DESRESPEITO A PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS NO SISTEMA FEDERAL DE ENSINO
Desde os tempos dos bancos da faculdade, ainda nos primeiros diálogos sobre o tema constitucional, ficava evidente a importância incomensurável dos princípios constitucionais para a construção efetiva de um Estado Democrático de Direito, no qual esses princípios deveriam, entre outras coisas, servir para resguardar o administrado da voracidade e da excessiva ingerência do Estado na vida dos cidadãos.
Sempre imaginei, talvez por um idealismo republicano e democrático, que os gestores públicos, lastreados em dispendiosos e aparelhados sistemas de serviço público, com servidores concursados, selecionados em rigorosos certames e supostamente versados, minimamente, nos conhecimentos legais pertinentes, que os princípios fundamentais traçados pela Constituição Federal eram efetivamente observados na regulamentação, supervisão e avaliação da educação superior, bem como no trato cotidiano da coisa pública.
Ledo engano!
A máquina pública, especialmente no que diz respeito ao sistema federal de ensino, está recheada de servidores que simplesmente desconhecem, ou fingem desconhecer, princípios constitucionais fundamentais.
E justifico minha afirmação, entendendo que o problema mais grave enfrentado por todos que precisam enfrentar a sufocante burocracia do MEC é, na verdade, uma questão de princípios.
Aliás, uma questão de desconhecimento e de recusa de aplicação dos princípios constitucionais fundamentais no exercício das atividades de regulação, supervisão e avaliação, especialmente no campo da educação superior.
A situação fica absolutamente clara ao iniciarmos, mesmo que sem qualquer rigor científico, uma simples leitura do texto constitucional, porquanto, logo no primeiro artigo da Constituição Federal, encontramos a previsão de que nosso País é uma república federativa, constituída em estado democrático de direito, cuja existência é fundamentada, entre outros, nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, conforme disposto no inciso IV do artigo 1º de nossa Carta Magna:
“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;”.
(grifamos).
Entendendo, pois, que os fundamentos primordiais dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa são o alicerce imprescindível para a construção de uma sociedade justa, desenvolvida e economicamente robusta, o legislador constitucional fez questão de mencionar que a ordem econômica é lastreada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, homenageando, em seu artigo 170, os princípios basilares da propriedade privada e da livre concorrência, assegurando, ainda, o direito de todos ao livre exercício de qualquer atividade econômica:
“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I - soberania nacional;
II - propriedade privada;
III - função social da propriedade;
IV - livre concorrência;
.....
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.”
(grifamos).
Reconhecendo, por outro lado, que a capacidade de atuação do Estado é nitidamente finita, ao passo que as exigências do desenvolvimento sustentável e dinâmico trazem imposições crescentes e de toda ordem, o legislador constitucional, sabiamente, limitou a atuação direta do setor público às áreas relacionadas à segurança nacional e aos casos de relevante interesse coletivo, estabelecendo a obrigação das normas legais de promover a repressão ao abuso do poder econômico, sobretudo quando vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros, nos termos do artigo 173, § 4º, de nossa Carta Magna:
“Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.
§ 4º - A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.”
(grifos nossos).
Estipular regras que impeçam a livre concorrência e, assim, criar toda sorte de empecilhos à atuação da livre iniciativa na educação, equivale nitidamente a desconsiderar os fundamentos constitucionais acima elencados e os princípios constitucionais relativos à ordem econômica e social.
Com efeito, no que pertine à educação, convém registrar que a liberdade para transmissão do conhecimento, assim como a coexistência entre instituições públicas e privadas são princípios constitucionais que devem orientar a oferta do ensino no Brasil, como claramente estipulado no artigo 206 da Carta Magna:
“Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;
III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;”.
(grifamos).
Convém lembrar que não existem dois Ministérios da Educação, um para a educação pública e outro para a educação privada, embora a conduta dos gestores à frente da referida pasta nos últimos dez anos tenha privilegiado em demasia o segmento da educação pública, na mesma medida em que busca, indevidamente, criar toda sorte de empecilhos para a atuação da educação privada.
Não é demais lembrar, por fim, que o artigo 209 da Constituição Federal de 1988 estabelece claramente que o ensino é livre à iniciativa privada, princípio este que deve ser interpretado em harmonia com os fundamentos basilares dos valores do trabalho e da livre iniciativa, sendo certo que os requisitos constitucionais para a atuação das pessoas jurídicas de direito privado estão clara e expressamente delimitados nos incisos I e II do referido artigo, que rezam:
“Art. 209. O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições:
I - cumprimento das normas gerais da educação nacional;
II - autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público.
” (grifamos).
Destarte, a dualidade na conduta do Ministério da Educação, abrandando as regras de forma sub-reptícia para as instituições públicas, ao mesmo tempo em que impõe testilhas de toda ordem às instituições privadas, muitas delas injustas e mesmo ilegais, demonstra um claro desatendimento aos princípios constitucionais acima apresentados, evidenciando o flagrante desconhecimento dos gestores públicos do texto da Constituição Federal, ou, o que seria mais grave, o deliberado desprezo pela Lei Maior.
Estabelecer restrições de outra ordem ao exercício da livre iniciativa na mantença de instituições superior implica em colocar por terra fundamentos e princípios expressamente insculpidos na Constituição Federal de 1988, vulnerando flagrantemente os fundamentos da República Federativa do Brasil e os princípios norteadores da ordem econômica e social, assim como da educação.
Infelizmente, os problemas de princípios na gestão do Ministério da Educação não terminam por aí, porquanto diversos outros princípios constitucionais e informadores da condução das atividades da Administração Pública vem sendo rotineiramente desprezados pelos gestores do Ministério da Educação, mas o espaço destinado a esta coluna semanal é restrito, de modo que deixarei a continuidade do debate para outra ocasião!
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Qualquer crítica, dúvida ou correções, por favor, entre em contato com a Coluna Educação Superior Comentada, por Gustavo Fagundes, que também está à disposição para sugestão de temas a serem tratados nas próximas edições.