A MODIFICAÇÃO NO PROCEDIMENTO PARA AUTORIZAÇÃO DOS CURSOS DE MEDICINA
Buscando conhecer um pouco melhor a nossa histórica constitucional, percebemos que a terceira Constituição da República, de 1937, marca uma nova fase da “era Vargas”, desta feita sob um regime de cunho notadamente fascista, daí sua vocação absolutamente centralizadora.
Seguindo o exemplo fincado pela Constituição 1934, que foi a primeira Carta Magna a trazer um capítulo inteiramente dedicado à educação, a Lei Maior de 1937 também o fez.
No capítulo “DA EDUCAÇAO E DA CULTURA” a livre iniciativa é reconhecida para atuar na arte, ciência e no ensino, “livres à iniciativa individual e a de associações ou pessoas coletivas públicas e particulares”, sendo dever do Estado contribuir, direta e indiretamente, para o estímulo e desenvolvimento de umas e de outro, favorecendo ou fundando instituições artísticas, científicas e de ensino.
Cumpre ressaltar que, desde aquela remota ocasião, a livre iniciativa na oferta da educação é princípio assegurado em todas as Constituições promulgadas em nosso País, sendo, portanto, absolutamente inequívoca a premissa de que se trata de questão mais do que sedimentada.
Pode-se concluir, assim, que a intenção do legislador constitucional, desde a Constituição Federal de 1937, sem quaisquer alterações significativas na norma constitucional que prevê ser o ensino “livre à iniciativa privada”, desde, é claro, que observados os ditames legais pertinentes.
Destarte, se é imprescindível a atuação do MEC na fiscalização e na regulação do ensino superior no sistema federal de ensino, não menos certa é a afirmação de que esta atividade jamais pode colidir com o princípio constitucional maior da livre iniciativa de atuação do setor privado na área do ensino, notadamente do ensino superior.
Ora, havendo previsão expressa de que o ensino é “livre à iniciativa privada”, força é admitir que não se trata a autorização de atuação das instituições privadas de nenhum favor do Estado, nem mesmo se tratando, ao contrário do que muitos entendem, de concessão ou permissão do Estado para a iniciativa privada.
Sendo o ensino livre à iniciativa privada, não há como ser entendida a atuação do setor privado nesta área sob a forma de concessão ou permissão do Poder Público.
Com efeito, neste sentido já decidiu de forma expressa o Egrégio Supremo Tribunal Federal, ao apreciar a ADIN nº. 1.007-7 – Pernambuco:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 1.007-7 PERNAMBUCO
RELATOR: MIN. EROS GRAU
REQUERENTE: CONFEDERACAO NACIONAL DOS ESTABELECIMENTOS DE ENSINO CONFENEN
ADVOGADO: LEUCIO LEMOS FILHO E OUTROS
REQUERIDO: GOVERNADOR DO ESTADO DE PERNAMBUCO
REQUERIDO: ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE PERNAMBUCO
EMENTA
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 10.989/93 DO ESTADO DE PERNAMBUCO. EDUCAÇÃO: SERVIÇO PÚBLICO NÃO PRIVATIVO. MENSALIDADES ESCOLARES. FIXAÇÃO DA DATA DE VENCIMENTO. MATÉRIA DE DIREITO CONTRATUAL. VÍCIO DE INICIATIVA.
1. Os serviços de educação, seja os prestados pelo Estado, seja os prestados por particulares, configuram serviço público não privativo, podendo ser desenvolvidos pelo setor privado independentemente de concessão, permissão ou autorização.
2. Nos termos do artigo 22, inciso I, da Constituição do Brasil, compete à União legislar sobre direito civil.
3. Pedido de declaração de inconstitucionalidade julgado procedente.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, julgar procedente a ação e declarar a inconstitucionalidade da Lei n. 10.989, de 07 de dezembro de 1993, do Estado de Pernambuco, nos termos do voto do relator.”
Todavia, agindo em sentido diametralmente oposto, a Medida Provisória nº 621/2013 deu, por enquanto apenas para as autorizações de funcionamento para os cursos de Medicina, nítida formatação de concessão ou permissão, condicionando a obtenção da autorização ao prévio chamamento público.
Dessa forma, a obtenção de autorização para oferta de novos cursos de Medicina estará condicionada, essencialmente, à pré-seleção de Municípios onde haja relevância e necessidade social para abertura deste tipo de curso, nos termos regulamentados pela Portaria Normativa nº 13/2013.
O indisfarçável caráter de concessão ou permissão fica ainda mais nítido quando a referida Medida Provisória estabelece que serão publicados editais de seleção de propostas para obtenção de autorização de funcionamento de curso de Medicina, tornando, na prática, absolutamente sem efeito a figura da livre iniciativa, porquanto a oferta será guiada, exclusivamente, pela volição do poder público, sem levar em conta o planejamento estratégico das instituições de ensino superior privadas.
A modificação pretendida no procedimento para autorização de funcionamento de novos cursos de Medicina, portanto, vulnera de forma clara o princípio constitucional da livre iniciativa na educação, consagrado, como já apontado, desde a Constituição Federal de 1937, à medida que condiciona a obtenção do ato autorizativo à resposta a editais de chamamento orientados, exclusivamente, pelo interesse do Poder Público.
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