AINDA OS BACHARELADOS EM TEOLOGIA: ESTADO LAICO X LIBERDADE DE ENSINAR E DE APRENDER
A propósito do artigo Teologia: normas para autorização e reconhecimento dos cursos e aproveitamento de estudos de cursos livres, com base no Parecer CNE/CES nº 241/1999, inserido na Coluna do Celso nº 29, atento leitor pergunta porque não abordei o Parecer nº 118/2009 da Câmara de Educação Superior (CES) do CNE, aprovado em 6/5/2009.
O citado parecer não foi referenciado em virtude de não ter obtido a homologação ministerial, especialmente, por abordar inadequadamente as questões relativas à laicidade do Estado brasileiro.
O referido parecer contempla orientações para instrução dos processos referentes à autorização e reconhecimento dos cursos de graduação em Teologia, bacharelado.
O parecer investe de forma equivocada contra os cursos de Teologia que se restringem “a uma única visão teológica e se caracterizam como cursos catequéticos a serviço de uma confissão religiosa e terminam por ferir o princípio constitucional da separação entre Igreja e Estado, pois preparam o aluno para atuar em uma única religião, papel que não cabe ao Estado nem a instituições de ensino superior por ele credenciadas”. (grifei)
Ao invocar “a doutrina da separação entre Igreja e Estado”, “o caráter leigo do Estado” e “a preservação da liberdade religiosa” a Câmara de Educação Superior do CNE agride frontalmente a Constituição que, no inciso II do art. 206 assegura a “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber” e, no inciso II, o “pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino”.
O Estado brasileiro ao credenciar uma instituição de ensino superior privada não pode discriminar nenhuma delas pelo fato de serem ligadas a alguma religião ou seita religiosa. A iniciativa privada, confessional ou leiga, é livre na área da educação superior, estando sujeita apenas à Lei e à avaliação de qualidade. O Estado laico não é agredido por isso. Nenhuma lei proíbe a existência de IES ou cursos que tenham vínculo com determinada religião.
Apenas para reavivar a memória dos que, equivocamente, pensam que o Estado laico não deve autorizar IES e cursos voltados para determinada religião, lembro da existência das PUC’s. O termo “Pontifícia”, usado por diversas universidades católicas brasileiras, é concedido pelo Papa e aceito pelo Estado brasileiro, sem qualquer ofensa à laicidade.
Eis alguns exemplos:
* Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – segundo o seu portal na Internet, nasceu há 60 anos “da vontade política da comunidade católica” e, em 1947, “recebeu do Papa Pio XII o título de Pontifícia”; o curso de bacharelado em Teologia tem as seguintes características, claramente delineadas pela Igreja Católica:
Perfil Profissional
O curso de bacharelado em teologia forma academicamente os alunos para sua atuação pastoral, acadêmica e científica em consonância com as diretrizes da igreja católica. O aluno formado em teologia atua como agente de pastoral nas comunidades, como professor e pesquisador na área e outras atividades que exijam tal preparação. Por isso o curso forma candidatos às ordens sacras, religiosos e leigos para o aprofundamento de seus compromissos eclesiais e de suas práticas pastorais.
Reconhecimentos
O diploma de bacharel em teologia da PUC-SP tem duplo reconhecimento: o civil, através do MEC, e o eclesiástico, através da Sé Apostólica (Vaticano).
Organização Curricular
O conteúdo do curso de teologia é determinado pelas próprias afirmações da fé cristã. O eixo temático de cada ano de estudo é o próprio itinerário da profissão de fé, que vai da acolhida da Revelação ao encontro com Deus, passando pela compreensão do Mistério Divino historicizado em Jesus Cristo e vivenciado pelo crente na comunidade eclesial. Estudos aprofundados de Sagrada Escritura e de história do cristianismo estão presentes na grade curricular que se organiza a partir dos fundamentos da teologia (Teologia Fundamental), sistematiza seu conteúdo (Teologia Sistemática ou Dogmática) e afirma as conseqüências existenciais da vivência da fé (Teologia Moral e Pastoral) (grifei).
*Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – segundo o seu Estatuto, aprovado pelo Ministério da Educação, “é uma universidade particular e confessional” e segundo o seu perfil institucional “está ligada a um grupo social que aceita a inspiração da tradição humanístico-cristã da Igreja Católica” e “sua legitimidade como entidade particular, confessional e comunitária está fundamentada nos seguintes princípios estabelecidos pela Constituição da República do Brasil: 1) "liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber" (art. 206, II; 2), "pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino" (art. 206, III)”. E em relação ao curso de Teologia, bacharelado, reconhecido pela Portaria MEC nº 2.602, de 25/7/2005 (DOU de 26/7/2005), que ministra, a PUC-RJ, assume “a Teologia cristã católica... (como um) estudo científico da Revelação de Deus realizada através de Jesus Cristo e atestada na Sagrada Escritura e na Tradição da Igreja”. Diz mais: A função do teólogo é, portanto, partindo da Revelação divina, aprofundar cientificamente os fundamentos da fé cristã, dialogando com as ciências e a sociedade. Ele pode se dedicar ao campo da pesquisa, ao ensino de Teologia em diversos níveis, a variadas funções pastorais e ao serviço de assessoria a grupos religiosos ou abertos à dimensão religiosa. (grifei)
* Pontifícia Universidade do Rio Grande do Sul – por seu Estatuto, aprovado pelo CNE, “é uma instituição confessional católica, que se rege pela legislação federal, pelas disposições canônicas aplicáveis, por seu Estatuto e Regimento e, no que couber, pelo Estatuto da Entidade Mantenedora” (Art. 2º)... “fundamentada em princípios da Ética e do Cristianismo e na tradição educativa marista” (Art. 3º) (gn). A PUC-RS, conforme informa o seu portal na Internet “é uma Instituição confessional católica e comunitária, tendo como Chanceler o Arcebispo de Porto Alegre. O título de Pontifícia, outorgado pelo Papa Pio XII, em 1º de novembro de 1950, “significa a marca de união e de filial devotamento à Santa Sé”. A PUC-RS é mantida, desde o ano 1994, pela União Brasileira de Educação e Assistência (UBEA), entidade civil dos Irmãos Maristas, com sede em Porto Alegre. A missão da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, “fundamentada em princípios da Ética e do Cristianismo e na tradição educativa marista, tem por Missão produzir e difundir conhecimento e promover a formação humana e profissional, orientada por critérios de qualidade e relevância, na busca de uma sociedade justa e fraterna”. E esclarece: “o substantivo "Universidade" é adjetivado pelo termo "Católica", pois se trata de uma Universidade que professa o Catolicismo, ou seja, que defende e proclama seus dogmas”. O título de "Pontifícia" é “o reconhecimento à contribuição de uma instituição universitária ao bem da Igreja no que diz respeito à formação superior, tanto nas ciências, quanto nas artes”. (grifei)
Por acaso a Câmara de Educação Superior do CNE desejava, com o Parecer nº 118/2009, cassar o credenciamento das universidades católicas? Das metodistas ou luteranas? Fechar os cursos de Teologia dessas universidades?
Ignorado esse lamentável equívoco, o Parecer CES/CNE nº 118/2009 tem orientações que podem e devem ser seguidas pelas IES que ofertam cursos de Teologia, na modalidade bacharelado.
Os bacharelados em Teologia, segundo o parecer, devem atender ao disposto no Parecer CES/CES nº 776/1997, e no art. 43 da Lei nº 9.394, de 1996, a LDB, “em especial em seus incisos I, III e VI”.
O Parecer nº 776/1997 contém orientações gerais sobre as diretrizes curriculares nacionais, resumidas a seguir:
1. assegurar, às instituições de ensino superior, ampla liberdade na composição da carga horária a ser cumprida para a integralização dos currículos, assim como na especificação das unidades de estudos a serem ministradas;
2. indicar os tópicos ou campos de estudo e demais experiências de ensino-aprendizagem que comporão os currículos, evitando ao máximo a fixação de conteúdo dos específicos com cargas horárias pré-determinadas, as quais não poderão exceder 50% da carga horária total dos cursos;
3. evitar o prolongamento desnecessário da duração dos cursos de graduação;
4. incentivar uma sólida formação geral, necessária para que o futuro graduado possa vir a superar os desafios de renovadas condições de exercício profissional e de produção do conhecimento, permitindo variados tipos de formação e habilitações diferenciadas em um mesmo programa;
5. estimular práticas de estudo independente, visando uma progressiva autonomia profissional e intelectual do aluno;
6. encorajar o reconhecimento de habilidades, competências e conhecimentos adquiridos fora do ambiente escolar, inclusive os que se refiram à experiência profissional julgada relevante para a área de formação considerada;
7. fortalecer a articulação da teoria com a prática, valorizando a pesquisa individual e coletiva, assim como os estágios e a participação em atividades de extensão;
8. incluir orientações para a condução de avaliações periódicas que utilizem instrumentos variados e sirvam para informar a docentes e a discentes acerca do desenvolvimento das atividades didáticas.
Lembro, todavia, que nem a própria Câmara de Educação Superior do CNE vem cumprindo as determinações do referido parecer, especialmente, em relação aos itens 1, 2 e 3. Quase todas as diretrizes curriculares fixadas para os cursos de graduação não asseguram “ampla liberdade” às IES na composição da carga horária a ser cumprida para a integralização dos currículos, assim como na especificação das unidades de estudos a serem ministradas”, uma vez que indica “tópicos ou campos de estudo” que excedem a “50% da carga horária total dos cursos”. Por outro lado, a carga horária mínima de todos os cursos foi ampliada pelo CNE, transgredindo, assim, o item 3, não evitando o “prolongamento desnecessário da duração dos cursos de graduação”. Na realidade, o CNE vem reeditando os currículos mínimos apelidados de “diretrizes curriculares nacionais”, para “cumprir” (?) a lei.
O art. 43 da LDB, referenciado no Parecer nº 118/2009, tem a seguinte redação:
Art. 43. A educação superior tem por finalidade:
I. estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo;
II. formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua;
II. incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando o desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da cultura, e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio em que vive;
IV. promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicações ou de outras formas de comunicação;
V. suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e profissional e possibilitar a correspondente concretização, integrando os conhecimentos que vão sendo adquiridos numa estrutura intelectual sistematizadora do conhecimento de cada geração;
VI. estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em particular os nacionais e regionais, prestar serviços especializados à comunidade e estabelecer com esta uma relação de reciprocidade;
VII. promover a extensão, aberta à participação da população, visando à difusão das conquistas e benefícios resultantes da criação cultural e da pesquisa científica e tecnológica geradas na instituição. (grifei)
Os destaques são para os incisos citados no referido parecer, que conclui com as seguintes recomendações a respeito dos conteúdos curriculares e da duração dos bacharelados em Teologia:
É importante, portanto, que os cursos de graduação em Teologia, bacharelado, no País garantam o acesso à diversidade e à complexidade das teologias nas diferentes culturas e permitam analisá-las à luz dos diferentes momentos históricos e contextos em que se desenvolvem. Devem, ainda, garantir uma ampla formação científica e metodológica, por meio da flexibilidade curricular na área do conhecimento e interação com as áreas afins.
Por essa razão, o estudo das teologias, da área de Ciências Humanas conforme classificação CAPES/CNPq, não pode prescindir de conhecimentos das ciências humanas e sociais, da filosofia, da história, da antropologia, da sociologia, da psicologia e da biologia entre outras. Essas ciências permitem estudar o universo teológico respeitando o princípio da “exclusão da transcendência”, condição da abordagem científica, ou seja, não se trata de afirmar ou negar a veracidade das afirmações teológicas, mas, sim, estudar o modo como elas surgem, como se manifestam e como atuam nas diferentes dimensões da vida, das experiências e do conhecimento humano. O estudo da teologia deve, ainda, buscar diálogo com outras áreas científicas, possibilitando estudos interdisciplinares.
Salienta-se, outrossim, a importância do respeito à laicidade do Estado, a fim de evitar que os cursos tenham um caráter confessional, proselitista, fechados em uma única visão de mundo e de homem. Espera-se que os cursos de graduação em Teologia, bacharelado, formem teólogos críticos e reflexivos, capazes de compreender a dinâmica do fato religioso que perpassa a vida humana em suas várias dimensões.
Propõe-se que os currículos dos cursos de graduação em Teologia, bacharelado, desenvolvam-se a partir dos seguintes eixos:
1. eixo filosófico – que contemple disciplinas que permitam avaliar as linhas de pensamento subjacentes às teologias, conhecer as suas bases epistemológicas e desenvolver o respeito à ética;
2. eixo metodológico – que garanta a apropriação de métodos e estratégias de produção do conhecimento científico na área das ciências humanas;
3. eixo histórico – que garanta a compreensão dos contextos culturais e históricos;
4. eixo sócio-político – que contemple análises sociológicas, econômicas e políticas e seus efeitos nas relações institucionais e internacionais;
5. eixo linguístico – que possibilite a leitura e a interpretação dos textos que compõem o saber específico de cada teologia e o domínio de procedimentos da hermenêutica;
6. eixo interdisciplinar – que estabeleça diálogo com áreas de interface, como a psicologia, a antropologia, o direito, a biologia e outras áreas científicas.
Vale dizer que, no Brasil, existe cerca de uma centena de cursos de Teologia (em maio de 2009; em outubro de 2011, 134 cursos), já autorizados ou reconhecidos, presentes em vários Estados. Eles são oferecidos por instituições públicas e particulares, pertencentes a mantenedoras confessionais ou não e contemplam teologias subjacentes a diferentes confissões: adventista, batista, católica, espírita, evangélica, luterana, messiânica, metodista, umbandista, entre outras. Trata-se de cursos de graduação com duração entre 1.500 e 4.500 horas. Considerando que se trata de cursos de graduação, orienta-se que respeitem um mínimo de 2.400 horas.
Tendo em vista que o Parecer CES/CNE nº 118/2009 não foi homologado pelo ministro da Educação, não há obrigatoriedade para o cumprimento dessas diretrizes curriculares gerais. Podem, porém, ser adotadas livremente, com o objetivo de tornar os bacharelados em Teologia sintonizados com a modernidade e os novos tempos abertos ao ecumenismo.
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O LEGADO DE STEVE JOBS
Steve Jobs deixa um legado de importância incalculável, em todas as áreas do conhecimento humano. Tendo revolucionado as tecnologias da informação e da comunicação, a sua herança na área da gestão e do desenvolvimento profissional e pessoal são, também, de raro significado, nesse mar de mediocridade que permeia as grandes organizações empresariais. Extraí da revista Veja (Edição 2238, ano 44, nº 41, de 12 de outubro de 2011, ps. 98/104) alguns desses ensinos:
* Faça aquilo de que você gosta – mesmo que no começo pareça que não vai dar certo: “Muitas vezes, as pessoas não sabem o que querem até que alguém lhes mostre” (Entrevista à Business Weeck, em 1998);
* Aprenda com os erros – e jamais pare de errar: “Se continuam correndo o risco de fracasso, eles ainda são artistas. Dylan e Picasso sempre corriam o risco de fracasso” (Em reportagem à revista Fortune, em 1998);
* Trabalhe com equipes pequenas: “É difícil imaginar que uma empresa de 2 bilhões de dólares e mais de 4.300 pessoas não pudessem competir com seis pessoas vestindo jeans” (Em 1985, depois de deixar a Apple, ao comentar os primeiros anos de embate com a IBM);
* Faça as perguntas certas – e pense diferente do que você pensa: “Você quer passar o resto da vida vendendo água com açúcar ou quer ter a chance de mudar o mundo?” (Em 1983, ao convidar John Sculley, então executivo-chefe da Pepsi, para trabalhar na Apple);
* Crie uma cultura corporativa – mesmo na administração doméstica: "A inovação não tem nada a ver com a quantidade de dólares que você investe em pesquisa e desenvolvimento. Quando a Apple lançou o Mac, a IBM estava gastando no mínimo cem vezes mais em P&D. Não é uma questão de dinheiro. É a equipe que você tem, como você lidera e quanto você entende da coisa” (Em entrevista à Fortune, em 1998);
* Simplifique – e diga não ao supérfluo: “À medida que aumenta a complexidade da tecnologia, também cresce a demanda pela força básica da Apple de tornar compreensível para meros mortais recursos tecnológicos muito complexos” (Em entrevista ao New York Times, em 2003);
* Guarde segredo e os alimente: “A jornada é a recompensa” (Aos criadores do Macintosh, em 1982);
* Ouças os outros – mas não tenha medo de tomar decisões sozinho: “Não fazemos pesquisa de mercado. Não contratamos consultores... Só queremos fazer produtos ótimos” (Em entrevista à CNN, em 2008);
* É sempre melhor pegar um caminho alternativo do que correr onde todos já estão: “Leonardo da Vinci era um grande artista e um grande cientista. Michelangelo conhecia a fundo o corte de pedras em pedreiras. Edwin Land, da Polaroid, um dia disse: ‘Quero que a Polaroid se situe na intersecção da arte e da ciência – nunca me esqueci disso” (À revista Time, em 1999);
* Um pouco de autossuficiência é bom – valorize sua própria marca: “Eu valia mais de 1 milhão de dólares quando tinha 23 anos, mais de 10 milhões quando tinha 24, mais de 100 milhões quando tinha 25, e isso não era importante, porque nunca fiz nada por dinheiro” (Em 1996, no documentário para a tv – O Triunfo dos Nerds).
Qualquer dúvida em relação aos temas aqui tratados, entre em contato com a Coluna do Celso.