Em uma articulação liderada pelo Ministério da Educação (MEC), o aumento da carga horária dos cursos superiores de licenciatura no Brasil foi adiado em um ano e só entrará em vigor a partir de julho de 2018 - estava previsto para este semestre.
A licenciatura é exigida por lei para formar professores para o ensino fundamental (5º ano ao 9º ano) e para o ensino médio, habilitando-os à docência nas mais diversas áreas (história, física, química, matemática, geografia, biologia etc).
Em 2015, o Conselho Nacional de Educação (CNE) havia aprovado a ampliação, de três para quatro anos, do tempo mínimo exigido para formação em todos os cursos superiores de licenciatura do país, aumentando a carga horária das atuais 2.800 horas para o mínimo de 3.200 horas. No final de julho, o ministro da educação, José Mendonça Filho, homologou parecer do CNE que formalizou o adiamento da entrada em vigor dessa ampliação de carga horária.
Esse atraso gerou críticas porque retarda o início de uma das principais ferramentas pensadas para aprimorar a formação docente, ponto considerado estratégico para a melhoria da qualidade da educação no país.
"Ficamos decepcionados com o Conselho Nacional de Educação. A gente quer ou não levar a formação de professores a sério?", questiona Rose Neubauer, conselheira estadual de educação de São Paulo e ex-secretária de educação do Estado nos anos 1990. "Dá a impressão de que o discurso é a favor, mas não se leva a sério a formação de professores. No dia em que esse país for sério mesmo, a gente precisaria ter um curso (de licenciatura) de 4 mil horas", diz.
Relator do parecer do adiamento no Conselho Nacional de Educação, o conselheiro Cesar Callegari revela que o adiamento só ocorreu após "um pedido veemente do MEC".
"Em março, recebemos (no CNE) a visita dos secretários de educação superior (Paulo Barone) e de educação básica (Rossieli Soares) do ministério para pedir que isso (o adiamento) acontecesse. Disseram que as instituições de ensino superior, tanto públicas como particulares, precisariam de mais tempo para aplicar essa resolução do conselho. O principal argumento foi de que, se fosse mantida a data prevista para a entrada em vigor, a resolução poderia ser desmoralizada, pois muitos não a cumpririam", relata o conselheiro.
O secretário de educação superior do MEC, Paulo Barone, teria afirmado aos conselheiros nacionais de educação que a "crise orçamentária" do ministério impedia contratações de professores para cumprir o aumento da carga horária nos cursos de licenciatura oferecidos pelas instituições federais (institutos e universidades). "Também recebemos no conselho documentos do mesmo teor de entidades representativas de universidade particulares", afirma Cesar Callegari.
Para Rose Neubauer, a pressão das instituições particulares, que respondem pela maior parte das matrículas nos cursos de licenciatura no país (62%), foi um fator decisivo para o adiamento. "Na hora de investir mais (no curso de licenciatura), começam a pesar outros interesses. Como o aluno vai ficar um ano a mais (para se formar), os cursos ficam mais caros", diz Neubauer.
Distorções
Apesar de justificar a ação do CNE, o próprio Callegari, entretanto, dá razão às críticas de Rose. "Eu fui um dos que se opuseram (ao adiamento), em princípio. Ela (Rose) tem razão de ficar chateada", diz.
Para o conselheiro, o adiamento pode gerar distorções no próximo período letivo, em especial no universo dos cursos de licenciatura oferecidos pelas instituições particulares: quem já se adaptou à norma vai oferecer um curso mais longo e eventualmente mais caro, em comparação com quem só vai pôr em prática o aumento da carga horária apenas no segundo semestre de 2018.
"Reconheço que a decisão, tomada a pedido do MEC, causa uma certa distorção. As instituições que já tomaram providências fazem um bem para o país, mas acabam tendo que suportar uma desvantagem concorrencial em relação àquelas que não colocaram esse custo na planilha", afirma Cesar Callegari.
O que diz o MEC
Em nota à coluna, o Ministério da Educação afirmou que a mudança do prazo para a entrada em vigor do aumento da carga horária dos cursos que formam professores "não ocorreu por questões orçamentárias".
Segundo o MEC, o adiamento foi motivado por um pedido das "universidades públicas e privadas", que solicitaram mais prazo para adaptações necessárias para pôr em prática o que diz a resolução do Conselho Nacional de Educação. Veja a íntegra da nota do MEC.
De acordo com os dados do Censo da Educação Superior divulgados neste mês, o Brasil tem 7.356 cursos de licenciaturas e cerca de 1,5 milhão de estudantes matriculados nesses cursos --os dados se referem a 2016.