Educação Superior Comentada | O uso do nome social nas instituições de ensino

Ano 3 • Nº 7 • De 17 a 23 de março de 2015

A Coluna Educação Superior Comentada desta semana comenta o uso do nome social nas instituições de ensino

23/03/2015 | Por: Gustavo Fagundes | 10512

O USO DO NOME SOCIAL NAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO

No último dia 12 de março, foi publicada no Diário Oficial da União, Seção 1, página 3, a Resolução nº 12, de 16 de janeiro de 2015, do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Travestis e Transexuais, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

A referida Resolução tem como escopo estabelecer “parâmetros para a garantia das condições de acesso e permanência de pessoas travestis e transexuais – e de todas aquelas que tenham sua identidade de gênero não reconhecida em diferentes espaços sociais, nos sistemas e instituições de ensino”, bem como formular “orientações quanto ao reconhecimento institucional da identidade de gênero e sua operacionalização”.

O artigo 1º da referida Resolução deixa absolutamente claro serem destinatárias de seus dispositivos todas as instituições e redes de ensino, em todos os níveis e modalidades, como claramente contido no mencionado artigo:

“Art. 1° Deve ser garantido pelas instituições e redes de ensino, em todos os níveis e modalidades, o reconhecimento e adoção do nome social àqueles e àquelas cuja identificação civil não reflita adequadamente sua identidade de gênero, mediante solicitação do próprio interessado.”

 

Em relação ao nome social, vale registrar, que, em conformidade com o Decreto nº 51.180/2010, do Estado de São Paulo, seria aquele nome pelo qual travestis e transexuais se reconhecem, bem como são identificados por sua comunidade e em seu meio social.

Ainda sobre a questão do nome social, vale mencionar a lição da Profa. Berenice Bento, em seu artigo “Nome social para pessoas trans: cidadania precária e gambiarra legal” (Revista Contemporânea, ISSN: 2236-532X, v. 4, n. 1 p. 165-182, Jan.–Jun. 2014):

“O Brasil é o único país do mundo onde, no vácuo de uma legislação geral, instituições garantem um direito negado globalmente. Aqui transmutamos o respeito à identidade de gênero em “nome social”. Universidades, escolas, ministérios e outras esferas do mundo público aprovam regulamentos que garantem às pessoas trans a utilização do “nome social”. Mudar sem alterar substancialmente nada na vida da população mais excluída da cidadania nacional. Assim, por exemplo, uma estudante transexual terá seu nome feminino na chamada escolar, mas no mercado de trabalho e em todas as outras dimensões da vida terá que continuar se submetendo a todas as situações vexatórias e humilhantes e portar documentos em completa dissonância com suas performances de gênero.” 

Desse modo, em virtude da entrada em vigor da Resolução anteriormente mencionada, os integrantes travestis e transexuais da comunidade acadêmica passaram a ter reconhecido e assegurado, desde que expressa e formalmente o solicitem, o uso de seu nome social no cotidiano acadêmico.

Esse direito, como não poderia deixar de ser, traz consigo a previsão de que lhes seja garantido, a partir da solicitação mencionada, o tratamento oral exclusivamente pelo nome social, em todos os atos da vida acadêmica, conforme estabelece o artigo 2º da prefalada Resolução.

Para assegurar a efetividade do direito em tela, todos os formulários e sistemas de informação deverão passar a conter o campo “nome social”, conforme estabelece o artigo 3º da Resolução CNCD/LBGT nº 12/2015:

“Art. 3° O campo ‘nome social’ deve ser inserido nos formulários e sistemas de informação utilizados nos procedimentos de seleção, inscrição, matrícula, registro de frequência, avaliação e similares.”

Desse modo, todos os formulários dos sistemas de informação das instituições, incluindo procedimentos de seleção, inscrição, matrícula, registro de frequência, avaliação e afins deverão, se solicitado pelo interessado, o campo “nome social”, o qual deverá ser doravante utilizado para a comunicação verbal com o estudante que o tenha requerido, inclusive nas situações relativas aos processos de acesso (concursos, inscrições, processos seletivos), assim como para as atividades de ensino regular e eventuais (seminários, palestras, cursos de extensão, etc.), como estipulado pelo artigo 9º da prefalada Resolução.

Mantendo a instituição instrumentos internos de identificação, tais como crachás de seus funcionários, o uso exclusivo do nome social, assegurando que, em seus registros administrativos, seja feita a devida vinculação entre o nome social adotado e a identificação civil do interessado, como determina, por seu turno, o artigo 4º da referida Resolução.

A emissão dos documentos oficiais, contudo, deverá manter a utilização do nome civil, mas garantindo-se, com igual ou mesmo maior destaque, a referência do nome social, para assegurar a efetiva aplicabilidade da Resolução e o atingimento de suas finalidades.

Os espaços da comunidade acadêmica em que haja separação ou segregação por gênero, como, exemplo, os banheiros e vestiários, deverão ter assegurada sua utilização de acordo com a identidade de gênero de cada sujeito, nos termos do artigo 6º da Resolução objeto deste texto:

“Art. 6° Deve ser garantido o uso de banheiros, vestiários e demais espaços segregados por gênero, quando houver, de acordo com a identidade de gênero de cada sujeito.”

Nas instituições em que seja adotado o uso de uniformes e demais elementos de indumentária que possibilite a identificação por gênero, a Resolução, em seu artigo 7º, preconiza que seja faculdade o uso de vestimentas em conformidade com a identidade de gênero de cada sujeito, nos seguintes termos:

“Art. 7° Caso haja distinções quanto ao uso de uniformes e demais elementos de indumentária, deve ser facultado o uso de vestimentas conforme a identidade de gênero de cada sujeito.”

 

O artigo 8º, por seu turno, prevê que seja estendida a estudantes adolescentes a garantia do reconhecimento da identidade de gênero, sem que seja obrigatória a autorização do responsável, o que, registre-se, equivaleria, na prática, à sua emancipação para atos da vida civil fora das hipóteses expressamente previstas no Código Civil.

Com efeito, o artigo 5º do Código Civil (Lei nº 10.406/2002), norma hierárquica de caráter nitidamente superior às resoluções de entes da Administração Pública, é absolutamente cristalino ao prever que a maioridade civil somente cessa aos dezoito anos de idade, verbis:

“Art. 5º A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil.”

Antes de completados os dezoitos anos, os menores de dezesseis anos são absolutamente incapazes para a prática dos atos da vida civil (Código Civil, artigo 3º, inciso I), sendo incapazes, ainda, quanto a certos atos ou à forma de exercê-los os menos entre dezesseis e dezoito anos (Código Civil, artigo 4º, inciso I).

Por outro lado, o anteriormente referido artigo 5º do Código Civil elenca, em seu parágrafo único, as situações em que cessa de pleno direito a incapacidade dos menores, sendo certo que não contemplada a hipótese de adoção de nome social que não reflita sua realidade de gênero:

“Artigo 5º. Omissis

Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade:

I - pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos;

II - pelo casamento;

III - pelo exercício de emprego público efetivo;

IV - pela colação de grau em curso de ensino superior;

V - pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria.”

Além disso, na situação dos menores de idade, ainda que adolescentes, há que se registrar que incumbe aos pais, em igualdade de condições, o exercício do pátrio poder, nos termos do artigo do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990):

Art. 21. O pátrio poder será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência.

Ora, pretender, por mera resolução de órgão da Administração Federal, revogar dispositivos expressos do Código Civil e do Estatuto da Criança e do Adolescente é demonstração nítida de desconhecimento do basilar princípio da hierarquia das normas, vulnerando a legalidade do dispositivo colidente com as mencionadas leis, sendo certo, no entanto, que este aparente conflito normativo não pode ser presumido, devendo ser objeto de demanda judicial, a ser oportunamente promovida por quem tenha legítimo interesse em sua solução.

De toda sorte, é evidente que os preceitos da Resolução CNCD/LBGT nº 12/2015 devem ser obedecidos por todas as instituições de ensino superior integrantes do sistema federa de ensino, sendo certo, ainda, que este acatamento deverá ser objeto de sua política de educação para os direitos humanos, conforme regulamentação contida na Resolução CNE/CP nº 1/2012.

 

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