Em debate na Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE), nesta quarta-feira (19), o serviço civil obrigatório para médicos despertou posições controversas na reunião, tanto dos palestrantes, quanto dos internautas que participaram pelos canais de interação do Senado. Presidida pelo senador Cristovam Buarque (PPS-DF), a audiência debateu o conteúdo do Projeto de Lei do Senado (PLS) 168/2012, de autoria do senador.
O projeto determina que o médico recém-formado em universidade pública ou privada com financiamento público terá que prestar, durante dois anos, serviços na especialidade médica que escolheu em municípios com menos de 30 mil habitantes ou em comunidades carentes de regiões metropolitanas.
Segundo Cristovam, é preciso reconhecer o sucesso do programa Mais Médicos, além de esclarecer o papel da universidade e de como ela pode melhorar não apenas na relação com os alunos, mas com a sociedade. O senador disse que as capitais brasileiras concentram 55% dos médicos do país, e as regiões Sul e Sudeste apresentam o dobro de médicos em relação aos habitantes do que no Norte e no Nordeste.
— Foi buscando melhorar a formação do médico e melhorar o atendimento médico à população que eu fiz esse projeto — disse o senador.
Conforme Cristovam, a audiência teve a participação de 4.500 internautas, em sua maioria, contrários ao projeto. Para o senador, o povo brasileiro não tem compromisso com o coletivo, mas com a corporação a que pertence, e também não se preocupa com o longo prazo.
— Talvez não seja ainda o tempo de o Brasil ter um projeto desse, mas eu vou continuar insistindo — disse.
Conselho Federal de Medicina
Para o diretor do Conselho Federal de Medicina (CFM), Lúcio Flávio Gonzaga Filho, o projeto perdeu sua razão de existir após o programa Mais Médicos ser implantado. Ele também se manifestou contrário ao projeto, porque a formação dos médicos seria alongada demasiadamente.
— Um urologista, por exemplo, além de 6 anos de faculdade, tem agora mais 1 ano ou 2 do programa criado pela Lei dos Mais Médicos. Mais 2 anos de cirurgia geral, mais 3 anos de urologia. Com a aprovação deste projeto de lei em questão, seriam mais 2 anos de serviço social obrigatório, perfazendo um total de 14 anos para a formação de um urologista. Tempo demasiado longo para a formação de um especialista para um país como o nosso, carente de profissionais especializados — afirmou Gonzaga.
Segundo o diretor, o CFM defende a carreira de Estado para profissionais de saúde para prestar assistência ao Sistema Único de Saúde (SUS), para melhorar a prestação dos serviços de saúde do país.
Outros países
De acordo com o consultor legislativo da Câmara dos Deputados Ricardo Chaves Rezende Martins, o maior entrave para a aprovação do projeto é o argumento de que ele contraria o princípio da gratuidade do ensino, previsto na Constituição. Ricardo trouxe a experiência de outros países que implementaram o serviço civil obrigatório e deu um panorama sobre projetos que tramitam na Câmara relacionados a esse tema.
Segundo ele, países como México, Colômbia, Venezuela, Costa Rica, Bolívia e Equador já têm o serviço civil obrigatório. Alguns para todas as profissões, outros apenas para profissionais de saúde e alguns até para estudantes do ensino médio. No entanto, o maior problema desses países está na operacionalização dessas previsões legais, devido à discrepância entre o número de postos profissionais abertos e o número de formandos.
No Brasil, Ricardo informou que há cinco propostas de emenda à Constituição (PECs) tramitando na Câmara e 24 projetos. Ele explicou que o principal argumento contrário às propostas é o princípio da gratuidade do ensino público, que não supõe a contraprestação por parte dos estudantes e o princípio da isonomia, que impede de obrigar apenas algumas profissões de prestarem o serviço civil.
— Em resumo, o debate tem dois polos. O polo favorável defende a competência do poder público em estabelecer normas no escopo da regulamentação, da fiscalização e do controle das ações e políticas de saúde no Brasil. O argumento contrário é a questão de que, para que esse serviço social pudesse ser previsto, teria que haver uma previsão constitucional — afirmou.
Mas, segundo Cristovam, não existe ensino gratuito no Brasil, pois o povo paga o custo de todo serviço público. O senador disse que um ponto a ser mudado no projeto poderia ser o de estender o serviço obrigatório a todas as profissões de saúde e dar a opção, para os que não quiserem prestar o serviço, de ressarcirem o custo de seus estudos no ensino superior.
Pós-graduação
Geraldo Adão Santos, do Conselho Nacional de Saúde, disse que o conselho tem uma proposta de que todos os profissionais de saúde do SUS prestem esse serviço civil obrigatório como uma pós-graduação, sendo remunerados e trabalhando em seus municípios ou estados de origem.
Para ele, o SUS precisa melhorar o acolhimento à população e o projeto é bem-vindo nesse sentido.
— Vamos completar esse SUS, que é o maior sistema do Brasil e talvez do mundo, com a garantia de um atendimento qualificado a todos os brasileiros. Esse é o nosso sonho. Essa é a nossa esperança. E acreditamos: é possível, se quisermos — disse.