MAIS DESRESPEITO A PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS NO SISTEMA FEDERAL DE ENSINO
Continuando nossa excursão pelo texto constitucional, e pedindo vênia para retornar aos artigos iniciais, encontramos um dos mais belos e, infelizmente, desprezados, artigos da Constituição Federal de 1988, o artigo 5º, corolário do Estado Democrático de Direito, na condição de norma constitucional definidora dos direitos e garantias fundamentais.
Esses direitos e garantias fundamentais são insuscetíveis de modificação ou restrição pelo legislador ordinário, ao mesmo tempo em que independem de qualquer regulamentação para que sejam dotados de eficácia plena, sendo, por isso, denominados de cláusulas pétreas, servindo, justamente, para resguardar o administrado da voracidade e do agigantamento do Estado, como bem lançado em seu caput:
“Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes;”.
Adiante, em seus mais de cinquenta incisos, o artigo 5º desfila um elenco de direitos e garantias fundamentais, que compõem o arcabouço principiológico do estado democrático de direito sobre o qual deve ser fundada nossa república federativa.
Lamentavelmente, percorrer esses incisos nos aponta para o rotineiro descumprimento de outros princípios fundamentais na condução dos processos relativos à regulação, supervisão e avaliação da educação superior.
Essa conclusão é justamente o tema desse pequeno texto, ou seja, o problema dos gestores do Ministério da Educação nesses últimos dez anos é o desconhecimento ou, ainda mais grave, o deliberado descumprimento de princípios constitucionais fundamentais, como pretendo continuar demonstrando adiante.
Logo no inciso II do prefalado artigo 5º, surge um princípio que é rotineiramente desrespeitado pelo Ministério da Educação, o princípio da legalidade, segundo o qual “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, aqui entendida a expressão “lei” como o ato normativo surgido do processo legislativo constitucionalmente estipulado.
Exemplos cotidianos de portarias e mesmo notas técnicas, algumas até apócrifas e sem data, são a materialização do descumprimento do princípio da legalidade, porquanto atos normativos secundários e terciários não podem ter o condão de impor ao administrado obrigações não previstas em lei, como ocorre, por exemplo, na exigência de constituição do Núcleo Docente Estruturante – NDE.
O inciso XXXIV do mesmo artigo 5º assegura a todos o “direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder”, sendo certo que a imposição de adoção exclusiva do sistema e-MEC para a tramitação de todos os pedidos e atos relativos à vida das instituições de ensino superior e de seus cursos, quando é público e notório que algumas das funcionalidades do sistema, mais de quatro anos depois de sua regulamentação, ainda não se encontram ativas, é um empecilho inaceitável à normalidade e regularidade da vida das instituições de ensino superior.
Impositivo registrar que, em contrapartida ao direito de petição, assegurado constitucional ao administrado, surge, para o agente público, a obrigatoriedade de responder ao requerimento formulado pelo administrado, de modo que, ao direito de petição do cidadão, corresponde, necessariamente, o dever de decidir do servidor público.
O princípio da irretroatividade das normas, consagrado no inciso XXXVI do referido artigo, segundo o qual “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada” também vem recebendo violações rotineiras, facilmente identificadas na edição de normas regulamentadores com efeito retroativo absolutamente indevido, criando novas exigências para processos já em andamento, entre outras arbitrariedades conhecidas.
Outro princípio que usualmente é deixado de lado, sobretudo na condução das atividades de supervisão, é o princípio do devido processo legal, com a garantia do contraditório e da ampla defesa, insculpido de forma clara nos incisos LIV e LV do prefalado artigo 5º, nos seguintes termos:
“LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;”.
A imposição de sanções, ainda que mascaradas sob a forma de medidas cautelares de redução de vagas, quando impostas fora do rígido espartilho traçado pela LDB, pelo Decreto nº 5.773/2006 e pela Portaria Normativa nº 40/2007, configuram nítida violação ao princípio fundamental do contraditório e da ampla defesa.
O princípio da publicidade dos atos processuais, a qual, segundo dispõe o inciso LX do artigo 5º da Constituição Federal, somente poderá receber restrição por força de lei e, mesmo assim, nas hipóteses em que “a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”, também costuma habitualmente ignorado pelo MEC e pelos demais órgãos do sistema federal de ensino, sobretudo nas reuniões fechadas realizadas no âmbito da CAPES, da CTAA e da própria CONAES.
A Emenda Constitucional nº 45, de 2004, preocupada com a duração excessiva dos processos judiciais e administrativos, tratou de garantir que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”, princípio este que, sabidamente, não recebe a menor obediência por parte dos gestores do MEC, sendo suficiente para comprovar esta afirmação a constatação de que, em pleno ano de 2012, ainda existem, sem solução, processos relativos ao primeiro ciclo avaliativo (2007-2009).
Ora, o Supremo Tribunal Federal já decidiu, reiteradas vezes, que a procrastinação do andamento dos processos, quando não derivada de conduta imputável exclusivamente ao administrado, é uma situação absolutamente anômala e teratológica, que compromete a efetividade do processo e que demonstra o desprezo dos gestores públicos pelos direitos do cidadão.
Injustificável, ainda sob o prisma da celeridade processual, a morosidade com que se arrastam os processos de supervisão, penalizando as instituições com a perenidade de medidas cautelares, como que conservadas em formol enquanto os interessados tentam, sem qualquer sucesso, dar andamento aos processos e conseguir a reavaliação necessária para a retomada de sua vida institucional e de seus cursos superiores.
Podemos, assim, concluir que, apenas tratando do artigo 5º da Constituição Federal, o elenco de princípios fundamentais ignorados e descumpridos pelo Ministério da Educação na condução dos processos relativos à regulação, supervisão e avaliação da educação superior é longo e preocupante, porquanto demonstra, claramente, a vulneração dos sustentáculos do estado democrático de direito, sem o que fica escancarada a possibilidade de condutas arbitrárias e de desmandos na condução das atividades da Administração Pública, sobretudo se mantida a passividade dos administrados, complacentes com a violação diuturna de seus direitos constitucionalmente assegurados.
Infelizmente, o descaso e a falta de compromisso dos gestores públicos não cessam por aí, porquanto diversos princípios orientadores da condução das atividades da Administração Pública também costumam ser deixados de lado.
Com efeito, o artigo 37 da Constituição Federal estabelece os princípios norteadores da atuação da administração pública, nos seguintes termos:
“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, e também, ao seguinte:”.
(grifamos).Esses princípios também estão sendo rotineiramente deixados de lado pelos gestores do Ministério da Educação, de forma intencional, ou por desconhecimento, sendo decerto inaceitáveis quaisquer das justificativas para o descumprimento de princípios constitucionais.
Sob o prisma da atuação da administração pública, o princípio da legalidade tem conotação diversa daquela traçada no inciso II do artigo 5º da Constituição Federal, significando, nesse caso, que a vontade do agente público é puramente aquela emanada da norma legal em vigor, sendo a lei a fonte primeira e fundamental de orientação de sua atuação.
Ora, a simples constatação, lançada nos parágrafos superiores, de que diversos princípios constitucionais fundamentais são rotineiramente descumpridos pelos gestores públicos que atuam na condução das atividades de supervisão, regulação e avaliação do ensino superior, já é mostra sobejante do desatendimento ao princípio da legalidade, insculpido, como apontado acima, no caput do artigo 37 da Carta Magna.
Outro princípio que demanda uma atenção mais efetiva é a questão da impessoalidade, segundo a qual a identidade do administrado não pode ter qualquer influência na condução das atividades da administração pública, seja para favorecer, seja para embaraçar o andamento dos processos administrativos.
Sobre o princípio da publicidade, vulnerado de forma sistemática por órgãos componentes do sistema federal de ensino, vale registrar que o tema já foi anteriormente tratado nesse texto, sendo, portanto, desnecessário voltar a ele.
Extremamente grave, atualmente, é o desrespeito ao princípio da eficiência, segundo o qual é dever da administração pública entregar ao cidadão o melhor serviço público possível, com o menor gasto de tempo, de pessoal e de recursos.
Praticamente todas as áreas dentro do MEC possuem exemplos rotineiros e lamentáveis de violação ao princípio da eficiência, desperdiçando os recursos que, gerados com nossos impostos, são destinados ao pagamento da remuneração de agentes públicos que não estão atuando adequadamente para garantir a eficiência na condução das atividades do MEC.
Podemos elencar uma série de atividades nas quais a eficiência está longe de ser uma realidade, merecendo destaque, negativo, decerto, a gestão do sistema e-MEC, que vem se mostrando, habitualmente, um sistema ineficiente e mal gerido, incapaz de processar adequadamente os dados lançados pelos usuários, gerando problemas de toda ordem para as instituições de ensino superior.
Dados corrompidos ou desaparecidos, informações adulteradas ou incompletas, mesmo quando corretamente inseridas pelos procuradores institucionais, são realidades cotidianas com as quais esses profissionais necessitam lidar, às quais se somam as dificuldades hercúleas para obtenção da correção dos dados perdidos, corrompidos e alterados, pois os erros constantes do e-MEC não são solucionados de forma eficiente pelos agentes responsáveis.
Também sofrem com o descaso e a ineficiência dos gestores do MEC os cursos e instituições em processo de supervisão, geralmente atingidos pelas ilegítimas medidas cautelares de redução de vagas, pois a celeridade na tramitação desses processos é uma utopia longe de virar realidade.
Prazos descumpridos, processos estacionados nas mãos de burocratas despreparados e evidentemente desinteressados em desempenhar suas funções com um mínimo de eficiência e celeridade, são a triste e lamentável realidade vivenciada pelas instituições em processo de supervisão.
Conseguir fazer com que os processos andem para demonstrar o cumprimento das medidas saneadoras e obter a reavaliação necessária à retomada da normalidade de suas atividades é o grande sonho de todas as instituições que possuem processo de supervisão.
A realização desse sonho, contudo, esbarra no descumprimento de princípios constitucionais fundamentais, na falta de eficiência, de conhecimento e de compromisso dos gestores públicos com suas basilares obrigações na condução das atividades de regulação, supervisão e avaliação da educação superior.
Até quando seremos obrigados a conviver com esse padrão de gestores públicos, descompromissados, desqualificados e desinteressados?
Decerto, até o momento em que, como cidadãos, despertamos para o descabimento de nossa injustificada inércia e deixemos de esmolar pequenos favores do Ministério da Educação, passando para uma postura ativa e altiva de exigir o cumprimento dos princípios constitucionais assegurados pela Carta Magna de 1988!
É por isso que afirmo, sem medo de errar, que o grande problema na gestão do Ministério da Educação nos últimos dez anos é uma questão de princípios: de desobediência e desprezo aos mais basilares princípios constitucionais orientadores do Estado Democrático de Direito!
?
Qualquer crítica, dúvida ou correções, por favor, entre em contato com a Coluna Educação Superior Comentada, por Gustavo Fagundes, que também está à disposição para sugestão de temas a serem tratados nas próximas edições.