Celso Antunes*
Sócio-fundador do Todos pela Educação
www.celsoantunes.com.br
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Em uma palestra para pais em uma grande escola particular em São Paulo, chega o momento reservado para perguntas e respostas. Acabo de mostrar os riscos da hiperconectividade infantil e o perigo de roubar da infância momentos indispensáveis de conversas, leituras, sujar-se na lama, brincar com água e tudo mais que faz dessa fase a melhor de todas em toda a vida.
Ergue-se o braço de uma jovem senhora. Ao seu lado, o companheiro não tira os olhos do smartphone, e sua pergunta é menos que dúvida, bem mais que uma ácida indireta: “E como reduzir a hiperconectividade adulta?”. Os que estão ao lado sorriem da ironia, seu parceiro não escuta – ou disfarça bem.
Respondo que estar sempre online é condição essencial da civilização contemporânea, combustível para todas as atividades e não somente urbanas. Continuo mostrando, entretanto, que, tal como dissera em relação à infância, há riscos. E não são poucos. Destaco que muitos médicos consideram quer permanecer conectado mais que três horas diárias representa rotina prejudicial à saúde.
Destaco estatísticas que alardeiam o fato de o brasileiro, muito mais que seus vizinhos no continente, ficar em média nove horas diárias em rede e que isso prejudica, e muito, a vida offline. Comento reportagem recente que mostrava que checar e-mails antes de dormir confunde o cérebro, que, nessa situação, acredita ser dia luminoso e abre lacunas para insônias inexplicáveis.
Continuando, alerto para estudos da Universidade da Colúmbia que comprovam que a facilidade em se buscar qualquer resposta na internet torna a memória humana cada vez mais preguiçosa, e ainda outras pesquisas respeitáveis que informam que a hiperconectividade leva a mente humana a uma indolência que acaba por se tornar incorrigível e afetar as relações interpessoais.
Concluo retomando o que falara sobre a infância e reafirmo que o mal maior do “casamento” com o smartphone é que esse novo “triângulo amoroso” rouba tempos de conversas jogadas fora, bate-bola ou bate-papo com amigos, joguinho de cartas para esquentar afetos, enfim “viver intensamente em família” – coisa de antigamente, mas que somente os que perdem compreendem seu insubstituível valor. Sentindo que falei mais do que o que fora solicitado e que, talvez, outras questões pudessem aguardar resposta, peço desculpas por encerrar o assunto e concluo que os caminhos para a desintoxicação eletrônica é uma questão de “querer” e de transformar intenções em ações.
Correndo o risco de ser visto como velhote que esqueceu seu tempo, terminei pensando em voz alta que olhos nos olhos substituem com felicidade e outras vantagens os teimosos olhos que não se desgrudam da tela.
* Artigo publicado originalmente na Revista Linha Direta, edição de abril.




