A IMUNIDADE DE IMPOSTOS E A LIVRE INICIATIVA COMO POLÍTICAS DE ESTADO PARA A EDUCAÇÃO
Ao longo dos últimos anos temos convivido, em diversas manifestações dos titulares e demais dirigentes do Ministério da Educação com o mantra recorrente, embora não expresso, de que as figuras da imunidade de impostos e da livre iniciativa seriam criação neoliberal, com o único intuito de proporcionar a mercantilização da educação.
Este discurso, contudo, só pode ser lastreado em duas premissas.
A primeira é a evidente má-fé, numa tentativa de induzir a sociedade ao erro, criando, como diria César Maia, um factoide sem qualquer sustentação fática.
A segunda, menos grave, mas não menos absurda, é o absoluto desconhecimento da história constitucional do País.
Com efeito, a simples constatação de que os institutos da imunidade de impostos e da livre iniciativa estão inseridos na Constituição Federal promulgada em 1988, por si só, já demonstraria o descabimento deste discurso absurdo.
Vejamos o teor dos dispositivos constitucionais que tratam, respectivamente, da questão da imunidade de impostos (artigo 150, inciso VI, alínea c) e da livre iniciativa na educação (artigo 209):
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
.....
VI - instituir impostos sobre:
.....
c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;”.
“Art. 209. O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições:
I - cumprimento das normas gerais da educação nacional;
II - autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público.”
Destarte, estando os princípios objeto deste texto consagrados no texto constitucional, força é concluir que integram a política de Estado do Brasil para a educação, não podendo, de forma alguma, ser confundidas com políticas de Governo, ideologicamente estabelecidas.
Todavia, para melhor evidenciar o descabimento do discurso ideologicamente contaminado e tecnicamente infundado, cumpre fazer uma breve jornada no histórico de nossos diplomas constitucionais.
Em homenagem à verdade histórica e à seriedade com que o tema da educação vem sendo progressivamente tratado por nossas Constituições, vamos tratar de demonstrar, adiante, que a imunidade de impostos e a livre iniciativa na educação não podem, de forma alguma, ser consideradas novidades criadas pelo neoliberalismo com o intuito de possibilitar a mercantilização da atividade educacional.
Efetivamente, o embrião do princípio da imunidade de impostos surgiu, em nosso ordenamento jurídico, com a Constituição de 1934, cujo artigo 154 assegurava aos “estabelecimentos particulares de educação, gratuita primária ou profissional, oficialmente considerados idôneos”, a isenção de quaisquer tributos, nos seguintes termos e mantida a grafia original:
“Art 154 - Os estabelecimentos particulares de educação, gratuita primária ou profissional, oficialmente considerados idôneos, serão isentos de qualquer tributo.”
Na Constituição Federal de 1946, finalmente, foram asseguradas definitivamente a imunidade de impostos, praticamente nos mesmos termos do texto constitucional de 1988, ao mesmo tempo em que os professores foram contemplados com a isenção de impostos, nos termos do artigo 31, inciso V, alínea b e artigo 203, todos com sua grafia original:
“Art 31 – À União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios é vedado:
V - lançar impostos sobre:
b) templos de qualquer culto bens e serviços de Partidos Políticos, instituições de educação e de assistência social, desde que as suas rendas sejam aplicadas integralmente no País para os respectivos fins;”.
“Art 203 - Nenhum imposto gravará diretamente os direitos de autor, nem a remuneração de professores e jornalistas.”
Registre-se que, no texto constitucional de 1946, a imunidade de impostos era extensiva a todas as instituições de educação, desde que suas rendas fossem aplicadas integralmente no País para seus respectivos fins.
Esta ampla previsão foi, contudo, sendo limitada ao longo do tempo, de modo que, atualmente, apenas as instituições sem fins lucrativos e que atendam às demais exigências legais fazem jus à imunidade de impostos.
Também teve curta existência a imunidade de impostos sobre a remuneração dos professores, atualmente não apenas indignamente remunerados, mas sujeitos, ainda, à excessiva carga tributária vigente no País.
Para o objeto deste texto, contudo, o que deve ser destacado é que, desde então, todas as Constituições mencionam de forma expressa ser vedada a estipulação de impostos sobre patrimônio, renda e serviços das instituições de educação sem fins lucrativos e que atendam às disposições legais pertinentes.
A livre iniciativa, por seu turno, teve sua primeira aparição na Constituição Federal de 1937, no qual se assegurava que a atuação na arte, na ciência e no ensino eram “livres à iniciativa individual e a de associações ou pessoas coletivas públicas e particulares”, como estipulado em seu artigo 128, sempre observada a grafia original:
“Art 128 - A arte, a ciência e o ensino são livres à iniciativa individual e a de associações ou pessoas coletivas públicas e particulares.”
A partir da Constituição de 1937, portanto, restou constitucionalmente assegurada a livre iniciativa na área da educação, previsão esta contida em todos os diplomas constitucionais posteriores à referida Carta Magna.
Resta, portanto, sobejamente demonstrado o descabimento do discurso ideologicamente viciado e tecnicamente infundado que afirma serem os princípios constitucionais da imunidade de impostos e da livre iniciativa na educação meras criações mercantilistas impostas pela política neoliberal, porquanto, segundo apontam os argumentos acima, lastreados na história das Cartas Constitucionais, esses institutos estão constitucionalmente contemplados, respectivamente, desde 1946 e 1937.
Constituem, portanto, princípios que embasam e devem orientar as políticas de Estado do Brasil para a educação, as quais, evidentemente, é, ou pelo menos deveriam ser, muito mais amplas, perenes e sólidas do que meras políticas de Governo, instauradas periodicamente a partir da concepção ideológica deste ou daquele governante e ao sabor de suas conveniências e crenças pessoais.
?
Qualquer crítica, dúvida ou correções, por favor, entre em contato com a Coluna Educação Superior Comentada, por Gustavo Fagundes, que também está à disposição para sugestão de temas a serem tratados nas próximas edições.
A ABMES presta também atendimento presencial nas áreas jurídica e acadêmica. Saiba mais sobre o serviço e verifique as datas disponíveis.