Educação Superior Comentada | Políticas, diretrizes, legislação e normas do ensino superior

Ano 1 • Nº 14 • De 14 a 20 de junho de 2011

20/06/2011 | Por: Celso Frauches | 2748

QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: SISTEMA ÚNICO DA EDUCAÇÃO BÁSICA – UMA PROPOSTA

No último dia 15, participei, representando a ABMES, de audiência pública, na Comissão de Educação, Cultura e Esportes do Senado Federal, sobre o Plano Nacional de Educação (PNE) 2011/2020.

A sessão foi presidida pela senadora Ana Amélia (PP-RS). Participaram como expositores, ainda, o presidente da Câmara de Educação Superior do CNE, Paulo Speller, o representante da Andifes, Álvaro Prata (reitor da UFSC), o representante da Academia Brasileira de Ciências, Isaac Roitman, e a representante da Associação Nacional dos Pós-Graduandos, Elisângela Lizardo. Todos fomos unânimes em defender mais recursos para a educação: 10% do PIB. Defendi, ainda, 50% do fundo social do pré-sal para a educação básica.

(Veja aqui a notícia ou no site do Senado Federal)

Todos reconhecemos que o maior problema da educação brasileira encontra-se na educação básica, onde as escolas públicas representam mais de 86% desse universo. A má qualidade da educação básica cria um enorme fosso, no acesso e na permanência na educação superior, tanto nas IES privadas quanto públicas.

A educação básica necessita de uma ação inovadora, criativa e corajosa dos poderes públicos. O governo federal (executivo e congressistas) tem, todavia, uma responsabilidade maior. Sugeri, a partir dessa perspectiva, que o Congresso Nacional institua um Sistema Único da Educação Básica, com a participação dos sistemas federal, estaduais e do Distrito Federal e municipais, a exemplo do SUS, mas sem as mazelas deste. O Sueb aglutinaria recursos financeiros e materiais e capital humano para retirar a educação básica da atual situação e promover uma verdadeira revolução nesse nível de ensino, em todos os sentidos, mas com ênfase na formação e capacitação de professores e no uso de metodologias ativas de ensino, com apoio em tecnologias da informação e comunicação contemporâneas.

O fundamento legal para essa iniciativa está no art. 211 da Constituição e no art. 8º da Lei nº 9.394, de 1996 (LDB), transcritos em seguida.

Constituição

Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino.

LDB

Art. 8º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão, em regime de colaboração, os respectivos sistemas de ensino.

§ 1º Caberá à União a coordenação da política nacional de educação, articulando os diferentes níveis e sistemas e exercendo função normativa, redistributiva e supletiva em relação às demais instâncias educacionais.

Um “Brasil sem fome” ou um “Brasil sem misérias” é um Brasil com educação de qualidade para os milhões de brasileiros que se encontram na miséria ou na pobreza. Uma educação básica de qualidade, pública e gratuita, será uma ação efetiva dos poderes públicos para reduzir ou eliminar a miséria e a pobreza. Cesta básica ou outras políticas assistencialistas podem ser necessárias como ação emergencial, mas somente políticas públicas permanentes e comprometidas com o desenvolvimento integral do ser humano, tendo a educação de qualidade como base, podem conduzi-lo à liberdade e à realização plena. Como bem dizia o poeta Luiz Gonzaga:

“... uma esmola, pra um homem que é são,

ou lhe mata de vergonha, ou vicia o cidadão”.

 

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INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO DO INEP: O SINAES É DESPREZADO

O portal do Inep publica uma Nota Técnica sobre a “reformulação dos instrumentos de avaliação dos cursos de graduação da educação superior para operacionalização do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior – Sinaes”. A Nota Técnica diz que “os instrumentos de avaliação estarão disponíveis na página do Inep para consulta pelas IES e demais interessados nos processos avaliativos do Sinaes”.

http://portal.inep.gov.br/web/guest/nota-tecnica1

O Semesp informa que será realizada “Audiência Pública sobre os Instrumentos de Avaliação de Cursos de Graduação”, no próximo dia 28, em São Paulo, “para entidades representativas de Instituições Privadas”, no Auditório ITAÚ, da FGV, na Avenida 9 de julho, 2029, das 14h às 18h.

O Fórum das Entidades Representativas do Ensino Superior Particular está promovendo meticulosa análise desses novos instrumentos, sob a competente e lúcida liderança de Maurício Garcia, vice-presidente da DeVry do Brasil.

A ABMES vai realizar um seminário, em julho, dia 4, sobre o mesmo tema, com a participação dos consultores Maurício Garcia, da DeVry do Brasil, e Gustavo M. Fagundes, do Ilape/ABMES.

O Gustavo, meu colega do Ilape, está fazendo um meticuloso estudo sobre os instrumentos propostos, para sua apresentação no citado seminário da ABMES. Esse seminário é imperdível.

Entendo que os instrumentos foram simplificados, uniformizados, atendendo às orientações da Conaes. A equipe do Inep trabalhou com bastante competência e dedicação nesses instrumentos.

Numa análise apressada, não vejo justificativas legais ou para a melhoria da qualidade do ensino para que continuem instrumentos específicos para os “cursos imperiais” – direito e medicina – ou qualquer outro.

O instrumento para avaliação dos cursos de medicina, por exemplo, tenta validar o Conceito Enade e o Conceito Preliminar de Curso (CPC) como conceitos de qualidade de um curso de graduação. O Conceito de Curso (CC) é previsto no Sinaes, único sistema criado por lei – Lei nº 10.861, de 2004. O Conceito Enade não é conceito de qualidade de curso, reflete o desempenho do estudante em dado curso. O CPC não é conceito de qualidade de nada; é uma invenção do MEC que as IES estão aceitando passivamente.

A maioria das IES fica satisfeitíssima com o conceito 3. E até publicam anúncio ressaltando esse tipo de avaliação pelo MEC!

Para o conceito 3 (satisfatório), no item 1.14 do instrumento de avaliação do curso de medicina, a IES deverá oferecer, pelo menos, “4 cursos de graduação na área de saúde reconhecidos, e que, no último ciclo avaliativo, alcançaram no mínimo conceito 4 no ENADE e no CPC (quando houver)”.

Desejam barrar a autorização de novos cursos de medicina com medidas fora da lei. E com a aquiescência do Congresso Nacional.

Por outro lado, insistem em exigir um terço de doutores e mestres para todo tipo de IES e de curso de graduação, como se quantidade de doutores em um dado curso seja sinônimo de qualidade da educação ministrada. Equiparam faculdades a universidade ou centro universitário.

O mesmo acontece em relação ao regime de trabalho: tempo integral (TI) e tempo parcial (TP). Com referência ao tempo parcial desejam, via glossário, caracterizá-lo como jornada de vinte horas semanais, sem qualquer respeito ao que já vem sendo praticado há anos. Querem enquadrar as IES privadas nos padrões da universidade pública, num desrespeito ao art. 209 da Constituição.

Nunca é demais repetir que o CPC (Conceito Preliminar de Curso) e o IGC (Índice Geral de Cursos) não são conceitos ou indicadores de qualidade de cursos de graduação ou de instituições de educação superior. Os conceitos consagrados em Lei e que integram o Sinaes são: CC (Conceito de Curso) para avaliar a qualidade de um curso de graduação (bacharelado, licenciatura ou CST) e CI (Conceito Institucional) para avaliar a qualidade de uma IES. Ambos são usados para os processos de autorização, reconhecimento e renovação de reconhecimento de cursos e para o credenciamento e recredenciamento institucional (faculdades, centros universitários e universidades).

Outra questão: o MEC usa o disposto na Lei do Sinaes – Lei nº 10.861, de 2004 – sobre a transparência e o caráter público dos processos avaliativos para divulgar, amplamente, os resultados do Enade e, em consequência, os marginais CPC e IGC. Por que não divulga as avaliações institucionais, que geram o Conceito Institucional (CI) e as avaliações dos cursos de graduação, que determinam o Conceito de Curso (CC)?

O “caráter público de todos os procedimentos, dados e resultados dos processos avaliativos” do Sinaes, como exige o inciso II do art. 2º da Lei nº 10.861, de 2004, é para “todos os processos avaliativos”, entre os quais as avaliações in loco para IES e cursos. A divulgação ampla que é dada aos resultados do Enade deve ser também promovida em relação aos CIs e CCs. É o que determina o art. 9º da mesma lei, que o MEC descumpre desde 2004:

Art. 9o O Ministério da Educação tornará público e disponível o resultado da avaliação das instituições de ensino superior e de seus cursos.

Talvez um dia eles entendam e cumpram a lei...

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BOA NOTÍCIA: RESPONSABILIDADE CIVIL PARA GESTORES EDUCACIONAIS

A Câmara dos Deputados está analisando projeto de lei que trata da responsabilidade educacional no país. A matéria prevê penalidades para chefes de executivos (presidente, governadores e prefeitos) e gestores educacionais que descumpram leis, normas, regras e metas referentes ao ensino, incluindo os resultados obtidos em avaliações de cursos e de IES.
Trata-se de medida interessante.

O § 1º do art. 46 da LDB (Lei nº 9.394, de 1996), por exemplo, prevê a desativação de cursos e habilitações, intervenção, suspensão temporária de prerrogativas da autonomia, ou descredenciamento de IES mantida pela livre iniciativa, após avaliações insatisfatórias. Quando se tratar, todavia, de instituição pública, o § 2º determina que “o Poder Executivo responsável por sua manutenção acompanhará o processo de saneamento e fornecerá recursos adicionais, se necessários, para a superação das deficiências”. (grifei)

Proponho, na esteira do propósito dos legisladores de criarem uma lei de responsabilidade educacional, que o § 2º do art. 46 da Lei nº 9.394, de 1996, passe a ter a seguinte redação

Art. 46.  A autorização e o reconhecimento de cursos, bem como o credenciamento de instituições de educação superior, terão prazos limitados, sendo renovados, periodicamente, após processo regular de avaliação.

§ 1º ...

§ 2º No caso de instituição pública, o Poder Executivo responsável por sua manutenção acompanhará o processo de saneamento e instaurará processo administrativo para apurar a responsabilidade dos gestores educacionais no fraco desempenho institucional ou do curso. (NR)

A atual redação não pune. Pelo contrário, premia a instituição com “recursos adicionais”, sem qualquer referência à (in)competência gerencial do administrador público responsável pelo curso ou pela IES.