DOIS PROBLEMAS ROTINEIROS NA RELAÇÃO DAS IES COM O MEC
Habitualmente tratamos dos diversos problemas enfrentados pelas instituições de ensino superior, notadamente as particulares, em sua relação com o MEC, especialmente no campo dos processos ligados às atividades de regulação, supervisão e avaliação.
Acompanhando esta realidade cotidiana, pudemos perceber que existem dois problemas fundamentais que atingem, democraticamente, praticamente todas as instituições, sem distinção de tamanho, configuração acadêmica e localização geográfica.
Estamos falando dos problemas ligados ao reiterado descumprimento dos prazos processuais, já amplamente identificados em nossos textos, mas, também, das rotineiras incorreções verificadas no cadastro das instituições e cursos superiores.
A questão dos prazos já foi exaustivamente tratada em textos anteriores, sendo, inclusive, tema de recente seminário realizado pela ABMES, sendo certo que suas consequências nefastas já foram analisadas nessas oportunidades.
O outro problema, relativo aos erros comumente encontrados no cadastro das instituições e dos cursos superiores, também vem trazendo transtornos para as instituições.
Exemplos dessas incorreções são os equívocos em relação ao número de vagas autorizadas para seus cursos superiores, a não inclusão, em tempo razoável, de cursos com autorização de funcionamento publicada no Diário Oficial e outras situações em que os dados lançados se mostram em desconformidade com a realidade fática e legal das instituições e de seus cursos, causando, com isso, toda série de transtornos que incorreções de dados cadastrais podem ocasionar.
O objetivo da coluna desta semana, identificados esses problemas bastante comuns, é fazer o registro de que existem soluções jurídicas relativamente simples para solucionar essas duas situações descabidas, ambas expressamente contidas na Constituição Federal de 1988.
Com efeito, a Constituição Federal traz, expressamente consagradas em seu artigo 5º, que trata dos direitos e garantias fundamentais, a previsão dos remédios jurídicos para essas duas situações de flagrante desrespeito dos agentes públicos aos mais basilares princípios.
Para o problema do reiterado descumprimento de prazos, ilegalidade que acarreta o injustificado retardamento de seu andamento e conclusão, a solução constitucional está claramente traçada no inciso LXIX do artigo 5º, nos seguintes termos:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
.....
LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por "habeas-corpus" ou "habeas-data", quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público;”.
Desse modo, verificada a ilegalidade da conduta desidiosa do agente público, caracterizada pelo descumprimento do prazo legal para a prática de ato processual sob sua responsabilidade, prevê a norma constitucional a possibilidade de impetração de mandado de segurança contra ato omissivo.
Impetrado o devido mandamus, com a demonstração da ilegalidade, caberá à autoridade judiciária o deferimento de liminar com o objetivo de determinar ao agente público que pratique o ato ilegalmente retardado, no prazo estipulado pelo magistrado.
Na hipótese de necessidade de correção de dado cadastral, sobretudo depois de formalizada a tradicional e, muitas vezes infrutífera, demanda por intermédio do sistema, o inciso LXXII do mesmo artigo 5º do texto constitucional prevê a figura do habeas data como o remédio jurídico apto a assegurar a solução do problema, nos seguintes termos:
“LXXII - conceder-se-á "habeas-data":
a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público;
b) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo;”.
Assim como ocorre no mandado de segurança contra ato omissivo, como acima apontado, na hipótese de impetração de habeas data com demonstração do erro nos dados cadastrais, deverá o magistrado, deferida a medida pleiteada, estipular o prazo para que o agente público promova a necessária retificação.
Essas duas figuras jurídicas possuem, ainda, algumas características comuns, que podem ser adotadas nas duas modalidades de demandas.
Com efeito, além da estipulação de prazo para cumprimento da ordem judicial para prática do ato retardado ou correção dos dados cadastrais, poderá o magistrado, se requerido pela parte, estipular pena pecuniária pelo desatendimento do prazo estabelecido para a prática do ato e até mesmo a aplicação de pena de prisão por descumprimento de ordem judicial.
Nas duas situações, ainda, é possível a solicitação de intimação do Ministério Público para apuração de eventual prática de ilícito penal.
Desse modo, resta evidente que a Constituição Federal de 1988 contempla, expressamente, soluções jurídicas simples e eficazes para dois problemas muito frequentes na relação entre as instituições de ensino superior e o Ministério da Educação, restando, portanto, que aprendamos a utilizar adequadamente as ferramentas que estão postas à nossa disposição.
A utilização dessas ferramentas constitucionais, além de ter o condão de solucionar o problema individual suportado pelos interessados, tem ainda, talvez como seu principal efeito, o caráter pedagógico de demonstrar, para os gestores públicos, que os direitos dos administrados devem ser efetivamente respeitados, sem o que haverá, sempre, a opção de buscar, junto ao Poder Judiciário, o restabelecimento da legalidade nas relações entre público e privado.
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