Participei do workshop Normas e direitos das IES no processo avaliativo: os segredos de um resultado positivo, promovido pela ABMES, no último dia 3, em Brasília. Coube-me abordar as questões relativas à sensibilização dos alunos sobre o Enade.
Os que já conhecem a minha posição sobre o Enade e os indicadores dele extraídos – o Conceito Preliminar de Curso (CPC) e o Índice Geral de Cursos (IGC) – talvez estranhem a minha participação nesse evento e para abordar questões relativas à sensibilização dos estudantes.
O Enade – Exame Nacional de Estudantes –, nunca é demais repetir, é parte integrante do Sistema Nacional de Avaliação da Educação, o Sinaes, instituído pela Lei nº 10.861, de 2004. É uma tentativa de avaliar a aprendizagem de parte dos alunos dos cursos de graduação das IES brasileiras, promovida pelo Ministério da Educação. Não existe exame idêntico, em todo o planeta, promovido pelo Estado. Os outros dois momentos avaliativos são a Avaliação in loco de Cursos, que gera o Conceito de Curso (CC), destinado a avaliar as condições de ensino, e a Avaliação Institucional in loco, que conduz ao Conceito Institucional (CI). A Lei do Sinaes não dá ao Enade competência para avaliar a qualidade de curso ou de instituições. A junção do Conceito Enade (avaliação da aprendizagem) com o Conceito de Curso (avaliação do ensino), para resultar em um terceiro conceito que poderia conduzir à avaliação da qualidade do curso, ainda não foi entendida pelo Ministério da Educação. E não vejo, no horizonte próximo, qualquer aceno das autoridades do MEC nesse sentido.
O Ministério da Educação, tendo que avaliar in loco mais de 30 mil cursos de graduação e cerca de 1.400 IES, além dos polos presenciais na educação a distância (EAD), e não possuindo estrutura e competência técnica, em seus quadros próprios, para realizar essa gigantesca tarefa, que lhe foi delegada por lei, preferiu simplificar o processo. Criou, mediante a estranha Portaria Normativa nº 40/2007, republicada em 29/12/2010, o Conceito Preliminar de Curso, o CPC, extraído quase que integralmente do resultado do Enade e do questionário aplicado aos alunos, dando a este o status de conceito de qualidade do curso. E criou o Índice Geral de Cursos, o IGC, uma média ponderada dos CPCs. As mirabolantes fórmulas de construção do IGC e do CPC, nebulosas em vários componentes, dão a esses indicadores ares de esoterismo, sem qualquer resultado que possa merecer o respeito da comunidade acadêmica e da sociedade. A mídia passa ao largo do entendimento do que seja avaliação de qualidade de cursos e de IES.
Mas o MEC, para simplificar o processo de avaliação e ver-se livre da avaliação periódica do imenso sistema federal de ensino, ofereceu às IES um bônus: os cursos com CPC 3 (Satisfatório) e 4 (Bom) podem ser isentos de avaliações in loco, nos processos de renovação periódica de reconhecimento, caso a IES dispense esse tipo de avaliação pelo Sinaes; os cursos com CPC 5 (Excelente) terão automaticamente a renovação de reconhecimento, sem a avaliação in loco. Idêntico processo aplica-se às IES, tendo o IGC como medição de qualidade institucional.
O ônus veio para os cursos com CPC inferior a 3 e para as IES com IGC também inferior a 3. Esse universo, segundo os estatísticos, aplicado aos 30 mil cursos, resultaria na necessidade da avaliação in loco para cerca de 6 mil cursos; para as IES, a avaliação in loco de pouco menos de 500 instituições. Há, contudo, um agravante. O MEC passou a punir cursos e IES, respectivamente, com CPC e IGC inferiores a 3. A partir desses indicadores insatisfatórios, a Seres – Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior – passou a baixar notas técnicas, despachos e atos assemelhados, suspendendo a autonomia de centros universitários e universidades, sustando vestibulares, reduzindo vagas de cursos e determinando a assinatura de protocolos de “saneamento de deficiências”, em desobediência ao art. 46 da LDB – Lei nº 9.394, de 1996, e da Lei do Sinaes, art. 10.
São as IES de pequeno porte as que mais sofrem com esse perverso sistema marginal de avaliação. Pensando, particularmente, nesse leque de instituições (cerca de 1.200), a ABMES deliberou ofertar um seminário destinado a esclarecer essas e outras questões, a fim de que as IES que ainda não dominem os procedimentos que conduzem a indicadores insatisfatórios ou satisfatórios possam adotar medidas corretivas e planejarem com mais conhecimento suas atividades acadêmicas.
O tema que me coube – a sensibilização para o Enade – tem sido adotado pela maioria das IES, mas com ênfase na sensibilização de sua comunidade estudantil, particularmente, atrelada ao ciclo trienal do Enade. Penso, todavia, que a sensibilização é para toda a comunidade acadêmica, ou seja, gestores, alunos, professores, técnicos e profissionais de apoio. E essa sensibilização deve ser permanente, para todos e em todos os anos, independente do ciclo avaliativo.
Como parte da sensibilização devem ser demonstrados exaustivamente a todos os integrantes da comunidade acadêmica o processo do Sinaes e de construção do CPC e do IGC e os ônus e bônus decorrentes desses indicadores. Gestores, de todos os níveis hierárquicos, particularmente os coordenadores de cursos, e professores devem assimilar, internalizar os objetivos e consequências desses indicadores, sendo multiplicadores da sensibilização dos estudantes, nos relacionamentos e, em particular, na sala de aula e nos demais ambientes de aprendizagem.
A não responsabilidade do aluno com o resultado do Enade é, talvez, o problema mais sério nos processos de sensibilização. A importância de uma avaliação, no mínimo, satisfatória, em todos esses indicadores, deve ser apresentada como fator preponderante no prestígio do diploma no mercado de trabalho e perante a sociedade de um modo geral.
Entendo que a sensibilização para o sucesso no Enade deve ser sistêmica e contínua, ao lado de ações e metas para a melhoria constante do processo de aprendizagem. Ações isoladas de sensibilização e desatenção às ações de qualidade do curso vão, inevitavelmente, conduzir a avaliações insatisfatórias e a punições, podendo, ao final, o curso ser desativado e a IES descredenciada.
Outra questão sensível é a premiação, que diversas IES já promovem, aos alunos ou às turmas que obtiverem avaliação satisfatória ou superior no CPC. Entendo que a premiação deve ser acadêmica, como bolsa integral ou parcial para as turmas com desempenho, no mínimo, satisfatório. No máximo, penso que o prêmio pode ser em instrumentos que apoiem o processo de aprendizagem, como tablets, por exemplo.
Nas ações de qualidade do curso, os conteúdos das provas do Enade, os previstos nas diretrizes curriculares nacionais e as competências e habilidades requeridas para o exercício das profissões decorrentes da formação proporcionada pelo curso devem estar presentes no Projeto Pedagógico do Curso (PPC), perfeitamente articulado com o PDI (Plano de Desenvolvimento Institucional, que inclui o projeto pedagógico institucional). Não só teoricamente, mas presente também na prática, no dia a dia do fazer acadêmico.
Por uma questão de princípios e valores, não posso deixar de, ao final, reafirmar que o Enade não oferece o mapa ou insumos para avaliar a qualidade da aprendizagem e, muito menos, do ensino. Não é, portanto, conceito que possa gerar indicadores como o CPC e o IGC, siglas que demonizam ou santificam cursos e IES sem qualquer vínculo com qualidade.
?
Qualquer dúvida em relação aos temas aqui tratados, entre em contato com a Coluna do Celso.