Educação Superior Comentada | Políticas, diretrizes, legislação e normas do ensino superior

Ano 2 • Nº 74 • 11 a 17 de setembro de 2012

A Coluna do Celso desta semana trata dos indicadores do MEC sobre quantidade de doutores e a realidade demonstrada pelo Censo da Educação Superior e pelos dados da Capes e da Plataforma Lattes.

17/09/2012 | Por: Celso Frauches | 13728

ONDE ESTÃO OS DOUTORES QUE OS DOUTORES DO MEC ACHAM QUE EXISTEM? – 3

 

As Comissões do Senado Federal, em decisão terminativa, aprovaram o Projeto de Lei do Senado nº 706, de 2007, que altera o art. 52 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que fixa as diretrizes e bases da educação nacional, para exigir, nas universidades, porcentagens específicas mínimas para doutores, mestres e docentes com regimes de trabalho em tempo integral. Eis um quadro demonstrativo da redação atual e a proposta do Senado:

 

Redação atual: Lei nº 9.394, de 1996, art. 52

Proposta de alteração: Lei nº 9.394, de 1996, art. 52

I. produção intelectual institucionalizada mediante o estudo sistemático dos temas e problemas mais relevantes, tanto do ponto de vista científico e cultural, quanto regional e nacional;

 I. (Sem alteração)

  II. um terço do corpo docente, pelo menos, com titulação acadêmica de mestrado ou doutorado;

   II. um quarto do corpo docente, pelo menos, com titulação acadêmica de doutorado;

  III. metade do corpo docente, pelo menos, com titulação acadêmica de mestrado ou doutorado;

  III. um terço do corpo docente em regime de tempo integral.

  IV. dois quintos dos docentes com regime de trabalho em tempo integral.

O PLS 706/2077, caso não seja remetido a Plenário, será considerado aprovado e encaminhado à Câmara dos Deputados para deliberação. Se aprovado na Câmara e sancionado pelo(a) presidente da República, entrará em vigor somente em “1º de janeiro do terceiro ano subsequente à sua publicação”.

Conhecendo a morosidade com que trabalha o Congresso Nacional, em propostas que não sejam oriundas do Executivo, esse projeto deverá levar alguns milênios para ser aprovado. Essa decisão das comissões do Senado, contudo, remete a questões relativas às políticas públicas de capacitação docente para a educação superior e de financiamento dos programas de pós-graduação, em níveis de mestrado e doutorado, embora, se transformada em lei, apenas seja aplicada às universidades.

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CENSOS DA EDUCAÇÃO

 

Divulgado o Censo da Educação Superior de 2009, escrevi, na Coluna do Celso nº 4, o texto Onde estão os doutores que os doutores do MEC acham que existem? – 2. Volto a essa questão, nesta segunda metade de 2012, tendo em vista a aprovação do PLS 706/2007 e a persistência com que o Ministério da Educação insiste na insana exigência de um mínimo de 20% de doutores em cada curso de graduação, para qualquer tipo de organização acadêmica, para compor os insumos do marginal Conceito Preliminar de Curso (CPC), criado mediante simples portaria ministerial, sem atender aos princípios de legalidade, como exige a Constituição de 88.

No livro Educação superior – cobras & lagartos (Ilape, 2010), inseri um artigo, publicado na Revista Ilape de Direito e Gestão Educacional (www.ilape.com.br/revista), em novembro de 2009, no qual analiso a exigência de percentuais elevados de doutores nos instrumentos de avaliação in loco, aprovados pela Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior (Conaes) e operacionalizados pelo Inep, nos processos de credenciamento e recredenciamento de IES e de autorização, reconhecimento e renovação de reconhecimento de cursos de graduação. O mesmo em relação aos insumos para a composição do Conceito Preliminar de Curso (CPC), uma invenção dos burocratas do MEC, com o indicador de vinte por cento de doutores para cada curso de graduação.

Após analisar os dados do Censo da Educação Superior – 2008, que registravam carência de doutores para o atendimento aos indicadores exigidos pelo MEC, escrevia, em novembro de 2009:

Outro fator que deve ser levado em conta é o relativo às características ou pré-requisitos exigidos por lei para os diversos tipos de IES. Somente para as universidades, onde ensino, pesquisa e extensão devem ser indissociáveis (art. 207 da Constituição), a lei (Lei nº 9.394/96 – LDB, inciso II, art. 52) exige o mínimo de um terço de mestres ou doutores. Os indicadores para centros universitários são estabelecidos em decreto (Decreto nº 5.786/2006, inciso II, art. 1º), também, com um terço de mestres ou doutores. Para as IES não-universitárias (faculdades integradas, faculdades, escolas ou institutos superiores) não há nenhuma exigência legal.
O art. 66 da LDB, por outro lado, dispõe que “a preparação para o exercício do magistério superior far-se-á em nível de pós-graduação, prioritariamente em programas de mestrado e doutorado” (grifei). Ou seja, na educação superior a lei permite o exercício do magistério para professores certificados em cursos ou programas de pós-graduação lato sensu (especialização, segundo a Resolução CES/CNE nº 1/2007) e stricto sensu (mestrado e doutorado, nos termos da Resolução CES/CNE nº 1/2001). “Prioritariamente” não significa majoritariamente. Constata-se que os dados que integram as bases de dados do governo brasileiro – ministérios da Educação e da Ciência e Tecnologia – não oferecem nenhum indicador que dê validade aos critérios de avaliação de titulação docente como os constantes dos instrumentos de avaliação dos cursos de graduação adotados pelo Inep e, muito menos, para os insumos do CPC. Não há nenhum estudo sério, publicado e validado pela comunidade científica brasileira, que dê amparo a esses critérios de análise.
Como, então, os doutores do MEC chegaram à conclusão de que doutor é sinônimo de qualidade de um curso de graduação? Puro achismo. Ou corporativismo entre os doutores.

Com a divulgação do Censo da Educação Superior-2009, em janeiro de 2011, voltei a levantar o estoque de doutores em atuação nas IES e cursos superiores. A situação não apresentava mudanças que me permitissem alterar a conclusão acima. O Censo da Educação Superior de 2010 demonstra que não houve progresso na formação de doutores para a educação superior, em relação ao total de docentes, e as normas de avaliação, regulação e supervisão do MEC continuam obtusas, a exigir 20% de doutores nos cursos de graduação.

O Censo da Educação Superior/2010 registra o exercício efetivo de 300.078 docentes na educação superior, correspondendo a 345.335 funções docentes. Em “funções docentes”, o mesmo docente pode atuar em mais de uma atividade, assim como em mais de uma categoria administrativa. As funções docentes ocupadas por doutores estão distribuídas nas seguintes atividades: graduação presencial e a distância, pós-graduação presencial e a distância, extensão, gestão, sequencial e pesquisa.

Para o cálculo do percentual de mestres e doutores nas IES públicas e privadas, como o Censo centraliza suas informações em quantitativos de funções docentes ocupadas por mestres e doutores, a abordagem seguinte será a partir dos quantitativos de doutores em funções docentes.

Do total de 345.335 funções registradas no Censo de 2010, 98.195  são funções docentes ocupadas por doutores (28,45%), dos quais 70% estão nas IES públicas, e 130.291 (37,72%) por mestres.

O Censo da Educação Superior/2009 registra a existência de 289.543 docentes e 340.817 funções docentes, ambas em efetivo exercício, sendo 130.614  mestres (38,32%) e 92.891 doutores (27,25%) distribuídos nas mais diversas funções docentes e IES públicas e privadas. Houve aumento de 3,6% de 2009 para 2010 na quantidade de docentes em atividade na educação superior e apenas 1º de aumento nas funções docentes

Entre 2009 e 2010 houve somente um acréscimo de 5,57% de funções docentes ocupadas por doutores. As funções docentes ocupadas por mestres permaneceu praticamente a mesma, de 130.291, em 2009, para 130.614, em 2010.

A Capes registra, em 10 de setembro de 2012, a existência de 5.098 cursos de pós-graduação em níveis de mestrado (acadêmico e profissional) e doutorado.

Na pós-graduação stricto sensu, em nível de doutorado,  na média, oito doutores estão dedicados a cada curso e programa de mestrado e doutorado – 5.098 em 10/9/2012 –, ou seja, cerca de 40 mil doutores estão atuando exclusivamente nesse nível de ensino. Restam 60 mil doutores para as demais atividades – graduação presencial e a distância, pós-graduação lato sensu presencial e a distância, gestão, sequencial, pesquisa e extensão. Supondo que esses 60 mil doutores tenham funções docentes na graduação, teremos 1,47 doutores por curso, sabendo-se da existência, em 2012, de 40.778 cursos de graduação, presencial e a distância.

Em 2012, o sistema de educação superior brasileiro abriga 2.667 instituições de educação superior (IES) e 40.748 cursos de graduação (tecnólogos, bacharelados e licenciaturas) nas modalidades presencial e a distância, segundo dados da Seres/MEC.

Sendo público que 90% das IES são privadas, abrigando 75% das matrículas, cerca de 4.500.000 em 2012, e que 70% das funções docentes dos doutores são ocupadas nas IES públicas, pode-se perceber um desequilíbrio abismal entre as propostas de percentuais de mestres e doutores para todas as IES indiscriminadamente. Doutores e mestres são majoritários nas IES públicas, entre outras, por causa da estabilidade, uma vez que os salários na área privada são mais atraentes. A causa principal, porém, é que as IES públicas são quase todas universidades.

Das atuais 2.667 IES, somente 195 são universidades, públicas (112) e privadas (83). As demais – 2.472 – são centros universitários (132) e faculdades (2.340), ou seja, 93% das IES de todo o País, que não têm compromisso ou obrigação constitucional e nem legal de realizar pesquisa ou ofertar cursos de mestrado e doutorado.

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CAPACITAÇÃO

Para atuar nos cursos de graduação – tecnólogos, bacharelados e licenciaturas –, destinados a formar, prioritariamente, profissionais para o mercado de trabalho, a participação do professor-doutor não é prioritária. Nesse nível de ensino, o professor-especialista ou o mestre são peças mais importantes, particularmente, quando, também, atuam no mercado de trabalho, nas respectivas áreas profissionais. A atuação do doutor é indispensável nos programas e cursos de mestrado e doutorado.

Por outro lado, para as universidades públicas a Capes/MEC concede bolsas de estudos integrais para a realização de mestrados e doutorados, no Brasil e no exterior. O mesmo tratamento não é dado às IES particulares, motivo por que estas ofertam muito menos programas nesse nível de estudos.  O CNPq concede bolsas para a realização de pesquisas para os professores das IES públicas em muito maior volume do que para as instituições privadas.

Se levarmos essas projeções para cada região geográfica as discrepâncias são mais gritantes.

Apenas para dar uma mostra atual, vou recorrer aos dados atualizados da Capes (10/9/2012) sobre a distribuição dos cursos e programas de mestrado e doutorado pelas regiões brasileiras, conforme o quadro seguinte:

Programas e cursos de mestrado e doutorado

Relação de cursos recomendados e reconhecidos

Por Região

Região

Programas e cursos de pós-graduação

Totais

Total

M

D

F

M/D

Total

M

D

F

Norte

180

100

5

25

50

230

150

55

25

Nordeste

665

335

17

72

241

906

576

258

72

Centro-Oeste

277

134

7

29

107

384

241

114

29

Sudeste

1.595

409

22

216

948

2.543

1.357

970

216

Sul

696

267

6

84

339

1.035

606

345

84

Brasil

3.413

1.245

57

426

1.685

5.098

2.930

1.742

426

Legenda: M – Mestrado acadêmico; D – Doutorado; F – Mestrado profissional; M/D – Mestrado acadêmico/Doutorado.
Fonte: http://conteudoweb.capes.gov.br/conteudoweb/ProjetoRelacaoCursosServlet?acao=pesquisarGrandeArea – acesso em 10/9/2012

Constata-se que as regiões Sul/Sudeste abrigam 70% dos programas e cursos de mestrado e doutorado, contra 30% para as demais regiões. A região Norte é a mais carente, com 4,5% desses cursos e programas.

Vou recorrer, agora, ao estoque de doutores cadastrados na Plataforma Lattes, do Cnpq:

Plataforma Lattes

Doutores por região

Região

Quant.

%

BRASIL

96.493

100

NORTE

3.584

4

NORDESTE

15.939

16

CENTRO-OESTE

8.242

9

SUDESTE

49.560

51

SUL

19.168

20

Fonte: http://estatico.cnpq.br/painelLattes - acesso em 10/9/2012.

Novamente, comprova-se que o Sul/Sudeste maravilha são privilegiados, abrigando 71% dos doutores em atividade no País, contra somente 29% das demais regiões. O Norte continua sendo a região mais carente: 4% dos doutores.

Registre-se que os avaliadores do Inep, nas avaliações in loco, usadas para os atos de regulação (Credenciamento/recredenciamento de IES, e autorização/reconhecimento/renovação de reconhecimento de cursos), exigem que todos os professores inseridos nos formulários eletrônicos tenham o seu currículo na Plataforma Lattes. Enquanto os dados da Capes indicam a quantidade cursos de mestrado e doutorado, sem informação regular da quantidade de doutores formados anualmente, a Plataforma Lattes indica onde estão os doutores, em que regiões e estados. E nem todos estão atuando nas IES.

Essas discrepâncias acontecem também na distribuição de cursos de mestrado e doutorado e de doutores por áreas de conhecimento. É o que demonstro a seguir, com os dados da Capes e da Plataforma Lattes.

Programas e cursos de mestrado e doutorado

Relação de cursos recomendados e reconhecidos

Por área de conhecimento

Região

Programas e cursos de pós-graduação

Totais

 

Total

M

D

F

M/D

Total

M

D

F

Agrárias

373

133

2

21

217

590

350

219

21

Biológicas

278

71

3

16

188

466

259

191

16

Saúde

553

140

17

80

316

869

456

333

80

Exatas e da Terra

298

109

8

15

166

464

275

174

15

Humanas

476

205

4

20

247

723

452

251

20

Sociais Aplicadas

422

186

2

74

160

582

346

162

74

Engenharias

370

146

3

61

160

530

306

163

61

Linguísticas, Letras e Artes

181

79

1

3

98

279

177

99

3

Multidisciplinar 462 176 17 136 133 595 309 150 136
Brasil 3.413 1.245 57 426 1.685 5.098 2.930 1.742 426

Legenda: M – Mestrado acadêmico; D – Doutorado; F – Mestrado profissional; M/D – Mestrado acadêmico/Doutorado.
Fonte: http://conteudoweb.capes.gov.br/conteudoweb/ProjetoRelacaoCursosServlet?acao=pesquisarGrandeArea – acesso em 10/9/2012.

O quadro seguinte faz a distribuição percentual por área de conhecimento, demonstrando desequilíbrio na formação de mestres e doutores. A área de linguística, letras e artes é a mais carente, com 5% de doutores. As áreas melhores aquinhoadas são as de saúde (17%), humanas (14%) e agrárias (12%). É a prova cabal de que não é possível exigir-se o mesmo percentual de doutores para qualquer curso de qualquer área de conhecimento, assim como para as regiões geográficas e para os diversos tipos de organização acadêmica (Universidades, centros universitários e faculdades e congêneres).

Programas e cursos de mestrado e doutorado

Relação de cursos recomendados e reconhecidos

Por área de conhecimento

Áreas

Quant.

%

Agrárias

590

12

Biológicas

466

9

Saúde

869

17

Exatas e da Terra

464

9

Humanas

723

14

Sociais Aplicadas

582

11

Engenharias

530

11

Linguísticas, Letras e Artes

279

5

Multidisciplinar

595

12

Brasil

5.098

100

A Plataforma Lattes vem fortalecer essa comprovação. Eis o quadro de distribuição do estoque de doutores por área de conhecimento e por região.

Plataforma Lattes

Doutores por área de conhecimento

Áreas

Quant.

%

Agrárias

9.574

10

Biológicas

12.361

13

Saúde

14.545

15

Exatas e da Terra

13.921

14

Humanas

15.423

16

Sociais Aplicadas

9.154

10

Engenharias

9.039

9

Linguísticas, Letras e Artes

5.698

6

Não informada

6.778

7

Brasil

96.493

100

Fonte: http://estatico.cnpq.br/painelLattes - acesso em 10/9/2012.

A Plataforma Lattes revela que 83% (79.956) dos doutores estão nas IES públicas, enquanto que nas IES privadas estão somente 17% (16.537 doutores).

Um quadro comparativo entre o estoque de doutores, constantes da Plataforma Lattes, e os cursos de doutorado, reconhecidos pelo MEC, comprovam que o desequilíbrio entre as áreas de conhecimento são mantidos nas duas situações.

Plataforma Lattes x Capes

Doutores e doutorados por área de conhecimento

 

Lattes/Doutores

Capes/Doutorados

Áreas

Quant

%

%

Quant

Agrárias

9.574

10

13

219

Biológicas

12.361

13

11

191

Saúde

14.545

15

19

333

Exatas e da Terra

13.921

14

10

174

Humanas

15.423

16

14

251

Sociais Aplicadas

9.154

10

9

162

Engenharias

9.039

9

9

163

Linguísticas, Letras e Artes

5.698

6

6

99

Não informada

6.778

7

9

150

Brasil

96.493

100

100

1.742

Fonte: Plataforma Lattes e Capes – Dados atualizados em 10/9/2012.

Da análise do quadro acima, podemos observar uma próxima correlação entre o estoque de doutores, registrado pela Plataforma Lattes, e a quantidade de cursos de doutorados reconhecidos pelo MEC, por área de conhecimento. Fato que demonstra cabalmente que as exigências do MEC, quanto à quantidade de doutores por cursos e por IES está fora da realidade brasileira.

Em 2012, com base no percentual de aumento de docentes e de mestres e doutores entre 2009/2010, devemos ter, em efetivo exercício, cerca de 320 mil docentes e 360 mil funções docentes, das quais 110 mil exercidas por doutores (30%).

Em 2012,dados da Capes indicam que  52.275 doutores estão alocados nos 5.098 cursos de mestrado e doutorado, em funções docentes variadas. Restam 44.218 doutores para atenderem a 40.748 cursos de graduação, resultando numa relação docente/curso de 1,08/1. Quase um doutor por curso. Sabendo-se que, pelos dados da Plataforma Lattes, 83% desses doutores estão nas IES públicas, as instituições privadas, particularmente, as faculdades e centros universitários, que não têm atribuição constitucional ou legal para a pesquisa, não terão condições de atender aos atuais indicadores do MEC nem daqui a 50 anos, mantidas as condições atuais de progressão na formação e no estoque de doutores. Qualquer um que seja primário em matemática, como eu, pode chegar a essa mesma conclusão. Menos os doutores do MEC.

O atual instrumento de avaliação de cursos de graduação

– tecnólogos, bacharelados e licenciaturas –, ministrado por universidades, centros universitários e faculdades, estabelece os seguintes porcentuais de mestres e doutores para o indicador “2.7. Titulação do corpo docente do curso”:

Indicador

Conceito

Critério de Análise

2.7. Titulação do corpo docente do curso.

 

(Para fins de autorização, considerar os docentes previstos para o primeiro ano do curso, se CSTs, ou dois primeiros anos, se bacharelados/licenciatura)

1

Quando o percentual dos docentes do curso com titulação obtida em programas de pós-graduação stricto sensu é menor que 15%.

2

Quando o percentual dos docentes do curso com titulação obtida em programas de pós-graduação stricto sensu é maior ou igual a 15% e menor que 30%.

3

Quando o percentual dos docentes do curso com titulação obtida em programas de pós-graduação stricto sensu é maior ou igual a 30% e menor que 50%.

4

Quando o percentual dos docentes do curso com titulação obtida em programas de pós-graduação stricto sensu é maior ou igual a 50% e menor que 75%.

5

Quando o percentual dos docentes do curso com titulação obtida em programas de pós-graduação stricto sensu é maior ou igual a 75%.


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CONCEITO 3

Para o conceito 3 – Satisfatório, exige o percentual de mestres ou doutores “maior ou igual a 30% e menor que 50%”. Para o conceito 4 – Bom, a exigência passa para “maior ou igual a 50% e menor que 75%. O conceito 5 – Excelente, que poderia ser o conceito indutor para o estímulo a uma forte e prioritária política de capacitação docente – está bem acima da realidade brasileira para as próximas décadas, caso seja aplicado indistintamente para qualquer tipo de organização acadêmica – universidade, centro universitário e faculdade. Para o conceito 5 é exigido porcentual “maior ou igual a 75%”. A indução deveria ser meta e não indicador que resulte em conceito, que pode punir a IES que não encontra doutores disponíveis ou que não têm necessidade desse aporte de doutores, por não ser universidade.

O indicador “2.8. Titulação do corpo docente do curso – percentual de doutores” completa a incongruência na atribuição de porcentuais de doutores para qualquer tipo de IES/curso. Transcrevo o quadro na íntegra:

Indicador

Conceito

Critério de Análise

2.8. Titulação do corpo docente do curso – percentual de doutores

(Para fins de autorização, considerar os docentes previstos para o primeiro ano do curso, se CSTs, ou dois primeiros anos, se bacharelados/licenciaturas)

1

Quando não há doutores do curso.

2

Quando o percentual de doutores do curso é menor ou igual a 10%.

3

Quando o percentual de doutores do curso é maior que 10% e menor ou igual a 20%.

4

Quando o percentual de doutores do curso é maior que 20% e menor ou igual a 35%.

5

Quando o percentual de doutores do curso é maior que 35%.

Para os conceitos 3 – Satisfatório e 4 – Bom exige-se, respectivamente, mais de 10% de doutores e mais de 20% de doutores. Lembro que o insumo titulação docente para compor o marginal CPC é de, no mínimo, 20% de doutores.

Para demonstrar a irrealidade dos critérios de análise para atribuição dos conceitos 3 e 4, vou exemplificar com os dados referentes ao bacharelado em direito, um dos cursos com maior quantidade de alunos e, portanto, de docentes. Além do mais, é o curso de graduação mais antigo do País, veio com a corte portuguesa, na bagagem de Dom João VI... Duzentos anos de ensino jurídico.

A Plataforma Lattes revela a existência, em 15/9/2012, de 1.900 doutores em direito, assim distribuídos por região:

Região

Quant.

%

NORTE

46

2

NORDESTE

284

15

CENTRO-OESTE

126

7

SUL

443

23

SUDESTE

1.009

53

BRASIL

1.900

100

Novamente, a região Sul/Sudeste  fica com a maior quantidade de docentes qualificados em doutorado na área do direito: 76%. O Norte continua sendo o menos afortunado: 2%.

Em 14 de setembro de 2012, segundo dados do e-MEC, existem em regular funcionamento 1.185 cursos de bacharelado em direito.

A Capes registra a existência de 107 cursos de mestrado e doutorado na área do direito. Cada curso deve ocupar, no mínimo, quatro doutores na área específica do direito, ou seja, 428 doutores. Restam 1.472 doutores em direito para atuarem nos 1.185 bacharelados, gerando uma relação doutor/curso em 1,24/1. Esta é uma relação bruta, sem alocar os doutores nas IES públicas e privadas e sem levar em consideração a organização acadêmica das instituições.

Segundo dados da Plataforma Lattes, a evolução da capacitação de doutores na área do direito nos últimos cinco anos registra os seguintes números:

Ano

Quant.

2008

183

2009

191

2010

200

2011

204

2012

111

Essa evolução é baixa, tendo em vista a quantidade de doutorados em funcionamento: 31. Em 2011, resultou na média de 6,5% doutores por curso.

Partindo do atual estoque de doutores em direito – 1.900 – pode-se projetar a evolução para os próximos dez anos (2013/2022), com base na taxa média de crescimento nos últimos cinco anos (2,23%), acrescida do incremento de 25%, como resultado prático da chamada “indução”. Assim, a média anual de crescimento pode ser de 3%, para o próximo decênio. Sem bola de cristal, posso prever que, em 2022, o estoque de doutores em direito pode chegar a 4.376.  Paralelamente, pode-se prever, também, aumento na quantidade de doutorados reconhecidos pelo MEC. A partir da média de crescimento desses cursos, nos últimos cinco anos, e na possível melhoria da produtividade dos doutorados esse estoque poderá chegar a, no máximo, 5.500 doutores em direito.

Por outro lado, a quantidade de bacharelados em direito deverá evoluir, na mesma proporção, no mesmo período.

Essa tentativa de futurologia, com base no bacharelado em direito,  pode servir para as autoridades governamentais e os parlamentares repensarem as políticas de capacitação de professores para a educação superior e as de avaliação para os processos de regulação e supervisão, particularmente, no sistema federal de ensino, integrado pelas IES federais e as da livre iniciativa.

Os sábios informam que a exigência de doutores é para “induzir” às IES privadas, todas elas, sem exceção, a contratarem doutores. Mas onde buscá-los ou encontrá-los para a obtenção, pelo menos, do conceito 3 – satisfatório –  nos instrumentos de avaliação e nos critérios de cálculo da fórmula do marginal CPC? Qualquer indicador ou conceito gerado para induzir o aumento da quantidade de doutores e mestres nas IES deve ser inserido nos critérios de análise do conceito 5, para os que buscam a excelência. Não para as que atendem às exigências legais, repito, oriundas de leis e não de portarias, resoluções, notas técnicas ou similares criações da burocracia do MEC.

O Pequeno Príncipe já dizia, para misses e outros leitores, que não se deve exigir de ninguém nada além daquilo do que seja capaz de produzir ou realizar. O atingimento dos indicadores de percentuais de doutores nos cursos de graduação das IES privadas é meta impossível de ser atingida, nesta década.

Como escrevia na Coluna do Celso nº 4, de 5 de abril de 2011, essa realidade os doutores do MEC não podem ignorar. Não podem continuar achando que as IES privadas, podem ter, num passe de mágica, vinte ou trinta por cento de doutores em cada curso de graduação, sem levar em conta a organização acadêmica. Até porque, como diz o poeta da Vila, Noel Rosa, quem acha vive se perdendo... 

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