Recentemente, a SERES divulgou, como resultado da Câmara Temática de Direito, proposta de modificação nas Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de Direito e de novo instrumento de avaliação, exclusivo para estes cursos.
Curiosamente, sequer o INEP foi convidado a participar do debate acerca da proposta de elaboração de instrumento de avaliação exclusivo para os cursos de Direito.
A convite da ABMES integro um grupo de trabalho que está analisando e debatendo os dois documentos, para apresentação de considerações e propostas visando ao aperfeiçoamento de ambos, motivo por que, inicialmente, me debrucei sobre a proposta das “novas” DCN para os cursos de Direito.
Em virtude dessa atividade, dedico esta edição da coluna a apresentar minhas considerações acerca das novas DCN propostas pela SERES como resultado do trabalho desenvolvido pela Câmara Temática mencionada.
Oportunamente, pretendo tratar da análise do instrumento de avaliação específico proposto, o que, a priori, considero um retrocesso, haja vista o árduo trabalho levado a efeito pelo INEP na busca de um instrumento único, aplicável a todos os cursos superiores, respeitadas suas especificidades, como já acontece, registre-se, em relação aos cursos de Direito e Medicina, que possuem indicadores exclusivos, sem a necessidade, portanto, de utilização de instrumento específico.
Cumpre registrar, de imediato, que as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de Direito estão lançadas na Resolução CNE/CES nº 9/2004, sendo certo que, não custa lembrar, as DCN trazem um mínimo de exigências a serem observadas para a oferta de qualquer curso superior, podendo, e devendo, as IES, atendido este aspecto, dar aos cursos que ofertam a sua identidade própria, adequando-o à sua contextualização local e mesmo regional.
Analisando as novas DCN sugeridas, verifica-se que ocorreram poucas alterações efetivas em relação às diretrizes em vigor, embora algumas sejam significativas e mesmo preocupantes, como adiante passo a relatar.
A maior parte das alterações propostas, na verdade, são questões já abordadas por grande parte dos cursos de Direito atualmente, de modo que, acredito, não trariam maiores impactos, especificamente no que se refere à inclusão de novos conteúdos obrigatórios.
Os aspectos que julgo mais relevantes na proposta são os seguintes:
Ao abordar os elementos estruturais obrigatórios na concepção dos projetos pedagógicos de cursos de Direito, a proposta apresentada prevê, obrigatoriamente, a realização de internacionalização e de incentivo à inovação, sem levar em conta o perfil da IES ofertante e do curso, tornando obrigatórias duas atividades que, segundo o novo instrumento de avaliação institucional, somente serão exigidas das instituições se expressamente previstas em seu PDI, ou seja, se pertinentes à missão e aos objetivos institucionais.
Impor, pela aprovação do texto proposto para as DCN sob análise, a obrigatoriedade dessas atividades, significa impor, indevidamente, interferência na definição do perfil, da missão e dos objetivos das instituições de ensino superior que ofertem ou pretendam ofertar cursos de Direito, obrigando-as a desenvolver atividades que podem ser incompatíveis com a sua vocação ou com o contexto educacional, social e cultural em que estão envolvidas.
Parece mais coerente estabelecer que, nas situações em que este tipo de atividade esteja prevista no PDI da instituição, devem, decerto, estar presentes no projeto pedagógico do curso de Direito.
Outro aspecto que causa preocupação é, no mesmo artigo que estabelece os elementos estruturais obrigatórios, a exigência da adoção de metodologias ativas, impondo, com isso, a utilização de processo metodológico específico, o que está em flagrante desconformidade com o disposto nos incisos II e III do artigo 3º da LDB, que assim estabelecem:
“Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
.....
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber;
III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas;”.
Ora, a partir do momento em que a LDB preconiza como princípios basilares da ministração do ensino a “liberdade de aprender e ensinar” e o “pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas”, não há que se falar em imposição de adoção de um tipo específico de metodologia.
O que se pode exigir, decerto, é a adequação da metodologia adotada com os objetivos do curso ofertado, com a missão e os valores da IES e com os perfis do ingressante acolhido e do egresso almejado!
Entendo que as DCN não podem se destinar a impor uma determinada postura metodológica, como se fosse a única correta e eficiente para a oferta de um curso superior de qualidade.
Esses dois aspectos inicialmente destacados, portanto, configuram flagrante desrespeito à autonomia didático-científica das instituições de educação superior, bem como ao próprio texto expresso da LDB, como acima apontado, motivo por que devem merecer profunda reflexão e debate, principalmente no âmbito do CNE, responsável pela definição das diretrizes curriculares nacionais para os cursos superiores.
Também está sendo proposta a delimitação mais precisa acerca da carga horária do estágio curricular obrigatório, que deveria compreender, no mínimo, 12% da carga horária total do curso, com o limite de 20% desta para estágio e atividades complementares, limite este já vigente, exceto no que pertine à clara divisão da parte mínima destinada às atividades de estágio (12% do total do curso).
Além disso, a proposta prevê que, pelo menos, metade da carga horária do estágio curricular obrigatório seja preenchida com a realização de atividades de prática real, o que, apesar de configurar invasão da esfera de autonomia didático-científica das instituições, não configura nenhum absurdo, haja vista a própria definição de estágio, como trazida pelo artigo 1º da Lei nº 11.788/2008, verbis:
Art. 1º Estágio é ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à preparação para o trabalho produtivo de educandos que estejam freqüentando o ensino regular em instituições de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos.”
Cumpre apenas registrar a impropriedade da expressão “estágio curricular obrigatório”, porquanto, segundo estipulado pela Lei nº 11.788/2008, para que a atividade seja considerada, efetivamente, “estágio”, deve estar prevista no currículo do curso, diferenciando-se, apenas, se obrigatório ou não.
Assim, não sendo “curricular”, não se pode considerar “estágio”, de modo que a expressão correta a ser adotada seria “estágio obrigatório”.
As outras alterações identificadas, na verdade, refletem inclusão de conteúdos obrigatórios nos cursos de Direito, muitos dos quais já presentes por força da aplicação do instrumento de avaliação de cursos superiores em vigor, motivo por que, para não tornar esta coluna muito enfadonha, apenas apontarei as inclusões propostas, com breve comentário sobre cada uma:
* Inclusão das “formas consensuais de composição de conflitos” no perfil do graduando: embora não fosse expressamente previsto como componente do perfil do egresso, esse conteúdo já estava contemplado pelo instrumento de avaliação em vigor, que exige a realização dessas atividades no Núcleo de Prática Jurídica - NPJ.
* Inclusão da Hermenêutica e do Direito Romano como conteúdos obrigatórios no “Ciclo de formação básica”: embora não sejam expressamente exigidos nas DCN em vigor, podem, sem grande problema, ser inseridos como conteúdos nas disciplinas já ofertadas, tanto que já integram, efetivamente, o projeto pedagógico de diversos cursos de Direito ofertados.
* Inclusão da Tutela dos Direitos e Interesses Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos, com ênfase na solução consensual de conflitos, como conteúdos obrigatórios no “Ciclo de formação profissional”: assim como apontado no item anterior, não vislumbro grandes complicações em incluir tais conteúdos, até porque já são tratados, rotineiramente, pela maioria dos cursos ofertados atualmente, sobretudo no que pertine à questão da solução consensual de conflitos.
* Inclusão das atividades de práticas de negociação, mediação e suas modalidades, conciliação, arbitragem e práticas de tutela coletiva, bem como prática do processo judicial eletrônico como atividades obrigatórias no âmbito do NPJ: também acredito que não seja grande inovação, porquanto, talvez exceto as atividades de práticas de tutela coletiva, as demais já são praticadas, sendo exigidas as atividades de solução extrajudicial de conflitos no atual instrumento de avaliação de cursos superiores e a prática do processo judicial eletrônico ser uma exigência real para atuação em grande parte dos foros e instâncias judicias e administrativas.
Dessa forma, e considerando os argumentos acima traçados, entendo, numa análise global, que as DCN não trariam o impacto profundo que se imaginava, exceto alguns pontos acima elencados, que julgo representar interferência indevida na autonomia didático-científica das instituições e, mesmo, desrespeito às normas legais vigentes.
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Qualquer crítica, dúvida ou correções, por favor, entre em contato com a Coluna Educação Superior Comentada, por Gustavo Fagundes, que também está à disposição para sugestão de temas a serem tratados nas próximas edições.