Educação Superior Comentada | O caráter discriminatório do Programa Idiomas sem Fronteiras

Ano 2 • Nº 32 • De 26 de novembro a 1º de dezembro de 2014

A Coluna Educação Superior Comentada desta semana aponta o caráter discriminatório do Programa Idiomas sem Fronteiras

01/12/2014 | Por: Gustavo Fagundes | 2292

O CARÁTER DISCRIMINATÓRIO DO PROGRAMA IDIOMAS SEM FRONTEIRAS

Chegamos à última edição da coluna no ano de 2014, infelizmente, com mais um tema que demonstra o preconceito do poder público em relação às instituições de educação privadas, tema este que vem se tornando rotineiro.

Com o tradicional alarde, o Ministério da Educação lançou, em novembro, o Programa Idiomas sem Fronteiras, com a publicação da Portaria nº 973/2014, ocorrida no Diário Oficial da União do dia 17/11/2014.

A referida portaria instituiu o Programa Idiomas sem Fronteiras, registrando de forma expressa que seus destinatários os estudantes, professores e pessoal técnico-administrativo das instituições de ensino superior públicas e privadas, conforme expressamente contido em seu artigo 1º, verbis:

“Art. 1º Fica instituído o Programa Idiomas sem Fronteiras com o objetivo de propiciar a formação e a capacitação em idiomas de estudantes, professores e corpo técnico-administrativo das Instituições de Educação Superior Públicas e Privadas - IES e de professores de idiomas da rede pública de educação básica, bem como a formação e a capacitação de estrangeiros em língua portuguesa.

§ 1º As ações empreendidas no âmbito do Programa Idiomas sem Fronteiras serão complementares às atividades do Programa Ciência sem Fronteiras e de outras políticas públicas de internacionalização da educação superior.

§ 2º O Programa Idiomas sem Fronteiras fará a seleção dos participantes por meio de editais específicos.”

Desse modo, o Programa Idiomas sem Fronteiras, no que interessa ao presente texto, tem, ou deveria ter, como objetivo inafastável “propiciar a formação e a capacitação em idiomas” de seus destinatários, que, em tese, seriam “estudantes, professores e corpo técnico-administrativo das Instituições de Educação Superior Públicas e Privadas”, conforme claramente contido no caput do dispositivo normativo supra transcrito.

Além disso, o § 2º do mesmo dispositivo prevê que o Programa Idiomas sem Fronteiras promoverá a seleção dos participantes por meio de editais específicos, destinados, evidentemente, ao programa de qualificação em cada um dos idiomas a serem atendidos.

Em seguida, mais precisamente no dia 18 de novembro de 2014, foi publicado o Edital nº 33, o qual torna público o cronograma e demais procedimentos relativos ao processo seletivo para acesso ao curso online de língua francesa Français sans Frontières, ofertado pela Embaixada da França, em parceria com a Aliança Francesa”.

A publicação do referido Edital, contudo, desmascarou o efetivo desiderato do Programa Idiomas sem Fronteiras, indisfarçadamente destinado a beneficiar, pelo menos no curso de língua francesa, exclusivamente os estudantes das instituições de ensino superior públicas, em flagrante desconformidade com a norma instituidora do referido programa, a prefalada Portaria nº 973/2014.

Com efeito, o Edital nº 33 prevê, exclusivamente, o acesso de estudantes das universidades públicas e institutos federais ao curso online de língua francesa, conforme claramente contido em seu item 1.2: 

1.1. O Programa IsF disponibilizará nomes de usuário e senhas de acesso para a realização do curso online Français sans Frontières, de língua francesa, ofertado pela Embaixada da França, em parceria com a Aliança Francesa e organizado para desenvolver habilidades linguísticas, fomentar o desenvolvimento acadêmico e promover a mobilidade estudantil a países francófonos.

 

1.2. Serão ofertadas 1.500 (mil e quinhentas) senhas de acesso ao curso online, que serão distribuídas entre os alunos das universidades federais, universidades estaduais e institutos federais credenciados ao Programa IsF, conforme tabela disponível no endereço eletrônico isf.mec.gov.br/francês , e no quadro que se segue”.

O referido quadro, como já apontado no texto o item 1.2, contempla, única e exclusivamente, estudantes das instituições de ensino superior públicas.

Se dúvida houvesse quanto ao endereçamento exclusivo do referido curso, a análise dos critérios para acesso ao curso terminariam de dissolvê-las, porquanto, como contido no subitem 2.3.1., a matrícula ativa em instituição de ensino superior pública é conditio sine qua non para a participação no curso de língua francesa:

“2.3. Somente poderão se inscrever no processo seletivo alunos que atendam cumulativamente aos seguintes critérios:

2.3.1. alunos de graduação, de mestrado ou de doutorado, com matrículas ativas nas universidades federais, universidades estaduais e institutos federais credenciados ao Programa IsF;”.

Vale dizer, apesar de haver instituído e regulamentado um programa teoricamente destinado a “propiciar a formação e a capacitação em idiomas” de seus destinatários, que, em tese, seriam “estudantes, professores e corpo técnico-administrativo das Instituições de Educação Superior Públicas e Privadas”, o Ministério da Educação, mais uma vez, deixou evidente o preconceito e a discriminação que devota ao segmento da educação superior particular, porquanto, ao implementar logo o primeiro curso no âmbito do referido programa, fez questão de vedar aos estudantes dessas instituições, embora destinatários expressos do Programa Idiomas sem Fronteiras, a oportunidade de participação no curso online de língua francesa.

Inaceitável atitude revestida de tamanha carga discriminatória, sobretudo quando o programa em comento foi instituído tendo, expressamente, assegurado aos estudantes, docentes e pessoal técnico-administrativo de todas as instituições de ensino superior, públicas e privadas, o direito de participar desta iniciativa que, gerada de forma democrática, tem sua aplicação de forma demagógica e preconceituosa.

Mais uma vez, fica evidente que a expressão “parceria”, para o Ministério da Educação, não tem o significado consagrado, significando, sim, submissão a uma visão discriminatória e a aceitação das migalhas que caem das mesas em que os gestores públicos banqueteiam às expensas do contribuinte.

Lamentavelmente, o ano de 2014 vai chegando ao fim da mesma forma como teve início, sem que o segmento da educação superior privada seja visto com o devido respeito e tratado, efetivamente, como parceiro imprescindível para o atendimento das políticas públicas traçadas para a educação, em todos seus níveis e modalidades.

Resta, por fim, desejar a todos um excelente final de ano, e torcer, com um resquício de esperança, para que 2015 nos traga as doses esperadas e merecidas de respeito e dignidade.