A INCOERÊNCIA NA EXIGÊNCIA DE REQUISITOS LEGAIS PELOS INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO
Na coluna da semana passada, demonstrei, de forma fundamentada, o descumprimento do princípio constitucional da legalidade, claramente insculpido no inciso II do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, sob a forma de exigência de requisitos apontados como “legais e normativos”, sem a indispensável exigência de expressa previsão legal.
Naquela ocasião, citei, como exemplo desse desrespeito aos preceitos constitucionais, a inclusão da obrigatoriedade de atendimento ao requisito legal relativo ao “Desenvolvimento Nacional Sustentável”, com suposto lastro no Decreto nº 7.746/2012 e na Instrução Normativa nº 10/2012.
Minha afirmação se fundamentava no próprio texto da norma apontada pelo Ministério da Educação e pelo INEP como fundamento legal para a referida exigência, qual seja, o Decreto nº 7.746/2012, porquanto o referido diploma é destinado a regular, exclusivamente, as “contratações realizadas pela administração pública federal direta, autárquica e fundacional e pelas empresas estatais dependentes”, conforme claramente estabelecido em seu artigo, naquela ocasião transcrito.
Descabida, portanto, a exigência de cumprimento de requisito legal relativo ao “Desenvolvimento Nacional Sustentável”, com suposto lastro no Decreto nº 7.746/2012 e na Instrução Normativa nº 10/2012, para entidades não estabelecidas como destinatários dos comandos contidos nas referidas normas, situação na qual, evidentemente, estão enquadradas as instituições de ensino superior particulares.
Não é nenhuma novidade a busca do poder público, sobretudo quando confrontado com sua incapacidade de prestar os serviços que lhe impõe a Carta Magna, de transferir esta responsabilidade, de forma indevida, para os ombros das entidades privadas.
Senão, lembremos do que está sendo feito com os cursos de Medicina, para cuja autorização será compulsória a atuação junto ao SUS, em evidente transferência ilegítima de obrigação constitucional do Estado para os ombros do setor privado.
E, atentemos, esse tipo de imposição será, em breve, transposta para os demais cursos da área da Saúde, senão para todos os demais cursos superiores, impondo o Estado, às instituições privadas de educação e a seus estudantes, a obrigação de prestarem, gratuitamente, serviços constitucionalmente impostos ao poder público, como conditio sine qua non para o exercício da livre iniciativa, como se este princípio constitucional pudesse se prender a este tipo de testilha.
Por outro lado, este comportamento indevido traz outro aspecto interessante, e não menos danoso, que é a omissão no cumprimento de normas legais aprovadas com a observância do processo legislativo traçado na Constituição Federal.
Exigências legais, em sentido estrito, porquanto decorrentes de lei, deixam de ter o seu cumprimento aferido e, com isso, caem no mero esquecimento, relegando o atendimento ao comando legal à conveniência de alguns segmentos mais esclarecidos e conscientes de seus direitos e obrigações.
Tomemos, neste tema, o exemplo da disposição contida no artigo 22 da Lei nº 10.741/2003, o Estatuto do Idoso, que dispõe:
“Art. 22. Nos currículos mínimos dos diversos níveis de ensino formal serão inseridos conteúdos voltados ao processo de envelhecimento, ao respeito e à valorização do idoso, de forma a eliminar o preconceito e a produzir conhecimentos sobre a matéria.”
Verificamos, portanto, que desde o início da vigência do Estatuto do Idoso, ocorrido 90 (noventa) dias depois de sua publicação, levada a efeito no DOU em 3.10.2003, se tornou obrigatória a inclusão, em todos os cursos regulares, de todos os níveis do ensino formal, de conteúdos voltados “ao processo de envelhecimento, ao respeito e à valorização do idoso”, visando a eliminação do preconceito e a produção de conhecimento sobre o tema.
Hoje, contudo, decorridos mais de 10 longos anos desde a efetiva entrada em vigor do Estatuto do Idoso, seu artigo 22 continua sendo desprezado, principalmente pelos órgãos responsáveis pela condução das políticas públicas educacionais, mais preocupados em transferir para os ombros da iniciativa privada as obrigações que, por força da norma constitucional, são encargo dos gestores públicos.
Enquanto o MEC e o INEP se empenham em incluir no processo de avaliação a exigência de requisitos legais e normativos completamente desprovidos do indispensável lastro da legalidade, requisitos exigíveis por lei deixam de fazer parte do processo avaliativo, ficando seu atendimento, ao longo desses 10 anos, restritos àquelas poucas instituições que buscam, de forma cidadã e consciente, cumprir de forma efetiva a legislação vigente.
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