OBRIGATORIEDADE DE EDUCAÇÃO INCLUSIVA NAS INSTITUIÇÕES PARTICULARES DE ENSINO
A polêmica envolvendo a obrigatoriedade da educação inclusiva, ou do atendimento educacional especializado não é nova, da mesma forma como não é novidade a intenção do Ministério da Educação de transferir para as instituições privadas de ensino obrigações que legalmente lhe competem.
O que é, na prática, a obrigatoriedade da existência de atividades de nivelamento, senão a transferência da responsabilidade pela reconhecida falta de qualidade na educação fundamental e no ensino médio das escolas públicas?
A mesma situação é verificada quando falamos do atendimento educacional especializado ou, como mencionado pela equipe do INEP nos seminários de discussão e apresentação do novo instrumento de avaliação institucional externa, a plena inclusão educacional.
A rede pública de ensino, em todos os níveis, tem a obrigação legal de assegurar o atendimento educacional especializado, conforme expressamente disposto no inciso III do artigo 4º da Lei nº 9.394/1996 – LDB:
“Art. 4º O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de:
....
III - atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com necessidades especiais, preferencialmente na rede regular de ensino;”.
A LDB, portanto, impõe à rede pública de ensino a oferta de atendimento educacional especializado gratuito.
Considerando o princípio constitucional da legalidade, segundo o qual ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei, resta evidente a conclusão de que a obrigatoriedade de oferta do atendimento educacional exclusivo não pode ser transferida para as instituições particulares de ensino, como pretende fazer o Ministério da Educação, adotando a cômoda postura de esquivar-se de sua obrigação legal, simplesmente transferindo-a para os ombros da livre iniciativa.
Em 17 de novembro de 2011, com objetivo de tratar da questão da educação especial e do atendimento educacional especializado, foi editado o Decreto nº 7.611/2001, cujo artigo 1º claramente reitera ser dever do poder público este tipo de atendimento, preferencialmente na rede regular de ensino, nos seguintes termos:
“Art. 1º O dever do Estado com a educação das pessoas público-alvo da educação especial será efetivado de acordo com as seguintes diretrizes:
I - garantia de um sistema educacional inclusivo em todos os níveis, sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades;
...
IV - garantia de ensino fundamental gratuito e compulsório, asseguradas adaptações razoáveis de acordo com as necessidades individuais;
V - oferta de apoio necessário, no âmbito do sistema educacional geral, com vistas a facilitar sua efetiva educação;
...
VII - oferta de educação especial preferencialmente na rede regular de ensino; e
VIII - apoio técnico e financeiro pelo Poder Público às instituições privadas sem fins lucrativos, especializadas e com atuação exclusiva em educação especial.”
Além de ser obrigação do poder público assegurar a oferta do atendimento educacional especializado, ainda incumbe ao Estado prestar apoio técnico e financeiro às instituições privadas sem fins lucrativos, especializadas e com atuação exclusiva na educação especial!
Com efeito, as instituições privadas comunitárias, confessionais ou sem fins lucrativos que atuem na educação especial devem celebrar convênios com o Poder Público do ente federativo competente, de modo a poderem receber apoio técnico e financeiro dos sistemas públicos de ensino, como dispõe o artigo 5º do referido Decreto:
“Art. 5º A União prestará apoio técnico e financeiro aos sistemas públicos de ensino dos Estados, Municípios e Distrito Federal, e a instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos, com a finalidade de ampliar a oferta do atendimento educacional especializado aos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, matriculados na rede pública de ensino regular.
§ 1º As instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos de que trata o caput devem ter atuação na educação especial e serem conveniadas com o Poder Executivo do ente federativo competente.
Evidente, portanto, que não é legítima a pretensão do Ministério da Educação de transferir para as instituições privadas de educação a responsabilidade legal do poder público de promover a inclusão educacional, com a oferta de atendimento educacional especializado gratuito, nas instituições públicas de ensino em todos os níveis.
Recentemente, inclusive, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – TJSP, reconheceu expressamente ser obrigação da rede pública de ensino o recebimento de estudantes com necessidades educacionais especiais, conforme demonstra a decisão abaixo transcrita:
“PORTADORA DE NECESSIDADES ESPECIAIS - Síndrome de down. Matrícula recusada por instituição de ensino privada. Inocorrência de discriminação ou preconceito. Escola que alega não estar preparada para a necessária inclusão. Apenas a rede pública de ensino tem essa obrigação. Arts. 205 e 208, III, da CF. Danos morais indevidos. Ação improcedente. Recurso não provido.” (Acórdão registrado sob o nº 2013.0000595482, 10ª Câmara de Direito Público do TJSP, Rel. Desembargador Urbano Ruiz, j. 30.9.2013, negado provimento, votação unânime).
Fundamental, para deixar assente a correção da decisão ora transcrita, apresentar o trecho mais específico do voto proferido pelo Exmo. Sr. Desembargador Relator, no qual fica claramente demonstrada a inequívoca responsabilidade do poder público pela oferta do atendimento educacional especializado:
“Em sentido mais estrito, o art. 208, inciso III, da CF, esclarece que o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de atendimento educacional especializado aos portadores de deficiências, preferencialmente na rede pública de ensino, sendo certo que o parágrafo segundo deste mesmo dispositivo é expresso ao declarar que ‘o não atendimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente’.
Como se vê, a educação expressa direito público subjetivo do cidadão e dever do Estado, não podendo ser imputada à requerida responsabilidade direta pela adequação de seu quadro de funcionários e instalações para a aceitação da matrícula da criança.
Em que pese os esforços dispendidos pela autora, a simples recusa da matrícula da menor não implica discriminação tampouco é capaz de caracterizar o alegado dano moral. Não expôs a autora à situação vexatória, não ostentando discriminação ou preconceito. Destacou, com efeito, sua impossibilidade técnica para receber a aluna e lhe prestar o serviço adequado, já que patente a necessidade de capacitação específica de profissionais para a integração e acompanhamento educacional da criança.” (trecho do voto do Desembargador Urbano Ruiz, constante da íntegra do Acórdão acima identificado – grifos nossos).
Desse modo, entendemos que, embora seja tema polêmico e controverso, resta evidente que a obrigação de assegurar o atendimento educacional especializado é legalmente imposta ao poder público, como demonstram os dispositivos legais acima trazidos e, ainda, como claramente reconhecido pela decisão judicial ora apresentada.
?
Qualquer crítica, dúvida ou correções, por favor, entre em contato com a Coluna Educação Superior Comentada, por Gustavo Fagundes, que também está à disposição para sugestão de temas a serem tratados nas próximas edições.