As Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) de diversos cursos superiores, assim como muitos projetos pedagógicos, contemplam uma confusão conceitual ao tratar de determinados aspectos relativos à figura do estágio.
Equívoco histórico era classificar o estágio como curricular ou extracurricular quando é certo que, de acordo com os termos da Lei n° 11.788/2008, todo estágio, para ser validamente realizado, deve estar previsto no currículo do curso, sendo, portanto, necessariamente atividade curricular.
A intenção, ao adotar a referida nomenclatura, era diferenciar o estágio caracterizado como componente curricular obrigatório daquele de cunho optativo.
Com efeito, especialmente a partir da edição do referido diploma legal, a denominação correta adotada deve ser “estágio obrigatório”, quando a atividade for exigida para a conclusão válida do curso superior, ou “estágio não obrigatório”, quando a atividade não seja exigida para o cumprimento da carga horária do curso, nos exatos termos dos §§ 1º e 2º de seu artigo 2º:
“Art. 2º O estágio poderá ser obrigatório ou não-obrigatório, conforme determinação das diretrizes curriculares da etapa, modalidade e área de ensino e do projeto pedagógico do curso.
§ 1º Estágio obrigatório é aquele definido como tal no projeto do curso, cuja carga horária é requisito para aprovação e obtenção de diploma.
§ 2º Estágio não-obrigatório é aquele desenvolvido como atividade opcional, acrescida à carga horária regular e obrigatória.”
Podemos identificar confusão semelhante ao estabelecer que as atividades de estágio supervisionado obrigatório sejam divididas em atividades de prática simulada e de prática real.
Ora, pela própria definição contida no artigo 1º da Lei n° 11.788/2008, podemos chegar, sem maiores esforços intelectivos, à conclusão de que o estágio compreende essencialmente as atividades de prática real, porquanto realizado no ambiente de trabalho e visando ao aprendizado de competências próprias da atividade profissional, nos termos ora apresentados:
“Art. 1º Estágio é ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à preparação para o trabalho produtivo de educandos que estejam freqüentando o ensino regular em instituições de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos.
§ 1º O estágio faz parte do projeto pedagógico do curso, além de integrar o itinerário formativo do educando.
§ 2º O estágio visa ao aprendizado de competências próprias da atividade profissional e à contextualização curricular, objetivando o desenvolvimento do educando para a vida cidadã e para o trabalho.”
Conceitual, e legalmente, portanto, entendo absolutamente equivocado o estabelecimento da noção de que o estágio supervisionado contemple a realização de atividades de prática simulada e real.
Com efeito, a norma legal em comento é absolutamente cristalina ao estabelecer que, para a legítima realização do estágio, é necessária a presença do orientador e do supervisor de estágio, figuras que somente estão presentes nas atividades de prática real.
Aproveitando este espaço, vou tentar, em poucas linhas, diferenciar essas duas figuras, que ainda geram dúvidas nas instituições de ensino.
Orientador de estágio é o docente vinculado à instituição de ensino superior, responsável por assegurar a adequação pedagógica das atividades previstas para o estágio, ou seja, deve verificar se as atividades de prática profissional previstas estão, de fato, compatíveis com a etapa da vida formativa em que se encontra o acadêmico.
Cabe ao orientador, portanto, assegurar que o acadêmico encaminhado para o estágio seja submetido apenas à realização de atividades de prática profissional para as quais já tenha obtido o necessário arcabouço teórico.
Supervisor de estágio, por seu turno, é o profissional da área onde ocorrerá a atividade prática a ser desenvolvida, responsável por verificar a adequação técnica das atividades realizadas pelo acadêmico.
Cabe ao supervisor, assim, verificar o grau de perfeição técnica que o acadêmico demonstra no exercício das tarefas próprias da atividade profissional.
Orientador e supervisor, evidentemente, deverão trabalhar de forma articulada para que possa haver a avaliação completa da atuação do estagiário garantindo, assim, a efetiva articulação entre teoria e prática no âmbito das atividades de estágio, assegurando, com isso, a adequada preparação do acadêmico para a atividade profissional.
As confusões apontadas neste texto decorrem, acredito, da elaboração de diretrizes curriculares nacionais anteriormente à edição da Lei n° 11.788/2008, sem que tenha, depois de sua publicação, havido a adequação da redação dos documentos educacionais que versem sobre a figura do estágio.
Decorrem, ainda, do fato de parte dos gestores educacionais não terem incorporado aos documentos institucionais a terminologia e os conceitos efetivamente trazidos pela mencionada lei.
Entendo necessário, portanto, que haja uma revisão das diretrizes curriculares nacionais, especialmente no que pertine ao tratamento da figura do estágio, para que as disposições sejam adequadas ao contido na Lei n° 11.788/2008.
Seria o caso, por exemplo, de estabelecer que as atividades práticas desenvolvidas no âmbito dos cursos superiores tenham a sua carga horária dividida para realização de atividades de prática simulada e de estágio, no qual seriam realizadas, exclusivamente, atividades de prática real, como preconiza claramente o artigo 1º da referida lei.
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