Educação Superior Comentada | Políticas, diretrizes, legislação e normas do ensino superior

Ano 1 • Nº 1 • 4 de março de 2013

A Coluna desta semana traz a estreia de Gustavo Fagundes, consultor jurídico da ABMES, falando sobre a realização de atividades semipresenciais nos cursos superiores presenciais.

04/03/2013 | Por: Gustavo Fagundes | 4836

ATIVIDADES SEMIPRESENCIAIS EM CURSOS SUPERIORES RECONHECIDOS

Assumo, com o precoce afastamento do Professor Celso da Costa Frauches, a responsabilidade de assegurar a continuidade deste importante veículo de comunicação estabelecido pela Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior – ABMES.

Junto com o desafio de substituir o Celso, recebo ainda a incumbência de trazer para esta coluna temas mais ligados ao direito e à legislação educacional, estabelecendo, com isso, um fluxo de comunicação sobre estes temas com nossos leitores, com a obrigação de, aliado à abordagem técnica dessas questões, manter a coluna com o espírito de apresentar uma leitura agradável, informativa e provocativa.

Espero levar a efeito essa nobre empreitada, assinalando, desde logo, a intenção de contar com a efetiva participação de todos, sobretudo com a apresentação de sugestões para os temas a serem abordados em nossa conversa semanal.

Feitas as considerações iniciais, passemos ao tema de nossa primeira participação, qual seja, a possibilidade de realização de atividades semipresenciais nos cursos superiores reconhecidos.

Tenho percebido que muitas instituições de ensino superior se orgulham em afirmar que utilizam a educação a distância em seus cursos reconhecidos, oferecendo 20% de sua carga horária por essa modalidade.

Essa é uma conduta que não encontra amparo nas normas legais vigentes, porquanto a única previsão normativa existente sobre o tema é a Portaria MEC nº 4.059/2004, publicada no DOU em 13.12.2004 e, segundo o site do próprio Ministério da Educação, ainda vigente.

Com efeito, a permissão contida na referida portaria é absolutamente clara ao estabelecer a possibilidade de oferta, no limite máximo de 20% da carga horária do curso, de disciplinas adotando a modalidade semipresencial, conforme expressamente disposto em seu artigo 1º, especificamente no caput e no § 2º:

“Art. 1º As instituições de ensino superior poderão introduzir, na organização pedagógica e curricular de seus cursos superiores reconhecidos, a oferta de disciplinas integrantes do currículo que utilizem modalidade semi-presencial, com base no art. 81 da Lei nº 9.394, de 1.996, e no disposto nesta Portaria.

§ 2º Poderão ser ofertadas as disciplinas referidas no caput, integral ou parcialmente, desde que esta oferta não ultrapasse 20 % (vinte por cento) da carga horária total do curso.” (grifamos)

Podemos verificar, assim, que os cursos superiores, desde que reconhecidos, podem ofertar até 20% de sua carga horária com a adoção de disciplinas que utilizem, integral ou parcialmente, a modalidade semipresencial.

Evidentemente, esta situação deve estar devidamente registrada no projeto pedagógico do curso, com a indicação clara da(s) disciplina(s) que adote(m) a modalidade semipresencial, da carga horária a ser cumprida na referida modalidade e das atividades a serem realizadas na mesma, sendo fundamental registrar que as avaliações desta(s) disciplina(s), seja(m) ela(s) ofertada(s) parcial ou integralmente na modalidade semipresencial, deverão, obrigatoriamente, ser presenciais (portaria mencionada, artigo 1º, § 3º).

Também é impositivo o atendimento à quantidade mínima de 200 dias de trabalho acadêmico efetivo, constante do artigo 47 da LDB (portaria mencionada, artigo 1º, § 4º).

Atendidas as condições legais necessárias à adoção de disciplinas integral ou parcialmente ofertadas na modalidade semipresencial, conforme acima apontadas, é importante que a instituição também adote as cautelas administrativas e contratuais pertinentes, para evitar questionamentos por parte dos alunos.

Com efeito, têm surgido demandas junto ao Poder Judiciário aduzindo ser ilegal a oferta de atividades semipresenciais em cursos presenciais, posição esta que tem recebido acolhida nas decisões proferidas, sobretudo quando fica evidente que inexistiu qualquer tipo de adequada informação prévia aos estudantes acerca da adoção desta modalidade, conforme algumas decisões que considero adequado reproduzir, de forma sintética:

“EMENTA

Civil. Direito do Consumidor. Rescisão de contrato de prestação de serviço de ensino superior. Cláusula abusiva. Aulas semipresenciais. Modificação unilateral do contrato. Prejuízo ao discente. Direito à devolução integral da mensalidade paga. Possibilidade de transferência para outra faculdade. Ocorreu uma alteração contratual unilateral, justificando a rescisão pelo consumidor, sendo abusiva a retenção de 20% da devolução nos moldes do art. 51, do CDC, caso em que a penalidade é nula de pleno direito, em face de não tratar-se de mera desistência, mas de rescisão propriamente dita. Recurso da universidade ré improvido.” (2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do DF, Acórdão nº 297605, DJU 24.3.2008, pág. 212 - grifamos).

“EMENTA

Consumidor. Rescisão do contrato de prestação educacional. Ausência de informação acerca de disponibilização de matéria virtual. Restituição do valor pago. Sentença mantida.

I. A empresa não comprovou por meio hábil a ciência da apelada quanto a oferta de matéria online, visto que os termos contratuais não deixam claro o modo que seriam ministradas as aulas (se apenas presenciais ou virtuais, ou uma mescla destas). Ofensa ao princípio da transparência, boa-fé e lealdade contratuais.

II. O objeto do contrato de prestação de serviços educacionais é a prestação de aulas ministradas no semestre, a ser a avença paga em razão da semestralidade, com valores diluídos pelos meses que o compõem (20070710385048ACJ, Relator ALFEU MACHADO, Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do DF, julgado em 21/10/2008, DJ 14/11/2008 p. 106).

III. A não ter sido dado o conhecimento prévio e adequado à recorrida acerca do meio de prestação da atividade didática (virtual), deve a instituição de ensino efetuar a devolução dos valores pagos.

IV. .....

V. Sentença mantida por seus próprios fundamentos, salvante para se adequar à orientação do STJ no REsp 940.274 – MS. Sem custas, nem honorários (Lei 9099/95, artigos 46 e 55). Unânime.” (Processo nº 2010.03.1.026996-8, Acórdão nº 503725, DJU 12.5.2011, pág. 337 - grifamos).

“EMENTA

Lei 8078/90. Defeituosa prestação de serviços educacionais.

I. Patente a defeituosa prestação do serviço pela instituição de ensino, por não informar adequadamente ao consumidor (deficiente visual) a disponibilização de cerca de 20% da carga horária do curso sob a modalidade semipresencial, além de não comprovar a oferta de meios alternativos (compatíveis às necessidades especiais do aluno) para que ele pudesse cursar as disciplinas sem a imposição de sobre-esforço e prejuízo físico.

II. Se a rescisão contratual é decorrente de vício de qualidade do serviço, o apelado faz jus à restituição imediata da totalidade da quantia paga, monetariamente atualizada (CDC, art. 20, caput e inciso II). SENTENÇA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS, E O APELANTE ARCARÁ COM AS CUSTAS PROCESSUAIS (LEI 9099/95, ARTIGOS 46 E 55). RECURSO IMPROVIDO. UNÂNIME.” (Processo nº 2010.03.1.028056-8, Acórdão nº 505322, DJU 19.5.2011, pág. 269 - grifamos).

Podemos verificar, pelas decisões acima transcritas, que, na esfera da regularidade da conduta das instituições de ensino superior que adotam a oferta de disciplinas na modalidade semipresencial em seus cursos superiores reconhecidos, o grande problema existente é a falta de adequada informação aos discentes acerca deste procedimento.

Analisando a legislação acima mencionada (Portaria MEC nº 4.059/2004), juntamente com o teor das decisões judiciais retro transcritas, surge a conclusão acerca da possibilidade de oferta de até 20% da carga horária dos cursos superiores na modalidade semipresencial, desde que observadas as seguintes exigências:

I - O curso superior deve estar devidamente reconhecido, com a necessária publicação da portaria de reconhecimento;

II - O Projeto Pedagógico do Curso (PPC) deve estar atualizado, com a previsão expressa e clara da adoção da modalidade semipresencial para uma ou mais disciplinas, observado o limite de 20% da carga horária total do curso para oferta na referida modalidade e com a descrição clara das atividades desenvolvidas de forma semipresencial;

III - Adoção de avaliação presencial para as disciplinas ofertadas parcial ou integralmente na modalidade semipresencial;

IV - Cumprimento da exigência de 200 dias anuais de trabalho acadêmico efetivo; e

V - A adoção da modalidade semipresencial deve ser adequadamente informada à comunidade acadêmica, através de menção à possibilidade de sua adoção no edital de convocação dos processos seletivos e da inclusão de cláusula contratual específica no contrato de prestação de serviços educacionais.

As instituições, por fim, devem evitar a utilização da expressão “educação a distância” para as situações em que, lastreadas na regra prevista na prefalada Portaria MEC nº 4.059/2004, adotem a metodologia semipresencial em disciplinas ofertadas em seus cursos superiores reconhecidos, porquanto a oferta da modalidade EAD é prerrogativa exclusiva das instituições de ensino superior devidamente credenciadas para atuação na mesma.

?

Qualquer crítica, dúvida ou correções, por favor, entre em contato com a Coluna Educação Superior Comentada, por Gustavo Fagundes, que também está à disposição para sugestão de temas a serem tratados nas próximas edições.