Samuel de Abreu Pessoa*
Pesquisador sênior do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas
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Desde a década de 80 até hoje, o número de ingressantes por ano no ensino superior (ES) cresceu mais de um milhão de alunos. Apesar de isso contratar, para as próximas décadas, aumentos substanciais na proporção da população com alguma formação superior, esse movimento ainda é insuficiente para que sejam atingidos os padrões educacionais dos países desenvolvidos. Além disso, o Brasil tem hoje uma das piores posições no ranking da educação superior, mesmo quando comparado somente com os seus pares da América Latina. Portanto, apesar dos aumentos esperados na escolaridade do terceiro grau, certamente ainda há espaço para a criação de políticas públicas que reforcem esse movimento.
Porém, a sustentabilidade de uma política de expansão do ES via financiamento requer a existência de um amplo contingente de pessoas que poderia frequentá-lo (i.e. concluindo o ensino médio) e que não o faz unicamente por necessidade financeira. Esse contingente existe? Na comparação dos estoques, até 2010 o Brasil era, entre os seus pares, um dos países com menor proporção de pessoas com alguma formação superior em relação ao número de pessoas com ensino médio completo, de acordo com a base de dados internacional de educação Barro e Lee (2014). Por outro lado, os dados de fluxo do Censo Educacional indicam que o número anual de formandos do ensino médio tem se tornado cada vez mais incompatível com o atual ritmo de ingressos no ES, de forma que o aumento de estudantes no ES tem sido cada vez mais explicado pela existência de um grande estoque de pessoas com ensino médio completo do que por um aumento de formandos com essa qualificação.
Consequentemente, sem que haja uma expansão no número de concluintes no ensino médio, o atual ritmo de entrada de alunos em instituições de ensino superior parece insustentável.
Combinando todas as evidências, parece haver, ao menos nas próximas décadas, um déficit de alunos no ES brasileiro e, concomitantemente a esse déficit, vários dados e estudos indicam que o ES brasileiro gera um alto prêmio salarial, de mais de 100%. Logo, os efeitos tributários da expansão da educação superior, dado que o Brasil tributa mais de 30% da renda total da economia, não são desprezíveis. Inclusive, são geralmente muito maiores do que as despesas educacionais incorridas para gerar esse resultado. Nesse sentido, subsidiar a educação superior pode ser uma política superavitária para o governo (mesmo com empréstimos concedidos a 3,4% de juros nominais ao ano), além dos seus efeitos no aumento da mobilidade social e na distribuição de renda.
Porém, o superávit do programa requer que a qualidade da educação fornecida seja suficiente para garantir a empregabilidade e o prêmio salarial dos estudantes em relação ao ensino médio: como parte significativa da renda é tributada, o alto prêmio salarial faria com que a arrecadação governamental fosse maior do que os gastos com educação a valor presente. Além disso, essa seria uma fonte de aumento de produtividade da economia, elevando o ritmo de crescimento econômico.
Não atendidos esses critérios, o programa tende a ser deficitário: desconsiderando a inadimplência, em função do subsídio no empréstimo o valor presente dos pagamentos é somente 62% do valor presente do custo de captação do Tesouro. Além disso, se o programa não gerar impacto na renda ele tende a apresentar maiores taxas de inadimplência. Portanto, 3 existe uma clara dicotomia de resultados em que o resultado do programa (melhorar a vida da população que não tem acesso ao ensino superior) e o seu impacto econômico-financeiro estão intrinsecamente ligados: gerando impactos educacionais o programa é superavitário e cumpre sua função social, sem gerar impactos educacionais o programa é deficitário e não melhora a vida dos estudantes.
Como experimento de política pública, a manutenção desse programa no patamar de 580 mil alunos entrantes por ano durante os próximos anos deve fazer com que a despesa do FIES atinja rapidamente a marca de 0,3% do PIB. Dada a restrição fiscal do futuro próximo e a necessidade de aumento de carga tributária vislumbrados para reequilibrar as contas públicas, o programa tem um volume de despesas bastante alto.
Como consequência dessa análise, existem dois fatores cruciais para a sustentabilidade econômica e o sucesso social do FIES:
- A garantia de padrões mínimos na relação custo-qualidade da educação fornecida
- A capacidade do programa para identificar os alunos com real necessidade de auxílio financeiro (i.e. na ausência do programa não cursariam o ES)
*Samuel Pessôa é palestrante do VIII Congresso Brasileiro da Educação Superior Particular. O evento acontece nos dias 14 e 15 de maio de 2015 no Rio de Janeiro/RJ. Saiba mais em www.cbesp.com.br.




