou para este ano. É o que se espera do Ministério da Educação, em um Estado Democrático de Direito. [1]http://download.inep.gov.br/educacao_superior/avaliacao_institucional/instrumentos/2014/instrumento_institucional.pdf - acesso em 14/4/2014. [2]http://download.inep.gov.br/educacao_superior/avaliacao_cursos_graduacao/instrumentos/2012/instrumento_com_alteracoes_maio_12.pdf - acesso em 14/4/2014. [3]Revista Brasileira de Pós-Graduação, Brasília, v. 3, n. 6, p. 2008-2011, dez. 2006. [4] Carta convite de 7 de março de 2014 para participação no “Seminário Comemorativo dos Dez Anos do SINAES”.