Thais Costa de Sousa
Diretora de Responsabilidade Social da Kroton Educacional
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Simbolicamente, o trote é um rito de iniciação da vida estudantil para a vida acadêmica. Também é uma maneira de confraternização entre os novos estudantes e os veteranos. A origem desse rito remonta à Idade Média e, desde então, designa atos de zombaria e a imposição de tarefas a calouros por parte dos veteranos.
Essa frase foi retirada do site Uol Vestibular, como dica de tema que pode ser cobrado atualmente no vestibular. Foi intitulado de “Trote: Impunidade e silêncio reforçam atos de violência, humilhações e abusos nas Universidades”.
Um pouco de história: o trote é descrito pelos antropólogos como “ritual de passagem” e tem sua origem na Idade média. Nessa época, os calouros das Universidades europeias não podiam frequentar as mesmas salas dos veteranos, tinham suas roupas queimadas e cabelos raspados como medidas profiláticas para evitar doenças.
O trote também vem da palavra trotar, movimento exercido pelo cavalo, o que traz o conceito de “domar”, “domesticar”. Provavelmente daí vem a origem da designação “bicho”. Segundo, Antonio Zuin, Professor da UFSCAR, o que acaba acontecendo é uma relação extremamente negativa: o calouro precisa ser “domesticado” pelo veterano por meio de práticas muitas vezes sádicas e dolorosas. E a partir daí a história se repete como um ciclo vicioso. O veterano aplica o trote no calouro como meio de se vingar do que sofreu quando entrou na Faculdade e já desperta nesse calouro o mesmo desejo de vingança para o próximo ciclo.
Os alunos que praticam o trote se sentem acima do bem ou do mal, porque a punição muitas vezes nem existe. Já que não há repressão, por que parar? Aplicam ações apoiadas em uma cultura extremamente machista, violenta, discriminatória principalmente quando se trata de pobre e negro. E outro agravante: existem grupos de professores e funcionários que apoiam. Em pleno século XXI, e esse é o pensamento de muitos.
Como resultado disso tudo assistimos constantemente a uma série de absurdos: agressões físicas, abusos sexuais, estupros (como o caso recente da USP), atos de racismo, preconceito e como consequência maior: a morte. Morrem jovens que entram em uma Instituição na maioria das vezes com o sonho de mudar a sua realidade, de ter uma oportunidade melhor. E morrem porque estão na classificação errada. Porque são calouros, porque são bichos. Absurdo, imprevisível, irracional, em uma época que inclusive para credenciar, autorizar, reconhecer é preciso prever ações de responsabilidade social, de sustentabilidade, de inclusão social. Nesses mesmos espaços que acontecem essas barbaridades, ou muito próximos a eles. Triste também é pensar que na maioria das vezes nada acontece, a não ser o silêncio, a negligência e a impunidade.
É fato que muitas Instituições, em uma tentativa de interromper essas barbáries, baniram a prática do trote dentro de suas dependências, inclusive com previsão de punição para quem desobedecer. O que não impede que absurdos continuem acontecendo de forma escondida, algumas vezes com a conivência de funcionários, e também extramuros.
Outras Instituições, além disso, têm desenvolvidos programas e ações em que os veteranos recepcionam os calouros com atividades de integração.
Ações que vão desde plantar árvores, até arrecadar alimentos, livros, visitar Lares e asilos, entre muitas outras. Mas será resolve? Substitui? Será que é o suficiente para cumprirmos nosso dever de oferecer um ensino responsável, para formarmos cidadãos socialmente responsáveis?
Ser responsável socialmente, entre outras coisas, é agir com ética e transparência; respeitar as leis; valorizar e preservar a vida das pessoas e a integridade do meio ambiente e contribuir para o desenvolvimento do País. Mas o que faz essa definição sumir no dia e hora marcados para receber os calouros?
Certamente pensamos que uma boa parcela de culpa é atribuída à criação, formação de caráter, valores. Vem de berço. É verdade. Mas ainda assim e apesar de tudo isso, como educadores, será que podemos mudar essa realidade? Por exemplo, por meio de disciplinas ou componentes curriculares que tratam temas transversais de sustentabilidade?
Sim, podemos. Mas é bem mais do que isso. Precisamos contar para os nossos alunos, desde o primeiro até o último dia de aula, a diferença que irá fazer em sua vida pessoal e profissional se ele for de fato um voluntário e engajar na implementação de programas voltados à responsabilidade social e à sustentabilidade.
Que muito além do ato de plantar árvores, ele pode levar, por meio de exemplo pessoal, palestras e projetos permanentes, a importância dessa ação para a sua comunidade; que bem mais do que arrecadar alimentos, ele pode separar, distribuir e orientar sobre os valores nutricionais e qual a melhor forma de preservá-los; que mais do que arrecadar livros, ele pode promover encontros com atividades como contação de histórias e interpretação de texto para crianças carentes que necessitam de reforço escolar; que muito mais do que visitar lares e asilos, ele pode implementar e acompanhar, nesses lugares, programas permanentes de prevenção de doenças crônicas por meio de atividades físicas. E que cada aluno, além da sala de aula, incorpore, no seu cotidiano, hábitos simples de jogar lixo no lugar certo, de ceder lugar aos mais velhos, de não estacionar em lugares reservados para pessoas especiais, de ser, mesmo isoladamente, socialmente responsável
Para isso ser possível, há de se mudar a cultura e os valores não só dos alunos, mas dos profissionais que os acolhem nas Instituições. Professores, coordenadores, colaboradores de todos os setores. Todos precisam se sentir parte do processo, atuando como agentes responsáveis.
Assim, o protagonista, o aluno veterano, aquele temido por muitos, terá seus valores transformados. Do sentimento de vingança, ao desejo de ações sociais. E é ele quem vai trazer mais voluntários: os calouros que estão chegando.
Difícil? Sim. Impossível? Não. Com certeza haverá os que não irão se identificar. Mas para esses, a vida acadêmica será curta.
E o trote? Que deixe de ter o significado do passado e passe a ser símbolo de acolhimento. Que seja solidário e responsável, mas que seja também apenas o primeiro capítulo de projetos institucionais edificantes, que objetivem o contínuo desenvolvimento social, econômico e ambiental das comunidades próximas. Projetos em que a educação seja uma ferramenta transformadora de vidas.




