Educação Superior Comentada | A contradição na busca pela fixação do marco regulatório na educação

Ano 1 • Nº 34 • De 22 a 28 de outubro de 2013

A Coluna do Gustavo desta semana analisa a contradição na busca pela fixação do marco regulatório na educação

28/10/2013 | Por: Gustavo Fagundes | 2306

A CONTRADIÇÃO NA BUSCA PELA FIXAÇÃO DO MARCO REGULATÓRIO NA EDUCAÇÃO

Desde meados da década passada o discurso dos dirigentes públicos aponta para a necessidade da fixação de um marco regulatório na educação, especialmente para impor testilhas à atuação do segmento privado nesta seara.

Repetem à exaustão esse mantra, como se a mera fixação de normas legais fosse garantia de regularidade formal e material na atuação dos participantes dos sistemas de ensino.

Esquecem, contudo, que o primeiro e principal destinatário de qualquer norma legal são os agentes públicos, os quais, por força do princípio constitucional da legalidade, tem (ou, pelo menos, deveriam ter) sua atuação inafastavelmente condicionada ao atendimento da legislação vigente.

E, convenhamos, cumprimento escorreito das normas legais é produto reconhecidamente em falta no andamento das atividades de regulação, supervisão e avaliação da educação superior...

Exemplos deste desapego ao princípio da legalidade são tão abundantes que tenho a mais absoluta convicção que qualquer um dos cinco leitores assíduos desta coluna tem, pelo menos, um caso para corroborar esta situação.

Mas, para não correr o risco de ser acusado de lançar informações incorretas, vou apresentar alguns exemplos concretos de descumprimento de normas legais.

O primeiro exemplo é clássico, presente diuturnamente na vida de todos que atuam junto ao sistema federal de ensino. Evidentemente, estou falando do reiterado descumprimento de prazos legais!

Gostaria de lembrar que está em vigor, desde 1999, a Lei nº 9.784/99, que regulamenta o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal e, entre diversos dispositivos que devem ser do pleno conhecimento de todos os administrados, estipula prazos para a prática de atos no curso dos processos administrativos.

Segundo a referida norma legal, os atos chamados ordinatórios, que são aqueles destinados ao andamento do processo, devem ser praticados em 5 dias, podendo ser justificadamente prorrogado até o dobro (artigo 24), ao passo que os atos decisórios, ou seja, aqueles que decidem acerca do mérito do objeto do processo, devem ser praticados no prazo de 30 dias, podendo, também justificadamente, ser prorrogado por igual período (artigo 49).

Não há dúvida, acredito, acerca do costumeiro desatendimento aos prazos legalmente impostos à Administração para a prática dos atos ordinatórios e decisórios nos processos administrativos inerentes ao exercício das atividades de regulação, supervisão e avaliação no âmbito do sistema federal de ensino.

Melhor sorte não assiste à Lei nº 10.861/2004, que instituiu o SINAES – Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior, porquanto seus dispositivos também são desprezados rotineiramente pelos dirigentes públicos.

A utilização indiscriminada dos indicadores de qualidade – CPC e IGC – com o desprezo pelos demais procedimentos avaliativos configura nítido desatendimento ao artigo 2º da referida lei, cujo teor é conveniente lembrar:

 

Art. 2o O SINAES, ao promover a avaliação de instituições, de cursos e de desempenho dos estudantes, deverá assegurar:

I – avaliação institucional, interna e externa, contemplando a análise global e integrada das dimensões, estruturas, relações, compromisso social, atividades, finalidades e responsabilidades sociais das instituições de educação superior e de seus cursos;

II – o caráter público de todos os procedimentos, dados e resultados dos processos avaliativos;

III – o respeito à identidade e à diversidade de instituições e de cursos;

IV – a participação do corpo discente, docente e técnico-administrativo das instituições de educação superior, e da sociedade civil, por meio de suas representações.”

Mais uma vez, salta aos olhos o manifesto desatendimento às normas legais vigentes por parte dos dirigentes públicos, que preferem acomodar-se ao uso indiscriminado e descabido de indicadores de qualidade, quando deveriam assegurar, como primeiros destinatários da Lei do SINAES, a efetiva implantação do eficiente sistema avaliativo nela previsto...

Encerrando a apresentação de exemplos mais flagrantes de descumprimento das normas legais por parte dos agentes públicos, cabe mencionar o reiterado desprezo pelo disposto no artigo 61, § 2º, do Decreto nº 5.773/2006, segundo o qual as medidas cautelares restritivas somente podem ser aplicadas na vigência de protocolo de compromisso, jamais como etapa prévia ou concomitante à sua celebração:

 

“Art. 61.  O protocolo de compromisso deverá conter:

 

..... 

§ 2o  Na vigência de protocolo de compromisso, poderá ser aplicada a medida prevista no art. 11, § 3o, motivadamente, desde que, no caso específico, a medida de cautela se revele necessária para evitar prejuízo aos alunos.” 

 

Também não parece restar dúvida acerca do contumaz desatendimento ao comando contido no dispositivo legal acima transcrito....

Em suma, a intenção deste artigo é demonstrar o descabimento do discurso repetido ad nauseam pelos dirigentes públicos no sentido de ser impositiva a fixação de um marco regulatório para a educação superior, porquanto, se tentasse elencar todos os exemplos de descumprimento de normas legais por agentes públicos no âmbito do sistema federal de ensino, teria que escrever um verdadeiro compêndio de ilegalidades!

Primeiro, por já existir um complexo e extenso marco regulatório para a educação superior.

Segundo, por ser evidente que os próprios agentes públicos, encarregados da execução do marco regulatório, além de primeiros e principais destinatários de seus comandos, são, também, os primeiros a atropelar o regramento vigente e pautar sua atuação por suas crenças pessoais, em flagrante desatendimento aos princípios da legalidade e da impessoalidade, pedras angulares na condução das atividades inerentes à Administração Pública.

A luta de todos que atuam na área da educação deveria ser pelo efetivo cumprimento do vasto marco regulatório existente, impondo, pelos meios legais postos à disposição, o atendimento às normas vigentes, a começar, aproveitando a oportunidade, pelo saneamento do desrespeito aos dispositivos legais mencionados neste artigo.

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Qualquer crítica, dúvida ou correções, por favor, entre em contato com a Coluna Educação Superior Comentada, por Gustavo Fagundes, que também está à disposição para sugestão de temas a serem tratados nas próximas edições.