A RESPONSABILIDADE SOCIAL DAS IES
Setembro é, historicamente, o mês em que o tema da responsabilidade social das instituições de ensino superior ganha mais relevância, embora, decerto, sua atuação nesta seara não seja limitada a esta época do ano.
Mas o que seria, de fato, a visão de responsabilidade social de uma instituição de ensino superior?
Antes iniciar a discussão do tema proposto, qual seja, a busca de uma visão conceitual da responsabilidade social das instituições de educação superior sob um prisma mais amplo, cumpre tecer algumas considerações sobre a forma como o tema vem sendo usualmente abordado.
Não há dúvidas de que, durante muito tempo, a noção de responsabilidade social das instituições de educação superior esteve intimamente ligada às atividades de assistência social, notadamente no atendimento às populações carentes para prestação dos serviços essenciais cuja incapacidade da máquina estatal sempre deixava de lado, gerando uma massa de cidadãos de “segunda classe”, para os quais sempre foram inacessíveis os mais básicos pressupostos de cidadania.
Em virtude desta distorção, as instituições de educação superior, durante muito tempo, adotaram o posicionamento segundo o qual responsabilidade social seria praticamente um sinônimo de assistência social, surgindo disto a proliferação do assistencialismo em detrimento de atividades mais ligadas ao enfoque moderno e amplo para a responsabilidade social.
Evidentemente, esta visão sempre foi incentivada pelo MEC, como entidade integrante do Poder Executivo Federal, pois permitia a ocultação da absoluta incompetência do Estado para promover o cumprimento de suas obrigações constitucionais mínimas.
O Poder Público, incapaz de prover minimamente o atendimento às garantias fundamentais necessárias à efetiva cidadania, amparava-se na visão simplista e distorcida do conceito de responsabilidade social das instituições de educação superior, que permitia o acobertamento desta incapacidade com o véu da cooperação entre os segmentos público e privado no atingimento da justiça social.
O problema é que esta cooperação somente funciona em mão-única, na medida em que os anseios do Estado incompetente são atendidos pelo setor privado, ficando apenas no discurso quando a recíproca é demandada.
Felizmente, parece que as instituições privadas de educação superior finalmente acordaram e buscam, de forma mais consistente, o realinhamento de seus conceitos e atitudes no campo da responsabilidade social.
A primeira consequência desta nova linha de conduta foi a inequívoca expansão das atividades desenvolvidas no campo da responsabilidade social, com aquele assistencialismo inicial gradualmente perdendo espaço para ações mais coerentes com o papel dessas entidades numa sociedade justa e equânime.
Outra consequência é a ampliação da discussão sobre o tema, despertando o interesse de todos os segmentos da comunidade acadêmica e, com isso, possibilitando um leque mais diversificado de ações no campo da responsabilidade social.
Nunca é demais lembrar que um ponto de vista, na realidade, nada mais é do que uma vista sobre um determinado ponto. Assim, a ampliação do debate, atraindo mais interessados e outros segmentos da vida acadêmica, abre oportunidade para reunir diversos pontos de vista e, assim, obter várias vistas sobre vários pontos, o que termina por alimentar o debate e expandir horizontes.
A partir deste ponto, buscaremos expandir os pontos de vista sobre o tema da responsabilidade social, tentando cotejar diferentes visões sobre a questão para, no final, chegar a conclusões úteis para as instituições de educação superior, basicamente revendo alguns conceitos já traçados na ocasião em que a própria ABMES promoveu uma série de eventos destinados ao debate sobre a questão.
O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES), instituído pela Lei n° 10.861, de 2004, fundamenta-se na necessidade de promover a melhoria da qualidade da educação superior, a orientação da expansão da sua oferta, o aumento permanente da sua eficácia institucional, da sua efetividade acadêmica e social e, especialmente, do aprofundamento dos compromissos e responsabilidades sociais.
O SINAES está, ainda, fulcrado nos seguintes princípios fundamentais:
*Responsabilidade social com a qualidade da educação superior;
*Reconhecimento da diversidade do sistema;
*Respeito à identidade, à missão e à história das IES; e
*Compreensão de que a instituição deve ser avaliada a partir de um conjunto significativo de indicadores de qualidade, vistos em sua relação orgânica e não de forma isolada.
Há alguns anos, pela primeira vez, nas políticas e diretrizes do Ministério da Educação para a avaliação das instituições de ensino superior, apareceu especificamente individualizada a dimensão Responsabilidade Social.
O artigo 2º da citada lei dispõe que o SINAES, ao promover a avaliação de instituições, de cursos e de desempenho dos estudantes, deverá assegurar:
*Avaliação institucional, interna e externa, contemplando a análise global e integrada das dimensões, estruturas, relações, compromisso social, atividades, finalidades e responsabilidades sociais das instituições de educação superior e de seus cursos.
Premissa essencial para prosseguimento é registrar que a figura da responsabilidade social agora possui a condição de dimensão institucional integrante do procedimento avaliativo das instituições de educação superior, conforme expressamente previsto no inciso III do artigo 3º da Lei no 10.861/2004, que instituiu o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior – SINAES:
“Artigo 3º. A avaliação das instituições de educação superior terá por objetivo identificar o seu perfil e o significado de sua atuação, por meio de suas atividades, cursos, programas, projetos e setores, considerando as diferentes dimensões institucionais, dentre elas obrigatoriamente as seguintes:
III - a responsabilidade social da instituição, considerada especialmente no que se refere à sua contribuição em relação à inclusão social, ao desenvolvimento econômico e social, à defesa do meio ambiente, da memória cultural, da produção artística e do patrimônio cultural;”
Com a aprovação do instrumento destinado à avaliação institucional externa destinado a subsidiar os atos de credenciamento, recredenciamento e transformação de organização acadêmica para oferta de educação presencial, a antiga dimensão relativa à responsabilidade social foi, na prática, inserida no Eixo 2 – Desenvolvimento Institucional, com a previsão de
*Indicador 2.5: Coerência entre o PDI e as ações institucionais no que se refere à diversidade, ao meio ambiente, à memória cultural, à produção artística e ao patrimônio cultural.
*Indicador 2.6: Coerência entre o PDI e as ações institucionais voltadas para o desenvolvimento econômico e social.
*Indicador 2.7: Coerência entre o PDI e as ações de responsabilidade social: inclusão social
Resta evidente que, se as instituições pretenderem permanecer adstritas ao mínimo exigido, traçarão os contornos de sua atuação no campo da responsabilidade social estritamente dentro dos parâmetros avaliativos estipulados pelo órgão de supervisão e avaliação da educação superior.
Vale dizer, seria aquele mínimo legal exigível para que as instituições obtivessem conceito satisfatório em sua avaliação externa.
Desse modo, resta de todo evidente que, ao elaborar seu Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI), a instituição deve, claramente, definir sua visão de responsabilidade social, delimitando de forma clara e objetiva sua política institucional para a questão e as ações e programas a serem desenvolvidos neste campo, sendo certo, ainda, que seu projeto/programa de avaliação institucional (autoavaliação), a IES deve, antes, definir seus indicadores de responsabilidade social, de forma a aferir a efetividade de condução da referida política.
Esta definição, por óbvio, deve ser elaborada buscando atender às definições do MEC, conforme estabelecidas no SINAES, por ser esta a fonte primordial da avaliação externa à qual as IES serão periodicamente submetidas.
Todavia, parece evidente, como posto acima, que os critérios e conceitos trazidos pelos órgãos de supervisão e avaliação contemplam exigências mínimas para este campo fundamental de atuação das instituições de educação superior.
Exatamente por este motivo, as instituições vêm despertando para a necessidade de trazer para seus programas de avaliação institucional a conceituação empresarial do termo, como acima exposto.
Acontece, no entanto, que a responsabilidade social das instituições de educação superior deve ir, na realidade, bem além das conceituações do MEC, atendendo às características de cada uma, seja de fins econômicos, associação sem fins lucrativos ou filantrópicas.
É justamente neste sentido que buscamos trazer para dentro da delimitação da responsabilidade social das instituições de educação superior a conceituação mais ampla, proposta a partir de uma análise essencial do contexto constitucional que delimita os contornos do Estado brasileiro na condição de estado democrático de direito.
Tendo em vista o enfoque trazido da Constituição Federal para a questão do alcance dos direitos sociais, percebe-se que a responsabilidade social de todo e qualquer segmento da sociedade pode e deve ser analisada sob o prisma dos fundamentos constitucionais e dos objetivos fundamentais do Estado brasileiro.
Nem poderia ser diferente, uma vez que a Carta Magna é o instrumento primeiro e fundamental de configuração jurídica do que pretendemos um Estado Democrático de Direito.
Com efeito, considerando o tratamento dispensado pela Constituição Federal aos direitos sociais, estabelecendo-os no rol dos direitos e garantias fundamentais, trouxe consigo, inequivocamente, a responsabilidade pela sua garantia e oferta a toda a sociedade brasileira, e não apenas ao Poder Público.
Surge, desta conclusão legítima, a premissa básica deste sucinto texto, que é justamente a necessidade de elastecimento do conceito míope até recentemente adotado para o termo responsabilidade social, para que ele passe, efetivamente, a representar o compromisso constitucional que todos os membros da sociedade brasileira, sejam pessoas naturais ou jurídicas, de direito público ou privado, com a observância dos fundamentos constitucionais brasileiros e seu imperativo de trabalhar para o atingimento dos objetivos fundamentais da nação.
Parece evidente, a partir destas linhas, que a responsabilidade social das instituições de educação superior deve ser encarada como a busca de sua completa inserção na sociedade, através da contribuição efetiva para a garantia e o respeito aos direitos e garantias individuais e sociais estabelecidos na Constituição Federal.
A partir d os pontos abordados no presente texto, algumas conclusões podem ser obtidas com alguma segurança.
A primeira delas é a absoluta miopia do conceito de responsabilidade social até recentemente aceito e utilizado na sua definição no âmbito das IES.
Esta conceituação decorria, possivelmente, do comodismo das instituições na adoção de critérios facilmente mensuráveis e exteriorizáveis, bem como da conveniência de sua aceitação pelo Estado, que via com isso sua incapacidade para atendimento de suas obrigações mitigada pela atuação das IES sob o manto das atividades ligadas à responsabilidade social.
O aprofundamento dos estudos na seara constitucional, assim como da amplitude que os temas sociais vêm conquistando nas discussões e estudos técnicos e científicos, progressivamente foram colocando em xeque aquele conceito simplista, apontando para a necessidade de uma conceituação muito mais ampla do que seria a responsabilidade social das IES.
É preciso, portanto, perceber a indicação de caminhos recentemente trilhados na análise desta questão, pontualmente sob a óptica do regramento constitucional relativo aos direitos e garantias fundamentais e aos direitos sociais.
A partir desses dados, a conclusão final que se apresenta é que, não obstante a intenção na criação do SINAES tenha passado longe das premissas e contornos constitucionais da responsabilidade social, sua delimitação na norma legal aplicável às instituições de educação superior, longe de engessar o entendimento sobre sua definição, nos permite atingir a conceituação pretendida sob o prisma dos fundamentos constitucionais e dos objetivos fundamentais do Estado brasileiro.
Com efeito, é perfeitamente possível que, dentro do esquadro normativo traçado pelo regramento do SINAES, e sem obscurecer o conceito ético da responsabilidade social empresarial, possamos definir a responsabilidade social das instituições de educação superior dentro das premissas constitucionais pertinentes à garantia e efetivação dos direitos sociais.
Até porque, demonstrada a pertinência das atividades inerentes ao desempenho da responsabilidade social das instituições em tela com a preservação dos fundamentos constitucionais e com a busca do atingimento dos objetivos fundamentais da Nação, não haveria como, legitimamente, avaliar de forma negativa este conteúdo do sistema de avaliação ao qual estão submetidas as IES.
Seria ilegítimo, incoerente e mesmo inconstitucional, recusar aceitação às atividades desenvolvidas pelas instituições de educação superior para garantia e efetivação dos direitos sociais constitucionalmente postos como atividades caracteristicamente destinadas ao cumprimento de sua responsabilidade social.
Por fim, não se pode olvidar que, na condição entidades precipuamente destinadas à educação formal, como estabelecido não apenas da Constituição Federal, mas também na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, as instituições de educação superior têm, como imposição primeira na definição de sua responsabilidade social, a oferta de ensino de qualidade inequívoca.
A premissa essencial da responsabilidade social de qualquer instituição educacional, sem dúvidas, é, efetivamente, buscar diligentemente cumprir seus objetivos constitucionais, conforme estipulado no art. 205 da Constituição Federal:
“Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.”
Destarte, resta isenta de dúvidas a premissa segundo a qual a obrigação essencial e inafastável de qualquer instituição de ensino, notadamente as de educação superior, ou seja, o cerne de sua responsabilidade social, é o atendimento aos objetivos constitucionais da prática educacional, quais sejam:
*Proporcionar o pleno desenvolvimento do educando;
*Preparar o educando para o exercício da cidadania; e
*Qualificar o educando para o trabalho.
Embora todos os demais aspectos da responsabilidade social das instituições de educação superior, assim considerada sob o prisma dos direitos e garantias fundamentais estabelecidos na Constituição Federal, não possam ser deixados em segundo plano, é evidente que o primeiro e essencial aspecto a ser observado por estas entidades é a garantia da qualidade do ensino ministrado, objetivando o atendimento às finalidades constitucionais da educação.
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