Educação Superior Comentada | Políticas, diretrizes, legislação e normas do ensino superior

Ano 1 • Nº 11 • De 24 a 30 de maio de 2011

30/05/2011 | Por: Celso Frauches | 5632

SÉRIE SOBRE EDUCAÇÃO SUPERIOR: TV GLOBO DISTORCE DADOS SOBRE AVALIAÇÃO

O Jornal da Globo, que vai ao ar por volta da meia noite, apresentou, na semana finda, uma série especial sobre a educação superior no Brasil.

Na primeira edição da série, no último dia 23, o repórter da TV Globo, ao analisar a avaliação dos cursos de graduação, “pisa na bola” e demonstra desconhecer o sistema de avaliação da educação superior, o Sinaes, mesmo com a assessoria de consultor especializado. Para a TV Globo, avaliação de curso é o Enade. Leiam a transcrição do que o repórter do Jornal da Globo afirmou:

Há sete anos, o Ministério da Educação reforçou o controle de qualidade com a criação do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes - o Enade. Mas os resultados ainda estão longe do ideal.
Como acontece na escola, as instituições de ensino superior no Brasil passam por uma prova anual. A escala vai de um a cinco. As notas um e dois são como médias vermelhas no boletim escolar. E é o nível alcançado por quase metade das faculdades particulares, avaliadas em 2009. As melhores notas ficam com as públicas, mais de 30% delas tiveram boa avaliação, contra menos de 5% das privadas.
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Visitamos a maior instituição de ensino superior do Maranhão. "Toda comissão do MEC que vem aqui, o nosso ponto que temos que melhorar é pesquisa, porque é um estado em que não tem”, conta Marcos Barros e Silva, pró-reitor acadêmico da Uniceuma.
A direção da Universidade mostrou o curso de medicina que recebeu nota quatro do MEC, numa escala que vai de um a cinco. A nota que ele se refere é da avaliação in loco. Mas, segundo o MEC, o índice mais importante é o de qualidade do curso, que leva em conta as instalações da faculdade, como os professores dão as aulas e o desempenho dos alunos.
Com duas avaliações diferentes, as universidades, é claro, escolhem a nota mais alta para falar do seu curso. (grifei)

Assista aqui ao vídeo: http://g1.globo.com/jornal-da-globo/noticia/2011/05/serie-especial-mostra-desafios-do-crescimento-do-ensino-universitario.html

O economista especializado em educação, Gustavo Ioschpe, que assessora a série do Jornal da Globo, não desfaz essa informação equivocada e diz apenas que “é uma situação de inércia de baixíssima qualidade, mas em que todo mundo está feliz e esse é o problema”.

A desinformação é total. A TV Globo, a maior rede de televisão do país, com a força dos seus brutais índices de audiência, passa para o seu cativo público, uma informação que não corresponde à realidade. O Enade não avalia a qualidade de nenhum curso de graduação. Avalia somente o desempenho do estudante. A avaliação dos cursos de graduação é realizada, sim, in loco, com instrumentos e critérios de avaliação aprovados pela Comissão de Avaliação da Educação Superior, a Conaes, colegiado que fixa as diretrizes da avaliação de instituições e de cursos de graduação.

É sempre bom lembrar que o Sinaes é integrado pela avaliação institucional (AI), que gera o Conceito Institucional (CI); pela avaliação dos cursos de graduação – bacharelados, licenciaturas e tecnologia – , na qual é atribuído o Conceito de Curso (CC); e o Enade, pela avaliação do desempenho dos estudantes, com o Conceito Enade. Todos esses conceitos variam de um a cinco, sendo insatisfatórios os conceitos iguais ou inferiores a dois.

O Conceito Institucional e o Conceito de Curso são atribuídos por comissão de especialistas, designada pelo Inep/MEC, mediante avaliação in loco, onde são analisados o projeto pedagógico institucional ou de curso, o corpo docente (titulação, regime de trabalho, produção científica), a infraestrutura acadêmica (biblioteca, laboratórios, locais de estágios) e as instalações físicas (prédios, salas de aula, ambientes de convivência comunitária, práticas desportivas etc.). Esses são os conceitos que avalia a qualidade de uma faculdade, centro universitário ou universidade e os cursos de graduação nas suas variadas modalidades – bacharelados, licenciaturas e de tecnologia.

O MEC toma os conceitos do Enade somente para construir conceitos preliminares, para os efeitos de supervisão – o Conceito Preliminar de Curso (CPC) e o Índice Geral de Cursos (IGC). Os conceitos para os atos de regulação – credenciamento e recredenciamento de IES e autorização, reconhecimento e renovação de reconhecimento de cursos de graduação – são apropriados da avaliação in loco, desenvolvida por especialistas, com mestrado ou doutorado, designados pelo Inep. O resto é papo furado de quem não entende de avaliação ou repete o que o MEC deseja.

Como bem registra Maurício Garcia, PhD, vice-presidente de planejamento e ensino da DeVry Brasil, em lúcido comentário:

 

O principal ponto a destacar é que o Enade, tecnicamente, é uma curva forçada. Ou seja, os dados passam por um tratamento estatístico visando sua normalização. Isso significa que sempre haverá cursos 1 e 2, ainda que o desempenho seja excepcional.

 

O MEC, todavia, não tem nenhum interesse em desfazer os equívocos da maior rede de tv do Brasil e divulgar a verdade sobre o sistema de avaliação da educação superior. Isso não é novidade. Foi sempre assim, desde o famoso “provão”.

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CURSOS SUPERIORES DE TECNOLOGIA X CURSOS SEQUENCIAIS

A LDB – Lei nº 9.394, de 1996 – dispõe, no art. 44, com a redação dada pela Lei nº 11.632, de 2007, sobre os cursos e programas de educação superior, nos seguintes termos:

Art. 44. A educação superior abrangerá os seguintes cursos e programas:
I - cursos sequenciais por campo de saber, de diferentes níveis de abrangência, abertos a candidatos que atendam aos requisitos estabelecidos pelas instituições de ensino, desde que tenham concluído o ensino médio ou equivalente;
II - de graduação, abertos a candidatos que tenham concluído o ensino médio ou equivalente e tenham sido classificados em processo seletivo;
III - de pós-graduação, compreendendo programas de mestrado e doutorado, cursos de especialização, aperfeiçoamento e outros, abertos a candidatos diplomados em cursos de graduação e que atendam às exigências das instituições de ensino;
IV - de extensão, abertos a candidatos que atendam aos requisitos estabelecidos em cada caso pelas instituições de ensino.

 

Os cursos sequenciais, previstos no inciso I, são uma criação do senador Darcy Ribeiro, responsável pelo texto final da Lei 9.394.

 

A pretensão do senador era a de democratizar o acesso ao ensino superior, mediante o ingresso de estudantes, concluintes do ensino médio, que desejassem cursar disciplinas isoladas, por um semestre letivo, dos cursos de graduação ofertados pelas instituições de educação superior. Concluída a frequência e a avaliação nessas disciplinas, a IES certificaria esses estudos e o aluno poderia aproveitá-los em cursos de graduação regulares. Por isso, o inciso I do art. 44 delegou às instituições o poder de fixar os requisitos de acesso a esse tipo de curso superior, “desde que tenham concluído o ensino médio ou equivalente”.

Mas a Câmara de Educação Superior (CES) do Conselho Nacional de Educação (CNE) deliberou regulamentar a matéria pela Resolução nº 1/1999.

Por essa norma, os cursos sequenciais são considerados cursos superiores, mas não cursos de graduação. São cursos destinados à obtenção ou atualização “de qualificações técnicas, profissionais ou acadêmicas” e de “horizontes intelectuais em campos das ciências, das humanidades e das artes”. Dividiu os cursos sequenciais em dois tipos (Art. 3º): “I - cursos superiores de formação específica, com destinação coletiva, conduzindo a diploma; II - cursos superiores de complementação de estudos, com destinação coletiva ou individual, conduzindo a certificado”. (grifei)

Os cursos superiores de formação específica (CSFE, para abreviar a sua designação) devem ter a carga horária mínima de 1.600h, que não podem ser integralizadas em prazo inferior a quatrocentos dias letivos, e conduzem a diploma. Estão sujeitos aos processos de autorização, reconhecimento e renovação de reconhecimento.

Os de complementação de estudos não dependem de autorização ou reconhecimento e a carga horária será definida pela IES.

O art. 10 define que os estudos realizados nos cursos sequenciais “podem vir a ser aproveitados para integralização de carga horária exigida em cursos de graduação, desde que façam parte ou sejam equivalentes a disciplinas dos currículos destes”.

Os cursos sequenciais devem ser ofertados nas áreas de cursos de graduação reconhecidos, mas não conduzem ao exercício de nenhuma profissão regulamentada. Ou seja, os seus diplomas e certificados estão sujeitos ao registro acadêmico, mas não ao registro em qualquer corporação profissional (OAB e conselho profissionais de medicina, odontologia, enfermagem, contabilidade etc.).

As origens dos cursos superiores de tecnologia podem ser identificadas pela criação, em 1963, na vigência da Lei nº 4.024, de 1961, a primeira LDB, do curso de Engenheiro de Operação, com a duração mínima de 2.200h (Parecer CFE nº 60/63). O bacharelado das engenharias tinha 3.600h de duração, como ainda hoje. 

Os cursos de Engenharia Operacional tiveram vida curta. Foram extintos em 1977, por ato do mesmo órgão que os criou, o Conselho Federal de Educação. Podem, todavia, ser considerados os primeiros cursos superiores de tecnologia.  

A LDB de 1961 não previa a existência dos cursos superiores de tecnologia.

Com a Reforma Universitária de 68 (Lei nº 5.540, de 1968, e Decreto-lei nº 464, de 1969), surgiu a possibilidade da implementação de outras modalidades de cursos superiores. O art. 23 e seus parágrafos da Lei nº 5.540, de 1968, abriam caminho para a implantação regular dos cursos superiores de tecnologia, dispondo que “os cursos profissionais poderão, segundo a área abrangida, apresentar modalidades diferentes quanto ao número e à duração, a fim de corresponder às condições do mercado de trabalho”, com a possibilidade de serem “organizados cursos profissionais de curta duração, destinados a proporcionar habilitações intermediárias de grau superior”.

Esse dispositivo ensejou o Projeto 19 – Projeto Setorial de Incentivo às Carreiras de Curta Duração, como parte do Projeto Setorial de Educação, no início da década de 70, aprovado pelo MEC. Estávamos no auge da “administração por objetivos”, por projetos.

Os cursos superiores de tecnologia surgiram, então, no bojo do Projeto 19, como “cursos superiores de curta duração”.

O VII Seminário de Assuntos Universitários, promovido pelo então Conselho Federal de Educação, em maio de 1974, tratou da questão, no item “Cursos de Curta Duração no Ensino Superior”. O relator da matéria foi o conselheiro Edson Machado de Souza. O seu trabalho, sob o tema “Cursos de Curta Duração: Definições e Experiências – Estrutura e Conteúdo – Implantação no Ensino Superior Brasileiro”, questiona a designação de “Cursos Superiores de Curta Duração” e sugere, como mais adequada, a denominação de “Cursos de Graduação em Tecnologia”, atribuindo-se ao formando o título de “Tecnólogo”. Posteriormente, tais cursos passaram a ser denominados “cursos superiores de tecnologia” (Curso Superior de Tecnologia em Processamento de Dados, por exemplo), continuando o concluinte a ser denominado “Tecnólogo”.

A segunda LDB – Lei nº 9.394, de 1996 – inovou com o capítulo “Da educação profissional e tecnológica”, com a redação dada pela Lei nº 11.741, de 2008.

A educação profissional e tecnológica abrange, na educação superior, a “educação profissional tecnológica de graduação e pós-graduação”. Esses cursos “organizar-se-ão, no que concerne a objetivos, características e duração, de acordo com as diretrizes curriculares nacionais estabelecidas pelo Conselho Nacional de Educação”.

O art. 41 permite que “o conhecimento adquirido na educação profissional e tecnológica, inclusive no trabalho”, seja “objeto de avaliação, reconhecimento e certificação para prosseguimento ou conclusão de estudos”.

A Resolução CP/CNE nº 3, de 2002, institui as diretrizes curriculares nacionais gerais para a organização e o funcionamento dos cursos superiores de tecnologia.

Essa demora do CNE em regulamentar os cursos superiores de tecnologia fez com que diversas IES implantassem, a partir de 1999, os cursos sequenciais de formação específica, com a duração mínima de 1.600h, surgindo os modelos acadêmicos de “dois + dois”: o aluno obtinha o diploma de curso sequencial ao final do segundo ano letivo e, cursando mais dois, teria direito ao diploma de bacharelado.

Segundo a citada Resolução CP/CNE nº 3/2002 (art. 2º) os cursos superiores de tecnologia são cursos de graduação, conduzindo a diploma, e deverão:

* incentivar o desenvolvimento da capacidade empreendedora e da compreensão do processo tecnológico, em suas causas e efeitos;
* incentivar a produção e a inovação científico-tecnológica, e suas respectivas aplicações no mundo do trabalho;
* desenvolver competências profissionais tecnológicas, gerais e específicas, para a gestão de processos e a produção de bens e serviços;
* propiciar a compreensão e a avaliação dos impactos sociais, econômicos e ambientais resultantes da produção, gestão e incorporação de novas tecnologias;
* promover capacidade de acompanhar as mudanças nas condições de trabalho, bem como propiciar o prosseguimento de estudos em cursos de pós-graduação;
* adotar a flexibilidade, a interdisciplinaridade, a contextualização e a atualização permanente dos cursos e seus currículos;
* garantir a identidade do perfil profissional de conclusão de curso e da respectiva organização curricular.

Os CST estão sujeitos a autorização, reconhecimento e renovação de reconhecimento e podem ser avaliados nos ciclos trienais do Sinaes/Enade.

Um curso superior de tecnologia não é uma graduação de curta duração simplesmente. O que o distingue dos cursos de graduação plena (bacharelado ou licenciatura) é o seu grau de especialidade, de aprofundamento de estudos e práticas numa sub-área profissional. Por exemplo, não há curso superior de tecnologia em Sistemas de Informação, mas CST em Análise e Desenvolvimento de Sistemas, Banco de Dados, Jogos Digitais, Redes de Computadores, Segurança da Informação, Sistemas para a Internet, Telemática.

Segundo as diretrizes curriculares para os cursos superiores de tecnologia, os profissionais graduados, neste tipo de curso, podem ampliar sua área de atuação, mediante estudos em outros tipos de cursos de graduação (licenciaturas e bacharelados), cursos sequenciais ou cursos de pós-graduação (aperfeiçoamento, especialização, mestrado e doutorado). O acesso aos cursos de mestrado e doutorado está condicionado aos pré-requisitos estabelecidos, em cada programa, pela universidade, centro universitário ou faculdade responsável pela oferta dos mesmos.

Os CST têm, a partir de 2006, um Catálogo Nacional, passando a ser classificados por “eixo tecnológico”.

http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12503&Itemid=841

O Catálogo é uma espécie de “currículo mínimo”, não definindo diretrizes curriculares por curso, mas por eixo tecnológico. São treze os atuais eixos: ambiente e saúde, apoio escolar, controle e processos industriais, gestão e negócios, hospitalidade e lazer, informação e comunicação, infraestrutura, militar, produção alimentícia, produção cultural e design, produção industrial, recursos naturais e segurança.

A autorização e o reconhecimento de CST que não constem do Catálogo estão sujeitos a prévia manifestação do MEC, pela secretaria competente. Esse é um dos entraves à criatividade e à inovação para essa modalidade de curso de graduação.

As diferenças fundamentais entre os cursos sequenciais de formação específica (CSFE) e os cursos superiores de tecnologia (CST) são o nível de formação – os CST são cursos de graduação e os CSFE são de nível superior, mas não de graduação – e a qualificação profissional e acadêmica. Os CST formam em sub-áreas profissionais ou eixos profissionais específicos, enquanto que os CSFE são “por campos de saber” e com “diferentes níveis de abrangência”, podendo compreender: “a) parte de uma ou mais das áreas fundamentais do conhecimento; ou  b) parte de uma ou mais das aplicações técnicas ou profissionais das áreas fundamentais do conhecimento”. Os diplomados em CST podem ter acesso a cursos e programas de mestrado e doutorado; os dos CSFE somente podem ingressar nos cursos de pós-graduação lato sensu (especialização, aperfeiçoamento, atualização), nos termos da Resolução CNE/CES nº 1/2007.

Os cursos sequenciais, todavia, “caíram em desgraça” na atual gestão do MEC. A Nota Técnica nº 69/2010, da Secretaria de Educação Superior, ora em análise na Câmara de Educação Superior do CNE pretende acabar com esse tipo de curso ou reduzir a sua abrangência, com a proibição, até, de aproveitamento de estudos. As IES que ministram esse tipo de curso ou as que pretendam devem “ficar de olho”, porque as regras podem mudar a qualquer momento. E, como em todas diretrizes e ações do MEC, não há direito adquirido e nem obediência aos atos regulatórios. As regras mudam durante o jogo, de acordo com os interesses e visão dos administradores de plantão.