Não bastasse a carga horária da escola no Brasil ser das menores do mundo, atrasos e indisciplina roubam tempo precioso de aula
A pontualidade não é uma ciência exata no Brasil. A frase é verdadeira, mas causou polêmica porque foi publicada na revista digital da Fifa, em uma reportagem sobre a Copa. Ao ler sobre o assunto, lembrei minha experiência como repórter de educação ao acompanhar, quase diariamente, por três meses, em 2009, a rotina de uma escola pública do Rio.
Quando o sinal de início das aulas tocava, alunos e professores, em geral, continuavam suas conversas no pátio ou no refeitório. Aos poucos, iam caminhando para as salas de aula, sem pressa. Eram cerca de 15 minutos perdidos até que o professor e um grupo de estudantes estivessem em seus lugares.
Mas as aulas, propriamente ditas, não começavam imediatamente. Até que a chamada fosse feita, os alunos parassem com as conversas paralelas e o professor tratasse de temas diversos sobre a organização da escola, ao menos mais dez minutos se passavam. Só então as atividades diretamente relacionadas ao aprendizado tinham início.
O caso acima não é isolado. Uma pesquisa da OCDE, divulgada em 2009, mostrou que 31% do tempo de aula no Brasil eram perdidos com tarefas administrativas, como fazer chamadas, ou com o professor tentando manter alguma disciplina em sala de aula. Foi o maior percentual entre 23 países comparados na época.
O desperdício poderia ser relativizado se os alunos brasileiros passassem mais tempo na escola. Não é o caso. Por lei, o ano letivo aqui precisa ter, no mínimo, 200 dias. No Japão, são 243. Na Coreia do Sul, 220. Em Israel, 216. Há também países com bons resultados e calendário escolar parecido com o nosso. A diferença é que, por dia, os alunos lá passam mais tempo estudando. Tente explicar para um estrangeiro que, aqui, a jornada mais comum da rede pública é de apenas quatro horas e que, não raro, há colégios que chegam a funcionar em três turnos. A conclusão é simples: com todas essas condições, não há o menor risco de dar certo.
Parte desse problema é estrutural, e a solução passa por um aumento significativo dos recursos públicos para a educação. O Brasil tem apenas 4% de escolas de ensino médio funcionando em tempo integral. A carreira docente, segundo o Censo do IBGE de 2010, segue sendo a de menor remuneração média entre as profissões universitárias. Com melhores salários e mais escolas em tempo integral, professores seriam mais valorizados e cobrados, trabalhariam em menos escolas e poderiam até se dedicar exclusivamente a um único estabelecimento, diminuindo o tempo perdido em deslocamentos cada vez mais demorados diante do nosso trânsito infernal.
Porém, seria cômodo pôr toda a culpa nos governos. Parte do problema é também cultural, tem a ver com nosso comprometimento com horários e tarefas. E não é restrito apenas à educação básica ou pública. Em 2011, em blog da revista “Piauí”, uma aluna da Universidade de Princeton que fazia intercâmbio no curso de Letras da PUC-Rio descreveu sua rotina acadêmica como a de um grande escolão de ensino médio. Professores e alunos pouco dedicados, que pareciam fazer o mínimo esforço possível apenas para cumprir tarefas ou obter um diploma, mesmo estando numa das mais conceituadas instituições de ensino superior nacionais.
Se há gringos mal-humorados que não entendem que nosso descompromisso quando estamos de folga é parte de nossa cultura, o problema é deles. Se nós não entendemos que esse mesmo comportamento em relações de trabalho e na escola é extremamente prejudicial a nós mesmos, o problema é nosso.