Educação Superior Comentada | Políticas, diretrizes, legislação e normas do ensino superior

Ano 1 • Nº 16 • De 28 de junho a 4 de julho de 2011

04/07/2011 | Por: Celso Frauches | 31957

REGIME ACADÊMICO: SERIADO  X  MATRÍCULA POR DISCIPLINA

O regime de matrícula por disciplina, com pré-requisitos, foi implantado, no Brasil, com a Reforma Universitária de 68. Este regime foi imposto, de cima para baixo, em todas as universidades federais, a partir de 1968. Paralelamente, o então Conselho Federal de Educação, onde tinham assento os principais mentores da reforma – Newton Sucupira e Valnir Chagas –, praticamente, obrigava (“recomendava”) as instituições particulares a implantarem o mesmo regime, nos processos de autorização ou reconhecimento de cursos.

Àquela época, vigorava o regime seriado anual, rígido, inflexível. A matrícula por disciplina, por semestre, veio oxigenar o ensino superior, permitindo que o aluno compusesse o seu próprio currículo, obedecidos os pré-requisitos, e controlasse o ritmo ou tempo de integralização curricular. Os mais lentos poderiam cursar duas ou três disciplinas no semestre; os mais rápidos e/ou competentes, cinco, sete, oito.

O regime de matricula por disciplina foi responsável pela introdução do sistema de créditos como medida de controle de integralização curricular. Antes, no regime seriado, o controle era realizado tendo como medida a carga horária de cada disciplina. Esse fato – a introdução do sistema de crédito junto com o regime de matrícula por disciplina – fez com que um fosse confundido com o outro e, até, como sinônimos. O crédito, todavia, é uma medida de controle de integralização curricular, que pode ser utilizado no regime de matrícula por disciplina ou no seriado.

A unidade de crédito iniciou como sendo 15 horas-aula, em virtude da unanimidade das instituições de ensino superior, na década de 60, integralizarem o currículo de seus cursos de graduação em períodos anuais de 30 semanas, quando o ano letivo tinha, no mínimo, 180 dias letivos. Com o critério de matrículas semestrais, o semestre ficou com 15 semanas, ou 90 dias letivos.

A partir da década de 70, com a expansão do ensino superior privado, surgiram os módulos semestrais de 16, 17, 18, 19 ou 20 semanas letivas. Passou a existir, assim, unidade de crédito de 16, 17, 18, 19 ou 20 horas-aula. Com a Lei 9.394, de 1996 (LDB), fixando a duração mínima do ano letivo em duzentos dias, os semestres letivos não podem ter duração inferior a 17 semanas, com o uso de seis dias por semana. Caso a opção seja de cinco dias letivos, por semana, a duração do semestre terá que ser, obrigatoriamente, de, no mínimo, 20 semanas. Daí os créditos terem, hoje, na maioria das IES a unidade fixada em 18 ou 20h.

Em 1982, decorridos catorze anos da Reforma Universitária, algumas universidades federais iniciaram um “movimento de rebeldia” ao regime de matrícula por disciplina. A Universidade Federal de Goiás, por exemplo, no uso de sua autonomia, tomou a iniciativa de voltar ao regime seriado, com base nos seguintes argumentos, aprovados por seus colegiados superiores:

a)   O regime de matrícula por disciplina dissimula o problema básico de todo currículo: como educar e para que educar.  Isto porque o Currículo obrigatório é complementado pelas escolhas individuais dos alunos, ou seja, os Cursos não têm mais seu currículo, mas tantas quantas forem as combinações possíveis entre a parte fixa e as disciplinas “eletivas” da Universidade.

b)   Decretou-se o fim da turma como unidade sociabilizadora de convívio universitário, prejudicando a integração e a co-educação dos estudantes com reflexos diretos na própria assimilação. A diluição das turmas diminui a oportunidade de organização de grupos que se formam no decorrer do Curso e contribuem naturalmente para a auto e hetero-educação social dos estudantes.

c)   Instaurou-se a fragmentação do saber, dificultando e, até mesmo, impossibilitando ao universitário a formação de uma visão global de mundo e da profissão.   A integração curricular tornou-se cada vez mais difícil, do ponto de vista da globalização, nessa modalidade de ensino. E o desenvolvimento formativo do estudante que poderia ser facilitado, com acompanhamento contínuo, no decorrer da vida acadêmica, fica fragmentado face a uma preocupação única: a acumulação de créditos; assim, é negada, ao aluno, a visão de conjunto, sendo ele incapaz de, ao final do curso, relacionar as disciplinas cursadas, para efeito do exercício da profissão, o que fica evidenciado, por exemplo, no estágio de final de curso.

d)   O regime de matrícula por disciplina dá margem à multiplicação de disciplinas, atendendo, às vezes, a interesses alheios às necessidades de melhoria do ensino.

e)   A proliferação desordenada de disciplinas, sem vinculação entre si, ministradas por professores diferentes, em lugares e tempos diferentes, gera uma visão caótica do saber, em que a vaidade e complexidade epistemológica dá lugar à superficialidade de conhecimentos justapostos.

f)    A heterogeneidade das turmas, que congregam desde calouros a alunos formandos, dificulta a definição de nível de ensino e de avaliação, o que, forçosamente, termina por um nivelamento por baixo do conhecimento ministrado.

g)   A matrícula por disciplina favorece o descompromisso do aluno “caçador de créditos”, provocando os consideráveis abandonos de disciplinas no decorrer do semestre e acumulando a necessidade de oferta de novas turmas nos semestres seguintes ou o excessivo número de alunos por turma.

h)   A racionalidade, propalada como vantagem desse sistema, tem sido desmistificada quando, em vez de reduzir a capacidade ociosa dos recursos materiais e humanos (justificativa para adoção do regime de matrícula por disciplina), tem, com freqüência, sobrecarregado o trabalho docente, em determinadas disciplinas, e um esvaziamento das turmas no final do Curso. Por outro lado, torna-se cada vez mais séria a questão do espaço físico, incapaz de conter o enorme número de turmas exigido pela demanda semestral de disciplinas. Constata-se, pois, que a racionalidade administrativa não coincide com a racionalidade pedagógica.

i)     A matrícula semestral por disciplina aumenta os “custos”, tanto para o aluno como para a Universidade, além de burocratizar ainda mais o processo, gastando-se muito tempo durante o ano com essa atividade. Os Colegiados ficam burocraticamente envolvidos com a organização de horários, orientação de matrícula, prejudicando seriamente suas outras atividades básicas.

j)     Criaram-se condições objetivas para a transformação dos estudantes em “caçadores de créditos” – ou seja, eles selecionam as disciplinas por número de créditos, independentemente de o seu conteúdo estar ou não de acordo com suas necessidades curriculares e reais de formação profissional. Isto tem acontecido, de maneira mais acintosa, com as chamadas “disciplinas eletivas”. (os grifos no original)

Algumas das questões levantadas pela Universidade Federal de Goiás são características das instituições públicas e outras estão mais ligadas ao momento em que vivia o mundo universitário, na década de 80, sufocado por um regime militar e, por sua vez, tentando sufocar os gritos de liberdade ou independência dos alunos marcados por ideologias ou simplesmente compromissados com a democracia.

Hoje, a realidade é outra. A partir da nova LDB – Lei nº 9.394, de 1996 – desapareceu a “camisa de força” em que viviam as instituições de ensino superior, submissas à Lei nº 5.540, de 1968, e ao Decreto-lei nº 964, de 1969, gerados no regime militar. Desaparece a obrigatoriedade dos “departamentos”, como unidade acadêmico-administrativa, e do regime de matrícula por disciplina, “recomendado” pelo CFE.

A LDB é omissa quanto aos regimes acadêmicos que podem ser adotados pelas IES, ao contrário da Reforma Universitária de 68, que determinou a implantação do regime de matrícula por disciplina, com pré-requisitos, e a extinção do regime seriado. É da competência de cada IES, portanto, fixar o regime acadêmico a ser adotado em seus cursos e programas de educação superior.

O regime de matrícula pode ser seriado ou por disciplina.

O regime seriado é caracterizado pela oferta de disciplinas fixas, por série. A matrícula é na série e, não, na disciplina. A duração da série pode ser em módulos anuais, semestrais, quadrimestrais, trimestrais etc.

O regime de matrícula por disciplina caracteriza-se pela oferta de disciplinas, com pré-requisitos, à escolha do aluno. Também pode ser ofertado em períodos letivos de módulos diversos (anuais, semestrais, trimestrais, bimestrais).  A diferença é que o aluno é quem escolhe as disciplinas a serem cursadas, retiradas do elenco fixado pela IES, obedecidos os pré-requisitos estabelecidos pelo órgão próprio da instituição.

Existe, ainda, o regime misto. Adota um bloco fixo de disciplinas por período letivo e permite ao estudante a matrícula em disciplinas isoladas, num leque de componentes curriculares optativos. Por exemplo: três disciplinas em bloco e duas à escolha do aluno.

O sistema de controle de integralização curricular pode ser o de crédito ou carga horária, para qualquer dos regimes adotados. A unidade de crédito pode variar de IES para IES. As instituições públicas geralmente adotam 15h como a unidade de crédito para as aulas teóricas; 30h para as aulas práticas e 45h para estágios curriculares. Essa prática teve origem na tradição de que o professor era o centro do processo ensino-aprendizagem. Nos tempos atuais não mais se justifica essa discriminação, tendo o educando como centro do processo de aprendizagem. A unidade de crédito pode, portanto, ter a mesma duração para qualquer atividade do componente curricular – teórica, teórico-prática, prática ou estágio profissional supervisionado.

As IES privadas têm adotado, alternativamente, duas medidas de crédito: uma de 18h e outra de 20h, dependendo da quantidade de semanas por módulo semestral.  Há experiências de 19 e 22h, que não conheço de perto.

O formato dos períodos letivos independe, portanto, do regime acadêmico adotado. O planejamento desses períodos ou módulos está sujeito, porém, ao cumprimento do mínimo de duzentos dias letivos, fixado pelo art. 47 da LDB. Ou seja, o ano letivo pode ter um só período letivo (anual) ou, por exemplo, quatro períodos letivos (módulos bimestrais), mas o ano letivo deverá ter um mínimo de duzentos dias de “trabalho acadêmico efetivo”, excluído o tempo reservado aos exames finais, “quando houver”. É uma escolha de cada instituição.

A grande maioria das IES tem mantido a tradição de períodos letivos anuais ou semestrais, variando o regime acadêmico (seriado, matrícula por disciplina ou misto). Períodos letivos com duração inferior a um semestre letivo são adotados por diversas IES que ofertam cursos superiores de tecnologia, para a certificação por módulos, permitida pelas diretrizes curriculares gerais para esse tipo de curso de graduação.

Os módulos bimestrais são adequados para as IES que possuem autonomia (centros universitários e universidades), para que o fluxo de ingresso de alunos seja contínuo (processos seletivos bimestrais ou trimestrais) e para a fixação da oferta de cursos e vagas de acordo com a demanda. A demanda deve cair ao longo do ano e mais acentuadamente nos bimestres ou trimestres finais.

Há, também, aspectos pedagógicos positivos na oferta de disciplinas em blocos bimestrais, quando a aprendizagem pode ser concentrada em duas ou três disciplinas, sendo o ensino menos dispersivo. Nos regimes anuais e semestrais a quantidade de disciplinas ofertadas por período letivo varia de cinco a dez, pulverizando e dificultando o processo de aprendizagem.

O regime seriado foi flexibilizado, com períodos semestrais ou mesmo misto, com disciplinas obrigatórias e, pelo menos, uma ou duas, “optativas” ou “eletivas”. Há, portanto, espaço, para a adoção de um regime de matrícula por disciplina com uma boa dose de controle (herdado do regime seriado), para corrigir os vícios do “regime puro” (da matrícula por disciplina), implantado a partir de 1968, que dava ampla liberdade na composição individual do currículo de cada curso, por parte do aluno.

O regime de matrícula por disciplina elimina as dependências, aceitas no regime seriado, mas cria os pré-requisitos. A matrícula em uma dada disciplina está sujeita ao cumprimento de pré-requisitos; caso estes não sejam satisfeitos, a matrícula é negada, naquela disciplina. O aluno poderá, todavia, substituir a disciplina em que teve negada a matrícula por outra em que os pré-requisitos estejam cumpridos. Os empecilhos, criados pelas dependências, causadoras de parte da evasão nos regimes seriados, podem aparecer no regime de matrícula por disciplina, caso sejam fixados diversos pré-requisitos para uma mesma disciplina e para a maioria das disciplinas do currículo do curso.

Não se pode creditar, contudo, a uma simples mudança de regime de matrícula – do seriado para o de matrícula por disciplina ou vice-versa – a eliminação de todos os males de uma gestão universitária. O regime de matrícula por disciplina, por si só, não assegura eficiência e eficácia na gestão acadêmico-administrativa, especialmente, na busca de índices de evasão menores ou insignificantes. E nem no processo de aprendizagem. Ao lado de outras ações, a gestão universitária deve, antes de implantar novo regime de matrícula ou substituir o sistema de controle de integralização curricular, levantar os pontos fortes e as fraquezas de cada um e o contexto institucional, planejando e implementando com segurança o regime acadêmico e o sistema de controle curricular mais adequado às reais condições institucionais, aos valores humanos disponíveis e ao sistema informatizado confiável, seguro e à prova de fraudes, que dê segurança à comunidade acadêmica – alunos, professores, funcionários e gestores –, especialmente, em tempos de matrícula pela Internet.

 

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CERTIFICAÇÃO DIGITAL NOS PROCESSOS ACADÊMICOS

Tenho recebido consultas sobre a certificação digital para os registros e certificação acadêmica. Faço, em seguida, um resumo sobre o tema.

O Certificado Digital é um documento eletrônico, assinado digitalmente por uma terceira parte confiável, que associa uma entidade (pessoa, processo, servidor) a uma chave pública. Um certificado digital contém os dados de seu titular, tais como nome, e-mail, CPF, chave pública, nome e assinatura da Autoridade Certificadora que o emitiu.

A certificação digital foi introduzida no Brasil pela Medida Provisória nº 2.200-2, de 24/8/2001, aprovada pelo artigo 2º da Emenda Constitucional nº 32, de 2001, que institui a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil, transforma o Instituto Nacional de Tecnologia da Informação em autarquia, e dá outras providências.

A ICP-Brasil tem por objetivo “garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos em forma eletrônica, das aplicações de suporte e das aplicações habilitadas que utilizem certificados digitais, bem como a realização de transações eletrônicas seguras”. É composta por uma autoridade gestora de políticas e pela cadeia de autoridades certificadoras composta pela Autoridade Certificadora Raiz - AC Raiz, pelas Autoridades Certificadoras - AC e pelas Autoridades de Registro - AR.

Segundo o art. 4o da MP 2.200-2, compete ao Comitê Gestor da ICP-Brasil:

 

        I - adotar as medidas necessárias e coordenar a implantação e o funcionamento da ICP-Brasil;

        II - estabelecer a política, os critérios e as normas técnicas para o credenciamento das AC, das AR e dos demais prestadores de serviço de suporte à ICP-Brasil, em todos os níveis da cadeia de certificação;

        III - estabelecer a política de certificação e as regras operacionais da AC Raiz;

        IV - homologar, auditar e fiscalizar a AC Raiz e os seus prestadores de serviço;

        V - estabelecer diretrizes e normas técnicas para a formulação de políticas de certificados e regras operacionais das AC e das AR e definir níveis da cadeia de certificação;

        VI - aprovar políticas de certificados, práticas de certificação e regras operacionais, credenciar e autorizar o funcionamento das AC e das AR, bem como autorizar a AC Raiz a emitir o correspondente certificado;

        VII - identificar e avaliar as políticas de ICP externas, negociar e aprovar acordos de certificação bilateral, de certificação cruzada, regras de interoperabilidade e outras formas de cooperação internacional, certificar, quando for o caso, sua compatibilidade com a ICP-Brasil, observado o disposto em tratados, acordos ou atos internacionais; e

        VIII - atualizar, ajustar e revisar os procedimentos e as práticas estabelecidas para a ICP-Brasil, garantir sua compatibilidade e promover a atualização tecnológica do sistema e a sua conformidade com as políticas de segurança.

 

Às entidades credenciadas compete emitir, expedir, distribuir, revogar e gerenciar os certificados, bem como colocar à disposição dos usuários listas de certificados revogados e outras informações pertinentes e manter

O Instituto Nacional de Tecnologia da Informação - ITI está na ponta desse processo como Autoridade Certificadora Raiz/AC Raiz da Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira e executora das Políticas de Certificados e normas técnicas e operacionais aprovadas pelo Comitê Gestor da ICP-Brasil.

Cabe ao ITI “emitir, expedir, distribuir, revogar e gerenciar os certificados das AC de nível imediatamente subseqüente ao seu, gerenciar a lista de certificados emitidos, revogados e vencidos, e executar atividades de fiscalização e auditoria das AC e das AR e dos prestadores de serviço habilitados na ICP, em conformidade com as diretrizes e normas técnicas estabelecidas pelo Comitê Gestor da ICP-Brasil, e exercer outras atribuições que lhe forem cometidas pela autoridade gestora de políticas”.

Os processos de registro e controle acadêmico e o de certificação de estudos podem, assim, adotar a Certificação Digital, de acordo com as normas vigentes.

O acesso às informações necessárias pode ser obtido em www.iti.gov.br/twiki/bin/view/Certificacao/CertificadoObterUsar.