Deputados e representantes de estudantes e de universidades criticaram a Medida Provisória (MP) 785/17, que modifica as regras do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). O receio deles é que a reformulação proposta pelo governo possa levar ao fim do programa que garante o acesso de jovens carentes ao ensino superior.
O assunto foi discutido nesta terça-feira (26) em audiência pública na Comissão de Educação, a pedido dos deputados Danilo Cabral (PSB-PE) e Pollyana Gama (PPS-SP).
Resumidamente, a MP prevê a adesão dos bancos, que passariam a receber o pagamento de parcelas, a constituição de um novo fundo garantidor e novos sistemas de tecnologia de informação para a seleção e o financiamento. O texto está em análise em uma comissão especial formada por deputados e senadores.
O deputado Danilo Cabral criticou principalmente a forma como estão sendo feitas as alterações, por meio de medida provisória. “Não dá para mudar a vida de milhões de jovens – 2,3 milhões de jovens que têm contrato com o Fies –, sem fazer um diálogo. A gente vê o governo persistir nesse equívoco, mandando por medida provisória todo um conjunto de reformulações”, reclamou. “No nosso entendimento, o que foi proposto aponta para um esvaziamento ou até um desmonte do Fies como política de acesso ao ensino superior”, disse ainda.
Sem sustentabilidade
O representante do Ministério da Fazenda Jossifram Soares explicou que hoje falta sustentabilidade ao programa, que padece com taxas de inadimplência de aproximadamente 46%. Ele lembrou que uma reforma promovida em 2010 flexibilizou regras, tornando o Fies mais vantajoso para os estudantes, mas com graves problemas de governança, em razão de uma baixa na taxa de juros e prazo maior de carência para o início do pagamento, além do fim da fiança.
Entre 2010 e 2015, continuou, o número de matriculas do Fies no ensino superior saltou de 4% para 30%. Foi 1,7 milhão a mais de alunos no Fies, contra um aumento de apenas 700 mil no ensino superior. “Em 2015, com aumento da oferta e flexibilização das condições, o programa entrou em uma situação complicada”, disse o representante do governo.
Ainda assim, Soares ressaltou que o objetivo do governo, ao reformular o Fies, é preservar o programa, por meio da ampliação das informações ao aluno, com pagamento vinculado à renda e diretamente a um banco, que repassará à instituição de ensino superior.
O coordenador-geral de Suporte Operacional ao Financiamento Estudantil do Ministério da Educação, Flávio Carlos Pereira, acrescentou que mais de três milhões de estudantes já foram atendidos pelo Fies desde sua criação, com financiamento de mais de R$ 70 bilhões. Apesar de considerar o Fies uma política democrática, ele observou que a interrupção no modelo levou à necessidade reformulação pelo Ministério da Fazenda.
Renegociação
O representante da Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep) Bruno Coimbra criticou o argumento da inadimplência como justificativa para a reformulação. “Quem é esse aluno que está inadimplente? Quantos contratos estão em amortização? Hoje 10% estariam em fase de amortização”, disse. O número, no entanto, foi apontado por Jossifram Soares como subestimado.
A vice-presidente da Associação Nacional das Universidades Particulares (Anup), Elizabeth Guedes, cobrou medidas para que os jovens possam financiar sua dívida. “Quanto custa a renegociação dos fazendeiros? Estamos fazendo. Estamos renegociando o crédito da agricultura. Quantas vezes vocês viram dizer que estamos renegociando os créditos do Fies? Nunca”, apontou.
A presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Marianna Dias, observou que o programa diz respeito essencialmente à vida dos estudantes, e que não se deve creditar a ele o rombo na economia brasileira. “Como se o Fies fosse tirar o Brasil do buraco, da crise econômica”, declarou.
Também para o deputado Aliel Machado (Rede-PR), relator de uma subcomissão sobre a inadimplência no Fies, o programa não pode ser tratado como gasto. “Ele é o passo para ligar as desigualdades com a possibilidade de futuro, e o governo inverte essa lógica.”
A MP
A MP 785/17 altera seis leis que tratam do Fies e promove uma transição para um novo modelo, tentando evitar descontinuidade e riscos fiscais e operacionais.
Reformulado, o Fies será dividido em três modalidades a partir de 2018. Na primeira, o Fies funcionará com um fundo garantidor com recursos da União e ofertará 100 mil vagas por ano, com juros zero para os estudantes que tiverem uma renda per capita mensal familiar de três salários mínimos. Nessa modalidade, o governo vai compartilhar o risco do financiamento com as universidades privadas, o que não ocorre atualmente.
Na segunda modalidade, o Fies terá como fonte de recursos fundos constitucionais regionais, para alunos com renda familiar per capita de até cinco salários mínimos, com juros baixos e risco de crédito dos bancos. Serão ofertadas 150 mil vagas em 2018 para as Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
Por fim, na terceira modalidade, o Fies terá como fontes de recursos o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e os fundos regionais de desenvolvimento das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, com juros baixos para estudantes com renda familiar per capita mensal de até cinco salários mínimos. O risco de crédito também será dos bancos. Serão ofertadas 60 mil vagas no próximo ano. Nessa modalidade, o MEC discute com o Ministério do Trabalho uma nova linha de financiamento que pode garantir 20 mil vagas adicionais em 2018.
Vagas
Elizabeth Guedes e o deputado Danilo Cabral consideram pouco as 100 mil vagas previstas na primeira modalidade. Segundo Flávio Pereira, o objetivo é chegar a mais de 300 mil vagas. Este ano, ele ressaltou, foram disponibilizadas 225 mil vagas. “A expectativa é que a gente tenha uma oferta maior de recursos. Se a gente considera 100 mil vagas da modalidade 1, elas vão custar R$ 5 bilhões”, informou.
Pereira destacou também que o programa não é o único instrumento de acesso ao ensino superior, coexistindo com o Sistema de Seleção Unificada (Sisu), que disponibiliza 200 mil vagas por ano em universidades públicas, e o Prouni, que concede até 250 mil bolsas por ano em instituições particulares.