AS QUESTÕES LEGAIS INERENTES AO TRABALHO DOS DOCENTES
As instituições de ensino superior precisam ficar atentas para as questões inerentes aos contratos de trabalho firmados com seus docentes, porquanto diversas normas legais devem ser consideradas na contratação e na execução do vínculo contratual dos professores.
Convém iniciar registrando que a regulamentação das relações contratuais entre as mantenedoras das instituições de ensino superior e seus docentes passa por questões gerais, locais e mesmo específicas, conforme a esfera das normas aplicáveis.
A regulamentação de cunho geral, a ser observada por todas as mantenedoras está contida, essencialmente, no artigo 7º da Constituição Federal de 1988 e na Consolidação das Leis do Trabalho – CLT – Decreto-Lei nº 5.452/1943.
Devem, ainda, ser consideradas as regras inerentes às relações com os docentes estabelecidas pelo Ministério da Educação, sobretudo no que pertine à caracterização dos regimes de trabalho para fins de avaliação.
No âmbito das regras locais, devem ser consideradas as normas coletivas de trabalho, que podem ser celebradas entre os sindicatos representantes dos empregados e dos empregadores (Convenção Coletiva de Trabalho – CCT) ou entre os sindicatos representantes dos empregados e empregadores individualmente considerados (Acordo Coletivo de Trabalho – ACT).
Essas regras, evidentemente, aplicam-se somente no âmbito das relações por ela estabelecidas, sobretudo observado o limite de territorial de atuação dos entes sindicais celebrantes.
As normas específicas, por seu turno, são aquelas decorrentes do Plano de Carreira Docente – PCD – elaborado por cada mantenedora e devidamente protocolado junto ao órgão local do Ministério do Trabalho, cuja existência e adequada divulgação aos interessados é requisito legal e normativo previsto nos instrumentos de avaliação atualmente em vigor.
Por questões óbvias, o presente texto será limitado à questão das normas de aplicação geral, sobretudo nos aspectos oriundos das disposições constantes da Constituição Federal, da CLT, por serem normas de cunho nacional, aplicáveis a todos os contratos de trabalho celebrados entre mantenedoras e docentes, porquanto inviável descer aos detalhes atinentes às normas locais e específicas, dada sua multiplicidade.
Também é importante registrar que o texto buscará ater-se a questões mais relevantes e de interesse geral sobre o tema, não sendo, por óbvio, o espaço adequado para esgotar o tema, buscando, sim, despertar atenção e interesse para a questão dos contratos de trabalho dos docentes e suas implicações mais relevantes.
O primeiro aspecto a ser considerando, nesta linha, é a questão da duração da jornada de trabalho dos docentes, que deve obedecer a três limitações essenciais, quais sejam, a duração da jornada diária e semanal, o intervalo mínimo entre duas jornadas diárias de trabalho e o limite de horas de aula por dia de trabalho.
A duração do trabalho normal de qualquer trabalhador como regra geral, está limitada a 8 (oito) horas de trabalho diário e 44 (quarenta e quatro) horas de trabalho semanal, nos termos do inciso XIII do artigo 7º da CLT:
“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;”.
É possível a extrapolação desse limite por até duas horas, nos termos do artigo 59 da CLT, verbis:
“Art. 59 - A duração normal do trabalho poderá ser acrescida de horas suplementares, em número não excedente de 2 (duas), mediante acordo escrito entre empregador e empregado, ou mediante contrato coletivo de trabalho.”
Essas horas extraordinárias de trabalho devem ser remuneradas com acréscimo mínimo de 50% (cinquenta por cento) em relação ao valor da hora prestadas regulamente, nos termos do disposto no inciso XVI do artigo 7º da Constituição Federal, exceto se norma coletiva ou específica estipular valor superior, assim dispondo a norma constitucional:
“XVI - remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinqüenta por cento à do normal;”.
Desse modo, sempre que o docente extrapolar o limite diário de 8 (oito) horas, e semanal de 44 (quarenta e quatro) horas, fará jus à percepção de remuneração extraordinária com valor da hora, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) superior ao valor da hora regular, observado, ainda, o limite intransponível de 10 (dez) horas de trabalho por dia, observada a dilação extraordinária máxima permitida pelo artigo 59 da CLT.
Além do limite de duração da jornada de trabalho diária, há que se observar, ainda, o período mínimo de intervalo entre duas jornadas diárias de trabalho, ou seja, o intervalo entre o término da jornada de um dia e o início da jornada do dia seguinte, limite este que é de 11 (onze) horas, nos termos do disposto no artigo 66 da CLT:
“Art. 66 - Entre 2 (duas) jornadas de trabalho haverá um período mínimo de 11 (onze) horas consecutivas para descanso.”
Assim, encerrada a jornada de trabalho diária, o docente somente poderá iniciar sua jornada no dia seguinte depois de decorrido o período mínimo de 11 (onze) horas, de modo que, em caráter exemplificativo, um docente que encerre suas atividades às 22h00 de um dia, somente poderá iniciar a jornada de trabalho no dia seguinte após as 9h00, sem o que estará sendo desrespeitado o intervalo legal entre duas jornadas diárias de trabalho.
Importante observar que o trabalho noturno, assim considerado aquele desenvolvido entre as 22h00 de um dia e as 5h00 do dia seguinte possui regramento específico, sobretudo no que pertine ao acréscimo na remuneração e à duração da hora de trabalho, conforme contido no artigo 73 da CLT, que estabelece:
“Art. 73. Salvo nos casos de revezamento semanal ou quinzenal, o trabalho noturno terá remuneração superior a do diurno e, para esse efeito, sua remuneração terá um acréscimo de 20 % (vinte por cento), pelo menos, sobre a hora diurna.
§ 1º A hora do trabalho noturno será computada como de 52 minutos e 30 segundos.
§ 2º Considera-se noturno, para os efeitos deste artigo, o trabalho executado entre as 22 horas de um dia e as 5 horas do dia seguinte.”
Destarte, as horas de trabalho prestadas pelos docentes no intervalo compreendido entre as 22h00 de um dia e as 5h00 do dia seguinte, além de serem computadas com duração menor que a hora regular, deverão ser remuneradas com acréscimo mínimo de 20% (vinte por cento) sobre o valor da hora regular, sem olvidar que, se forem configuradas, além de horas noturnas, como horas extraordinárias, deverão ainda ser remuneradas com o acréscimo previsto no inciso XVI do artigo 7º da Constituição Federal, acima transcrito.
Além das normas gerais relativas aos limites e à duração da jornada de trabalho, as condições relativas ao trabalho dos professores devem observar algumas regras específicas, devidamente contidas na Seção XII do Capítulo I do Título III da CLT, a qual, na regulamentação “Das Normas Especiais de Tutela do Trabalho” (Título III), trata “Das Disposições Especiais Sobre Duração e Condições de Trabalho (Capítulo I), estabelece algumas normas específicas a serem observadas nos contratos “Dos Professores” (Seção XII).
Nesta seção, a regra que deve ser destacada é aquela contida no artigo 318, segundo a qual o docente não poderá ministrar mais do que 4 (quatro) aulas consecutivas ou 6 (seis) alternadas por dia em um mesmo estabelecimento:
“Art. 318 - Num mesmo estabelecimento de ensino não poderá o professor dar, por dia, mais de 4 (quatro) aulas consecutivas, nem mais de 6 (seis), intercaladas.”
O descumprimento dessa limitação tem como consequência inafastável o pagamento de horas extraordinárias, sempre observada a majoração mínima prevista no prefalado inciso XVI do artigo 7º da Carta Magna.
Ainda em relação ao disposto no artigo 318 da CLT, é importante registrar que a limitação é específica, aplicando-se, portanto, exclusivamente à atividade de ministrar aulas, não incidindo sobre o exercício de outras atividades ligadas à docência (orientação de trabalhos, atendimento extraclasse, atuação em grupos de pesquisa ou iniciação científica, orientação de estágio, etc.), e nem sobre o desempenho de atividades administrativas.
Postas estas colocações, é necessário registrar que os docentes, por seu turno, possuem o dever legal e contratual de desempenhar de forma adequada suas obrigações, inclusive cumprindo os deveres de assiduidade e pontualidade.
Devem comparecer nos dias e horas especificados para a realização de suas atividades profissionais, porquanto, convém lembrar, o § 3º do artigo 47 da LDB, segundo o qual a frequência é obrigatória para alunos e docentes, salvo nos cursos ofertados na modalidade de educação à distância, nos seguintes termos:
“Art. 47. Na educação superior, o ano letivo regular, independente do ano civil, tem, no mínimo, duzentos dias de trabalho acadêmico efetivo, excluído o tempo reservado aos exames finais, quando houver.
.....
§ 3º É obrigatória a freqüência de alunos e professores, salvo nos programas de educação a distância.”
Além da inafastável obrigação de assiduidade e pontualidade, os docentes estão, ainda, obrigados a desempenhar, no tempo e modo devidos, as demais obrigações inerentes ao exercício profissional, tais como elaborar plano de ensino em harmonia com o Projeto Pedagógico de Curso – PPC – preencher corretamente o diário de classe, seja ele impresso ou eletrônico, entregar notas e relatórios dentro dos prazos estabelecidos no calendário acadêmico, manter atualizado seu Currículo Lattes e outras obrigações decorrentes do compromisso celebrado com seu empregador.
O descumprimento habitual e injustificado das obrigações contratuais constitui prática desidiosa, capaz de justificar a dispensa com justa causa do profissional, conforme claramente previsto na alínea “e” do artigo 482 da CLT:
“Art. 482 - Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:
.....
e) desídia no desempenho das respectivas funções;”.
Desse modo, se, por um lado, as normas legais vigentes, sobretudo a Constituição Federal e a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT – asseguram aos docentes condições dignas de trabalho, sobretudo, como visto acima, no que pertine à duração da atividade laboral diária e semanal e ao intervalo de descanso entre as jornadas diárias, por outro, deixam evidente que a contrapartida é plenamente exigível por parte dos empregadores, especialmente em relação à exigência de pleno cumprimento das obrigações contratualmente assumidas pelos professores.
Por fim, cumpre registrar que este pequeno artigo não tem a pretensão de esgotar o tema, servindo, precipuamente, para despertar a atenção de todos para a necessidade de aprofundamento do conhecimento sobre a questão legal relativa aos contratos de trabalho dos docentes, bem como para alertar para a necessidade de conhecimento adequado, não apenas da legislação de aplicação geral, mas, também, das normas locais e específicas regulamentadoras das relações de trabalho entre empregadores e docentes, como forma de harmonizar estas relações, bem como de prevenir litígios e a formação de passivo de natureza trabalhista.
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Qualquer crítica, dúvida ou correções, por favor, entre em contato com a Coluna Educação Superior Comentada, por Gustavo Fagundes, que também está à disposição para sugestão de temas a serem tratados nas próximas edições.