A RELAÇÃO ENTRE O PODER PÚBLICO E AS INSTITUIÇÕES PARTICULARES DE ENSINO
Tenho acompanhado, há mais de uma década, a relação entre o poder público e as instituições particulares de ensino, naturalmente marcada por certo distanciamento entre as posturas e pretensões, sobretudo por matizes ideológicos.
Curioso é perceber, que, teoricamente, o escopo de ambos os atores no cenário é o mesmo, qual seja, assegurar a oferta de educação de qualidade.
Inquestionavelmente, o papel das instituições particulares de ensino, além de ser constitucionalmente assegurada pelo princípio da livre iniciativa, é de fundamental importância, haja vista a manifesta incapacidade do poder público de assegurar a oferta universal de educação de qualidade em todos os níveis.
Esta premissa se mostra absolutamente incontrastável quando constatamos que, mesmo respondendo o segmento privado por mais de 75% das matrículas na educação superior, ainda estamos muito longe de atingir o acesso ao ensino superior para, pelo menos, 30% da população na faixa entre 18 e 24 anos de idade.
Imaginem como estaríamos muito mais distante desse patamar se apenas o poder público ofertasse educação superior...
Apesar dessa evidência, tem se mostrado inglória a luta pelo efetivo reconhecimento da relevância das instituições particulares de ensino, notadamente na seara da educação superior, para o avanço da oferta de educação universal, com padrão de qualidade satisfatório.
Em diversas oportunidades, essa coluna apontou para a forma inadequada como o segmento vem sendo tratado pelo poder público ao longo dos últimos anos, sem o atendimento de pontos fulcrais da pauta de reivindicações, que compreendem a efetiva representatividade do setor nos órgãos colegiados, a celeridade na tramitação dos processos de regulação e supervisão, bem como o efetivo cumprimento da Lei do SINAES.
Outro aspecto que ganhou destaque no último biênio foi a busca pela inclusão das instituições particulares de educação nos programas de desoneração dos encargos incidentes sobre a folha de pagamentos.
Folha de pagamentos que, no caso das empresas prestadoras de serviço, é componente preponderante das planilhas de custo e, assim, de vital importância para a sobrevivência das instituições.
Diversos segmentos, cuja relevância não caberia aqui discutir, foram contemplados com a desoneração da folha de pagamentos, enquanto as instituições particulares, apesar do intenso trabalho desenvolvido, foram alijadas do rol de entidades agraciadas com a benesse em comento.
Mais um contrassenso do poder público, porquanto é uma das metas primordiais do Plano Nacional de Educação a valorização e qualificação dos profissionais da educação.
Ora, assim como a concessão dos benefícios da desoneração para diversos segmentos da economia teve como pano de fundo a busca pela competitividade, seria possível, e até mesmo desejável, observando as premissas do Plano Nacional de Educação, que esta política atendesse às instituições particulares de ensino, como forma de ensejar maiores investimentos para as políticas institucionais de valorização e qualificação dos profissionais da educação.
Bastaria, por exemplo, que a efetiva desoneração da folha de pagamentos dessas instituições exigisse, como contrapartida e mesmo como condicionante para a efetiva fruição do benefício, que parte do valor objeto da redução de tributos fosse, necessariamente, convertida em investimentos em programas de valorização e qualificação profissionais para os profissionais da educação.
Assim, as instituições deveriam, para poder usufruir das benesses decorrentes da desoneração de sua folha de pagamentos, reverter parte do valor objeto desta em investimentos efetivos para implantação ou expansão de suas políticas de qualificação docente e de valorização destes profissionais.
Esta medida, simples e justa, permitiria, entre outras coisas, proporcionar a melhoria do perfil do corpo docente no que pertine à titulação e ao regime de trabalho, dois fatores essenciais para a melhoria das condições de oferta dos cursos superiores.
Resta indagar se essa possibilidade foi apresentada ao poder público, como forma de justificar e legitimar a concessão da desoneração da folha de pagamento em benefício das instituições particulares de ensino, ou se, devidamente apresentada, não foi capaz de sensibilizar o poder público para a relevância de seu alcance como medida de fomento à valorização e qualificação dos profissionais da educação, em estrito atendimento ao Plano Nacional de Educação.
Infelizmente, tudo leva a crer que, apesar da evidente possibilidade de utilização do instituto da desoneração da folha de pagamentos como ferramenta capaz de assegurar a sobrevivência das instituições particulares de ensino, bem como estimular e fomentar as políticas de valorização e qualificação dos profissionais da educação, a visão ideologicamente deturpada que o Poder Público adota em relação ao segmento, foi preponderante, desviando o fiel da balança do compromisso com as políticas de Estado para o lado da visão pessoal dos agentes públicos sobre o tema.
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