IGC: O SHOW MIDIÁTICO CONTINUA
Continua a repercutir na mídia a divulgação, pelo MEC, do IGC – Índice Geral de Cursos – das instituições de educação superior (IES). Rankings foram elaborados, ameaças de penalidades, fechamento de cursos e de instituições, bravatas, ignorância total em relação ao que seja avaliação de qualidade à luz do Sinaes – Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior, instituído pela Lei nº 10.861, de 2004.
O Grupo Globo destaca a punição de setenta IES “por desempenho ruim”. Os “especialistas” do Grupo repetiram simplesmente o que a assessoria de imprensa do MEC envia para as redações ou publica no portal do MEC.
O jornal O Estado de São Paulo repete essa barbaridade popularizada pelo MEC: “o Enade, o IGC e o CPC são um retrato do ensino superior no País”. O Estadão sabe o que é qualidade da educação superior? Conhece o Sinaes? Entende as fórmulas que os econometristas construíram para atender aos desejos pessoais do ministro da Educação? A resposta é negativa a qualquer dessas perguntas. Até prova em contrário.
Nenhum dos veículos mais importantes do País publicou algo realmente sério, consistente e isento a respeito da avaliação de qualidade da educação superior brasileira, a partir do que exige o art. 209 da Constituição e de sua regulação pela Lei nº 10.861, de 2004. Da televisão não se pode exigir muito. É entretenimento. Educação não existe para essa mídia. Internet nem pensar. Mas os jornais que lideram a mídia impressa, no Rio e em São Paulo, demonstram um desprezo inconcebível em relação a um tema que mereceria um tratamento digno e responsável.
Não vou repetir as críticas que já fiz em mais de uma dezena de artigos, nesta Coluna e em outros veículos. Não quero cansar os meus familiares e amigos que “passam os olhos” por estes escritos. Vou apenas realçar algumas incongruências desse perverso “sistema” Enade/CPC/IGC.
O §3º do art. 5º da Lei nº 10.861, de 2004, diz que a “periodicidade máxima de aplicação do Enade aos estudantes de cada curso de graduação será trienal”. O art. 14 dispõe que o ministro da Educação regulamentará os procedimentos de avaliação do Sinaes.
O Decreto nº 5.773, de 2006, é um mix que dispõe sobre o “exercício das funções de regulação, supervisão e avaliação” das IES e de cursos superiores de graduação e sequenciais integrantes do sistema federal de ensino, ou seja, as instituições mantidas pela União e pela livre iniciativa. É o famoso “decreto ponte”.
O § 3o do mesmo artigo determina que a avaliação realizada pelo Sinaes “constituirá referencial básico para os processos de regulação e supervisão da educação superior, a fim de promover a melhoria de sua qualidade”.
O art. 59 diz que o Sinaes será operacionalizado pelo Inep, conforme as diretrizes da Conaes, em ciclos avaliativos com duração inferior a: “I – dez anos, como referencial básico para recredenciamento de universidades; e II – cinco anos, como referencial básico para recredenciamento de centros universitários e faculdades e renovação de reconhecimento de cursos”.
O ministro da Educação, em janeiro de 2007, editou a Portaria Normativa nº 40 (DOU nº 239, Seção 1, 13/12/2007, p. 39/43), instituindo o e-MEC, sistema eletrônico de fluxo de trabalho e gerenciamento de informações relativas aos processos de regulação da educação superior no sistema federal de educação. Essa PN ia muito além de instituir o sistema e-MEC.
O seu art. 33 e parágrafos determinam que as avaliações para efeito de recredenciamento de instituições ou renovação de reconhecimento de cursos serão realizadas conforme o ciclo avaliativo do Sinaes, “previsto no art. 59 do Decreto nº 5.773, de 2006”. Esse ciclo compreende a realização periódica de autoavaliação de instituições, avaliação externa de instituições e avaliação de cursos de graduação e programas de cursos sequenciais, promovidas pelo MEC. O § 2º dispõe que o ministro fixará o calendário do ciclo avaliativo, com base em proposta do Inep, ouvida a Conaes. Assim nasceu o ciclo avaliativo de três anos, previsto na Lei do Sinaes para o Enade, mas que o ministro da Educação, mediante simples portaria, estendeu para a avaliação interna e externa de IES e de cursos de graduação. Os cursos sequenciais nunca foram levados a sério pela atual administração do MEC e jamais integraram o Sinaes.
O primeiro ciclo trienal avaliativo do Enade compreendeu os anos de 2007, 2008 e 2009. Findo o ano de 2009, o MEC não havia concluído esse primeiro ciclo, trazendo prejuízos consideráveis a centenas de IES.
O segundo ciclo avaliativo – 2010/2012 – foi estabelecido pela mesma Portaria Normativa nº 40/2007, numa estranha “republicação”, em 29 de dezembro de 2010 (!), no DOU nº 249, Seção 1, p. 23/31, com a seguinte inusitada justificativa: “Republicado por ter saído, no DOU nº 239, de 13-12-2007, Seção 1, págs. 39 a 43, com incorreção no original” (sic). O mais incrível foi o inchaço da ementa: “Institui o e-MEC, sistema eletrônico de fluxo de trabalho e gerenciamento de informações relativas aos processos de regulação, avaliação e supervisão da educação superior no sistema federal de educação, e o Cadastro e-MEC de Instituições e Cursos Superiores e consolida disposições sobre indicadores de qualidade, banco de avaliadores (Basis) e o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (ENADE) e outras disposições”.
A PN 40/2007, republicada em 2010, é, na realidade, uma nova portaria com a mesma numeração da anterior. Trata-se de um verdadeiro código de avaliação, regulação e supervisão das IES e cursos de graduação do sistema federal de ensino, desprezando a Lei do Sinaes.
O art. 33-E, §§ 1º e 2º, estabelece o seguinte calendário para o Enade, no segundo ciclo avaliativo – 2010/2012:
a) bacharelados e licenciaturas:
* Ano I- saúde, ciências agrárias e áreas afins;
* Ano II- ciências exatas, licenciaturas e áreas afins;
* Ano III- ciências sociais aplicadas, ciências humanas e áreas afins.
b) Graduação tecnológica:
* Ano I- Ambiente e Saúde, Produção Alimentícia, Recursos Naturais, Militar e Segurança;
* Ano II- Controle e Processos Industriais, Informação e Comunicação, Infraestrutura, Produção Industrial;
* Ano III- Gestão e Negócios, Apoio Escolar, Hospitalidade e Lazer, Produção Cultural e Design.
Essa PN 40/2007-2010 altera a Lei do Sinaes e cria “indicadores de qualidade” como alternativa aos “conceitos de qualidade”. São “indicadores de qualidade”: o Conceito Preliminar de Curso (CPC), o Índice Geral de Cursos Avaliados da Instituição (IGC) e “desempenho de estudantes: o conceito obtido a partir dos resultados do Enade”. A Lei do Sinaes estabelece apenas dois conceitos de qualidade: Conceito Institucional (CI) e Conceito de Curso (CC). Essa Lei não prevê e nem autoriza o ministro da Educação a criar “indicadores de qualidade” que possam substituir, mesmo que provisoriamente, os “conceitos de qualidade” instituídos pelo Sinaes.
A mesma PN estabelece que o CPC será calculado no ano seguinte ao da realização do Enade de cada área, com base na avaliação de desempenho de estudantes (Conceito Enade e indicador IDD), corpo docente (titulação e regime de trabalho), infraestrutura (laboratórios), recursos didático-pedagógicos (planos de ensino).
O IGC será calculado anualmente, considerando: “I - a média dos últimos CPCs (três últimos) disponíveis dos cursos avaliados da instituição no ano do cálculo e nos dois anteriores, ponderada pelo número de matrículas em cada um dos cursos computados; II - a média dos conceitos de avaliação dos programas de pós-graduação stricto sensu atribuídos pela Capes na última avaliação trienal disponível, convertida para escala compatível e ponderada pelo número de matrículas em cada um dos programas de pós-graduação correspondentes; III - a distribuição dos estudantes entre os diferentes níveis de ensino, graduação ou pós-graduação stricto sensu, excluindo as informações do inciso II para as instituições que não oferecerem pós-graduação stricto sensu”.
Agora uma perversidade, que está consagrada nos §§ 4º e 5º do art. 33-B, que deve ter surgido de algum delírio tecnoburocrata:
a) nos anos em que o IGC da IES não incorporar CPC de cursos novos, será informada a referência do último IGC atualizado.
b) o IGC será calculado e divulgado, independentemente do número de cursos avaliados.
Alguns exemplos muito simples de situações que podem gerar penalidades para a IES, mesmo após o saneamento de deficiências, que atingiram inúmeras instituições, sem qualquer relação com a qualidade institucional ou de cursos:
1º ciclo avaliativo – 2007/2009:
2007: IGC 2 – cursos do Enade: Enfermagem (CPC 2), Farmácia (CPC 2) e Odontologia (CPC3).
2008: IGC 2 – nenhum curso no Enade (não tem curso na área).
2009: IGC 2 – nenhum curso no Enade (não tem curso na área).
Exemplo A. Uma IES que somente ofereça cursos de uma área de conhecimento. O IGC de 2009 foi divulgado em janeiro de 2010. Essa IES foi submetida ao protocolo de compromisso, saneou as possíveis deficiências identificadas nos cursos de Enfermagem e Farmácia, no Enade de 2007, e continuou sendo punida nos anos de 2008, 2009 e 2010, pelo atraso na publicação desses indicadores, porque o Conceito de Curso (CC) não pode corrigir, por essa esdrúxula portaria, aberrações como essa. Esses dois cursos foram reconhecidos e funcionaram normalmente, com a avaliação positiva do Inep e portarias da SESu, mas a IES continuou a ser penalizada. Nos casos em que as IES possuam uma área apenas no Enade, quando somente a cada três anos ela teria como reverter a situação do IGC, nos outros dois anos do ciclo avaliativo o IGC deveria aparecer “sem conceito”. Nessas situações, as IES não foram responsáveis pelo IGC insatisfatório, mas, sim, a equivocada e nebulosa metodologia adotada nas fórmulas utilizadas para o cálculo do IGC.
Exemplo B. Uma IES nova, que ofereça dez bacharelados, com duração de quatro a cinco anos, e um de tecnologia, de dois anos, que somente tenha tido um curso avaliado no Enade de 2007 e nenhum dos demais anos do primeiro ciclo avaliativo:
2007: IGC 2 – curso do Enade: CST em Agroindústria (CPC 2).
2008: IGC 2 – sem Conceito Enade (não tem concluintes).
2009: IGC 2 – sem conceito Enade (não tem concluintes).
Somente em novembro de 2011, essa IES poderá ter revertido essa amarga situação gerada por esses indicadores marginais, com estranhas e inconsequentes metodologias de apuração de resultados.
Outra situação incompreensível é em relação ao período de cálculo do IGC. Abrange os três últimos CPCs, independentemente do ciclo avaliativo. O IGC, caso permaneça, deveria ser restrito ao ciclo avaliativo, como o Conceito Institucional (CI). Um exemplo também simples para esse caso, quando uma IES tenha obtido o IGC 2, englobando o CPC de dois ciclos, ou seja, o CPC de 2008, 2009 e 2010:
1º ciclo avaliativo – 2010/2012:
2008: IGC 2 – três cursos com CPC 2 e um com CPC 3.
2009: IGC 2 – três cursos com CPC 2 e dois com CPC 3.
2010: IGC 2 – três cursos com CPC 3; nenhum com conceito insatisfatório (um ou dois).
O IGC continuou dois, em novembro de 2011, apesar de a IES ter passado por protocolos de compromissos e receber avaliação satisfatória do MEC, em relação aos CPCs do primeiro ciclo, arquivando esses processos. Por ser o início de um novo ciclo avaliativo, os resultados de 2008 e 2009 não deveriam ser considerados e o IGC 2010 deveria ser baseado nos CPCs de 2010 exclusivamente.
Esses exemplos, verdadeiros para inúmeras IES, comprovam que o IGC não avalia a qualidade de qualquer instituição e nem CPC avalia a qualidade de nenhum curso de graduação.
E o ministro da Educação ameaça instituições, que se encontram nessas situações, de fechamento, de descredenciamento. E a mídia vai em coro repetindo essas barbaridades, sem qualquer análise de conteúdo e de profundidade a respeito desses indicadores e dos conceitos de qualidade exigidos pela Lei do Sinaes.
A Conaes, que é o colegiado superior do MEC em matéria de avaliação da educação superior, é totalmente omissa em relação a essas questões, embora esteja entre suas atribuições “propor e avaliar as dinâmicas, procedimentos e mecanismos da avaliação institucional, de cursos e de desempenho dos estudantes”. Outra atribuição ignorada: “formular propostas para o desenvolvimento das instituições de educação superior, com base nas análises e recomendações produzidas nos processos de avaliação”. Alguém conhece alguma proposta da Conaes nesse sentido, desde a sua criação, em 2004?
A avaliação da educação superior, no Brasil, não é resultado de uma política de Estado, mas de diretrizes políticas e ideológicas de governo.
Um das consequências desse descaso e do desprezo pelo “princípio da legalidade” é a aplicação do disposto no art. 10 sem observância do art. 9º da Lei do Sinaes. Vou transcrevê-los para, em seguida, fazer um breve comentário:
Art. 9o O Ministério da Educação tornará público e disponível o resultado da avaliação das instituições de ensino superior e de seus cursos.
Art. 10. Os resultados considerados insatisfatórios ensejarão a celebração de protocolo de compromisso, a ser firmado entre a instituição de educação superior e o Ministério da Educação, que deverá conter:
I – o diagnóstico objetivo das condições da instituição;
II – os encaminhamentos, processos e ações a serem adotados pela instituição de educação superior com vistas na superação das dificuldades detectadas;
III – a indicação de prazos e metas para o cumprimento de ações, expressamente definidas, e a caracterização das respectivas responsabilidades dos dirigentes;
IV – a criação, por parte da instituição de educação superior, de comissão de acompanhamento do protocolo de compromisso.
Os resultados considerados insatisfatórios que podem ensejar a celebração de protocolo de compromisso são os previstos no art. 9º. A celebração de protocolo de compromisso somente poderá ser desencadeada após o MEC tornar público o resultado da “avaliação das instituições de ensino superior e de seus cursos”. Quais são essas avaliações segundo a Lei do Sinaes? A avaliação institucional, que resulta no Conceito Institucional (CI) e avaliação de cursos de graduação, com a aplicação do Conceito de Curso (CC), ambos variando de um a cinco. Podem conduzir ao protocolo de compromisso somente os conceitos: CI ou CC inferior a três. A Lei não prevê IGC e nem CPC. Nenhum protocolo de compromisso, previsto na Lei nº 9.394, de 1996, a LDB, e na Lei do Sinaes, pode ser firmado com base em IGC ou CPC. Há que se cumprir previamente os artigos 9º e 10º ora transcritos. Nenhuma IES pode ser descredenciada e nenhum curso de graduação pode ser desativado sem o cumprimento desses dispositivos e irrestrita e fiel obediência à Lei nº 9.784, de 1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.
Até agora, o ministro da Educação tem usado apenas uma tribuna para promoção pessoal e política para ameaçar IES e cursos de fechamento, com a conivência da grande mídia nacional. Ele sabe que não pode proceder da forma que anuncia, sem cometer crime de responsabilidade administrativa.
Para finalizar e não voltar mais a esse desagradável assunto.
O meu compromisso é com a livre iniciativa na área da educação, como uma democrática opção a ser proporcionada a todos os cidadãos, assim como a educação pública ou estatal. Essa é a minha ideologia que, penso, não conflita com as minhas idéias de um socialismo Cristão, com maiúscula, formatado no Cristianismo de Jesus de Nazaré e, não, no cristianismo das igrejas.
Ninguém é obrigado a matricular-se e a frequentar uma escola particular, em qualquer nível de ensino. O Poder Público deve assegurar uma escola pública de qualidade, também em todos os níveis educacionais. A opção é um direito do cidadão. Essa opção deve ser respeitada pelos agentes públicos, ao conduzirem os processos de avaliação, regulação e supervisão da educação superior. Não pode e nem deve haver o viés ideológico que preside a gestão do MEC desde 2004. É esse viés que permite os desvios da avaliação corretamente reguladas pela Lei do Sinaes. Os instrumentos e medidas de avaliação, passando pelos marginais IDD, CPC e IGC, são todos viciados por esse viés discriminativo. Aquele que for isento e analisar, em profundidade, a norma legal em confronto com esses instrumentos, critérios de avaliação e indicadores, chegará a essa mesma conclusão.
Dois lembretes:
Implantado em 2004, o Sinaes não sofreu, até a presente data, por nenhum órgão do MEC ou do Congresso Nacional e nem por qualquer entidade privada independente, uma avaliação crítica e propositiva. O mesmo aconteceu em relação ao Provão, implantado em 1996. Nenhum desses instrumentos, legais ou marginais, foram, estão ou têm propostas de avaliação séria e independente. Não vale criar uma ONG para essa finalidade e depois pegar dinheiro público para ser desviado. ONG que vive às custas de governos, que “mama nas tetas da viúva” só existe em Jabuticabal, o país das jabuticabas...
O Ministério da Educação não entende de avaliação da educação superior. O MEC não sabe avaliar IES e cursos de graduação. Avalia mal, atribuindo indicadores satisfatórios a IES e cursos ruins e indicadores insatisfatórios a IES e cursos bons. Quem conhece a educação superior brasileira e tem nela efetiva vivência sabe do que estou falando.
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Qualquer dúvida em relação aos temas aqui tratados, entre em contato com a Coluna do Celso.