Internacionalização como Estratégia Competitiva

Espaço destinado à atualização periódica de tecnologias nacionais e internacionais que podem impactar o segmento educacional e, portanto, subsidiar gestores das instituições de ensino para que sejam capazes de agir proativamente olhando para essas tendências.

21/10/2025 | 1838

Internacionalização como Estratégia Competitiva

*Por: Carmen Tavares

No final de outubro, o Global Education Innovation Summit (GEI Summit 2025) reunirá pesquisadores, empresários, gestores e líderes educacionais de todo o mundo para discutir temas decisivos para o futuro da educação. Entre as pautas centrais do evento, destaco duas que considero fundamentais para o contexto brasileiro: a internacionalização das escolas e universidades como estratégia de competitividade global e a inovação pedagógica e tecnológica como motor de transformação institucional.

Esses dois eixos — internacionalização e inovação — constituem, a meu ver, os pilares sobre os quais se estrutura a escola do século XXI. E é justamente nesse ponto que o Processo de Bolonha continua sendo uma referência teórica e prática incontornável. Em minha pesquisa de 2012, dediquei-me a compreender como essa reforma universitária, implementada na Europa a partir de 1999, conseguiu transformar o ensino superior em um instrumento de reposicionamento competitivo e de convergência internacional. Hoje, mais de duas décadas depois, reafirmo que as lições de Bolonha permanecem atuais e oferecem caminhos concretos para o avanço da educação brasileira, apesar dos inúmeros problemas enfrentados.

A reforma de Bolonha e o nascimento de um novo paradigma competitivo
Quando iniciei a pesquisa, partia da constatação de que a universidade europeia, até o final do século XX, enfrentava um duplo desafio: um sistema fragmentado e um distanciamento crescente entre academia, mercado e sociedade. Os governos europeus concluíram que o modelo clássico — fortemente inspirado nos princípios humboldtianos — havia se tornado disfuncional frente às exigências da globalização. O Protocolo de Bolonha surgiu, portanto, como um movimento de ruptura e reconstrução.

Defendi, em minhas pesquisas, que o êxito do Processo de Bolonha se explica por dois vértices complementares que chamei de externalidade e internalidade. A externalidade corresponde à capacidade do sistema educacional de responder às demandas externas — econômicas, tecnológicas e sociais — que pressionam por inovação contínua. Já a internalidade refere-se à cultura institucional de cada universidade, às suas competências endógenas e à habilidade de gerar inovação a partir da própria governança acadêmica.

Quando esses dois eixos se alinham, a universidade se torna um agente dinâmico de competitividade: conecta ciência e mercado, transforma conhecimento em desenvolvimento e cria valor social a partir da inovação. Essa é, em essência, a lógica que sustentou o Espaço Europeu de Educação Superior (EEES) — uma rede de cooperação entre países, instituições e pessoas, movida pela convicção de que a educação é um ativo estratégico para o crescimento econômico e a coesão continental.

Em termos práticos, o modelo de Bolonha estruturou-se sobre três pilares: mobilidade acadêmica, formação interdisciplinar e aprendizagem ao longo da vida. A adoção de um sistema comum de créditos (ECTS) permitiu que estudantes circulassem entre universidades, transferissem disciplinas e tivessem seus diplomas reconhecidos em todo o continente. Essa padronização facilitou a integração de mercados de trabalho e fomentou parcerias interinstitucionais, pesquisas conjuntas e projetos de inovação tecnológica.

Ao mesmo tempo, a estrutura modular e interdisciplinar substituiu currículos rígidos por trajetórias formativas flexíveis, valorizando competências transversais e a interdisciplinaridade. Como observei na pesquisa, essa transformação representou uma ruptura com a rigidez disciplinar e uma guinada em direção a uma educação mais holística, criativa e voltada à inovação.

A reforma de Bolonha também consolidou o conceito de aprendizagem ao longo da vida (lifelong learning), que hoje ressurge com força renovada nos debates sobre educação executiva, micro certificações e requalificação profissional. Essa filosofia — aprender continuamente, com flexibilidade e propósito — é o que confere sustentabilidade à competitividade europeia no longo prazo.

A inovação como motor da competitividade
Em 2012, argumentei que inovação e conhecimento são os dois principais fatores que definem a competitividade de nações e instituições . Essa afirmação, que fundamentou parte da minha análise, permanece incontestável. A economia do conhecimento transformou o modo como avaliamos desempenho institucional: o capital intelectual e a capacidade de inovar tornaram-se indicadores de prosperidade econômica e de relevância social.

No contexto europeu, o Processo de Bolonha impulsionou a integração entre universidades, centros de pesquisa e empresas, criando ecossistemas de inovação em áreas como energia, biotecnologia, inteligência artificial e sustentabilidade. Essa aproximação entre academia e mercado fez com que as universidades passassem a operar como plataformas de inovação, articulando saber científico e empreendedorismo tecnológico.

Hoje, essa lógica é amplamente adotada por programas internacionais, como os Horizon Europe, e inspirou políticas de educação superior em diversos países. No Brasil, vejo esse movimento ainda em construção. Nossas universidades enfrentam o desafio de equilibrar tradição acadêmica, autonomia científica e integração produtiva — um equilíbrio delicado, mas essencial para ingressar plenamente na economia global do conhecimento.

O que aprendi ao estudar Bolonha é que a competitividade educacional não nasce apenas de investimento em tecnologia, mas da criação de um sistema orgânico, em que inovação e internacionalização se retroalimentam. Sem cultura institucional favorável à mudança, a inovação se torna episódica; sem internacionalização, perde escala e relevância.

Do contexto europeu à realidade brasileira
No Brasil, o ensino superior é predominantemente privado, responsável por mais de 80% dos egressos da graduação. Em minha pesquisa, apontei que essa característica exige políticas públicas específicas para estimular inovação e garantir qualidade. A competição, aqui, não pode se limitar à lógica mercadológica — ela deve se traduzir em vantagem competitiva baseada em valor agregado, reputação e excelência acadêmica.

Para isso, é preciso integrar governança, políticas de incentivo e cultura organizacional inovadora. A educação brasileira precisa articular o que chamei, na época, de “duas mãos do mesmo processo”: a que responde ao mercado (externalidade) e a que transforma internamente suas práticas (internalidade). Só assim a inovação deixa de ser retórica e passa a ser estratégia.

Nos últimos anos, essa discussão tem ganhado força. O avanço das tecnologias educacionais e o impacto da inteligência artificial trouxeram novas possibilidades de personalização da aprendizagem e análise de dados em larga escala. Pesquisas recentes do J-PAL e do VoxDev demonstram que o uso de IA para feedback automatizado em redações, por exemplo, aumentou o engajamento de alunos e liberou tempo de professores para acompanhamento mais humano. De modo semelhante, estudos publicados no arXiv (2024-2025) apontam que o uso de IA generativa como coorientadora em projetos escolares elevou o desempenho e reduziu a resistência docente à inovação, desde que aplicada sob governança ética e transparente.

Essas experiências ilustram que a inovação pedagógica é o novo vetor de competitividade institucional. O que antes se limitava à infraestrutura tecnológica agora depende da capacidade de redesenhar metodologias, reconfigurar currículos e desenvolver competências docentes voltadas ao uso estratégico da tecnologia.

A UNESCO reforça essa visão em seu programa Technology-Enabled Open Schools for All, desenvolvido em parceria com o Ministério da Educação brasileiro. A proposta é transformar escolas em ambientes abertos e conectados, promovendo alfabetização digital, uso ético da IA e integração curricular. Esse tipo de iniciativa aponta para o mesmo horizonte de Bolonha: a educação como eixo da transformação social e econômica.

Internacionalização e inovação: convergência estratégica
A experiência europeia demonstrou que a padronização sem identidade gera riscos, mas a diversidade sem integração gera estagnação. Por isso, defendo que o Brasil deve se inspirar em Bolonha sem copiá-lo, adaptando seus princípios à nossa realidade.

A internacionalização das escolas brasileiras deve ir além da adoção de currículos estrangeiros. Precisa ser uma estratégia institucional que una mobilidade, cooperação científica, inovação pedagógica e protagonismo regional. O objetivo não é apenas enviar alunos para fora, mas atrair conhecimento, criar redes e projetar internacionalmente a produção acadêmica brasileira.

Vejo com otimismo o movimento de algumas universidades e escolas brasileiras que já buscam esse caminho, especialmente por meio de parcerias internacionais, programas bilíngues, incubadoras educacionais e consórcios de pesquisa aplicada. Essa aproximação entre educação e inovação é o que permitirá ao país disputar espaço em um cenário global cada vez mais competitivo e tecnológico.

Considerações finais
O Processo de Bolonha demonstrou que é possível alinhar educação, inovação e competitividade em um mesmo projeto civilizatório. Sua força não está apenas na reforma estrutural, mas na mudança de mentalidade que promoveu: a educação passou a ser vista como investimento estratégico, não como despesa.

No Brasil, o desafio é construir uma trajetória semelhante, adaptada às nossas particularidades culturais e econômicas. Precisamos transformar escolas e universidades em organizações inteligentes, capazes de aprender, inovar e cooperar internacionalmente.

Retomando o espírito da minha pesquisa de 2012, reafirmo que a inovação é o motor da competitividade e a internacionalização é o seu combustível. Juntas, elas definem o lugar que o Brasil pode ocupar na economia do conhecimento. O legado de Bolonha não é europeu: é universal — e o futuro da educação brasileira depende de nossa capacidade de transformá-lo em ação concreta, estratégica e sustentável.

Confira no podcast da PROINNOVARE tendências internacionais e bons exemplos nacionais para internacionalização e inovação das Instituições de Ensino brasileiras.

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*Maria Carmen Tavares Christóvão é Mestre em Gestão da Inovação com área de pesquisa em Inovação Educacional. Diretora da Pro Innovare Consultoria de Inovação, atuou como Reitora, Pró Reitora e Diretora de Instituições de Ensino de diversos portes e regiões no Brasil.

 

 

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Carmen Tavares

Gestora educacional e de inovação com 28 anos de experiência em instituições de diversos portes e regiões, com considerável bagagem na construção de políticas para cooperação intersetorial, planejamento e gestão no ensino privado tanto na modalidade presencial quanto EAD. Atuou também como executiva em Educação Corporativa e gestora em instituições do Terceiro Setor. É mestre em Gestão da Inovação pela FEI/SP, com área de pesquisa em Capacidades Organizacionais, Sustentabilidade e Marketing. Pós-graduada em Administração de Recursos Humanos e graduada em Pedagogia pela UEMG.

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