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Desistências e desligamentos aumentam nas universidades brasileiras

14/11/2017 | Por: Estado de Minas | 3503
Túlio Santos/EM/DA Press Problemas de saúde e financeiros na família obrigaram Bruno Canuto a deixar a universidade, mas ele ainda se vê às voltas com as faturas acumuladas

Apesar dos avanços nos últimos anos, os números não deixam mentir. O acesso ao ensino superior no Brasil, bem como a permanência dos estudantes nas faculdades, ainda são desafio. Ano passado, 2,9 milhões de brasileiros entraram para a faculdade, o equivalente a 1,9% do total da população do país com idade superior a 18 anos – 154 milhões, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em meio a uma disponibilidade limitada de cadeiras, chama a atenção o volume de estudantes matriculados que deixam seus cursos para trás. Nos últimos cinco anos, a quantidade de vagas ociosas cresceu 36%. A cada 10 estudantes que se matricularam, cerca de três desistiram (27,6%). Em Minas Gerais, a proporção é de dois a cada 10 alunos, de acordo com dados do Censo da Educação Superior.

Entre 2012 e 2016, foram efetivadas 52.823.094 matrículas no país, das quais 14.575.418 foram deixadas de lado. Em Minas, foram 5.0254.881, das quais 1.119.866 se tornaram ociosas. A quantidade de vagas que foram dispensadas cresceu ano a ano em números absolutos, chegando a 3.392.025 no ano passado. Os motivos são os mais diversos: matrículas trancadas, desvinculadas, transferência para outro curso na mesma instituição e alunos que faleceram.

As matrículas desvinculadas respondem pela maior parte desse bolo. Elas dizem respeito a estudantes desistentes e desligados, ou seja, alunos que por iniciativa da instituição tiveram a vaga cancelada – por abandono, descumprimento de alguma condição ou desligamento voluntário (quando o aluno sai da faculdade, mas não formaliza o cancelamento). E, nesse cenário de abandono, o baque maior é nas instituições privadas.

Embora altos, os números permaneceram estáveis até 2013. Em 2014, houve aumento considerável de vagas ociosas (na casa de 400 mil) e, em 2015, explodiu, ultrapassando os 3 milhões. O período coincidiu com o fim do apogeu dos programas de sustentação do acesso e permanência no ensino superior e com o início de problemas envolvendo, principalmente, o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies).

ONDA DE PROBLEMAS No fim de 2014, ainda na gestão Dilma Rousseff (PT), instituições privadas ficaram sem receber o pagamento do governo federal, o que obrigou, no início do ano seguinte, faculdades e universidades a se mexerem para não entrar em colapso, por causa de mudanças no repasse do dinheiro devido pela União. Além dos problemas administrativos, milhões de alunos que dependiam do crédito passaram a ficar à mercê de uma onda de financiamentos incertos, contratos não renovados e, mais tarde, da limitação das vagas nos semestres seguintes devido a novas regras.

O reflexo, somado à crise econômica, foi a dificuldade para adesão e cumprimento dos critérios de acesso por parte dos alunos, segundo o diretor executivo da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), Sólon Caldas. “No que tange à permanência no ensino superior, as mudanças ocorridas também deixaram de permitir que o aluno com dificuldades financeiras pudesse recorrer ao financiamento, o que fez com que a evasão aumentasse e esses alunos ficassem de fora do sistema”, diz.

Ele lembra também os números do Censo segundo os quais houve queda também nas matrículas de novos ingressantes de 2014 para 2015 e mais ainda de 2015 para 2016. O freio no acesso ao ensino superior brasileiro, que vinha crescendo desde 2009, foi sentido pela primeira vez em 2015. A redução de ingressantes foi de 6,1%. Naquele ano, o país perdeu 190.626 novos alunos em relação ao ano anterior – a rede privada foi a mais afetada, com uma perda de 176.445 universitários. Nos cursos presenciais, as novas matrículas somaram 2.142.463 no ano passado. Em 2015, eram 2.225.663 (redução de 3,7%). “Em 2016, tivemos um crescimento negativo no ensino presencial em decorrência da falta de financiamento para os alunos que não têm condições de arcar com o investimento em educação”, afirma Sólon Caldas.

Segundo ele, para 2018, o cenário ainda é mais pessimista. “Ao aprovar a Medida Provisória 785/2017, no fim de outubro, a Câmara dos Deputados acabou de sepultar o programa de financiamento e o sonho de muitos brasileiros. A MP trouxe várias modificações que dificultam sobremaneira o acesso por parte dos alunos e a oferta de vagas no programa por parte das instituições de ensino superior.”

SONHO INTERROMPIDO O sonho de ter em mãos o diploma do curso superior foi interrompido quando o desempregado Bruno José de Oliveira Canuto, de 29 anos, estava no 6º período de administração do Centro Universitário de Belo Horizonte (UNI-BH), ano passado, quando perdeu uma irmã para o câncer. No período turbulento vivido pela família, ele se esqueceu de fazer o aditamento do Fies, a renovação semestral do contrato de financiamento que permite manter o benefício. “Ao procurar a faculdade, ela me virou as costas e me cobrou uma dívida de R$ 10 mil, a qual eu informei que não poderia pagar por receber apenas um salário mínimo. Perguntei sobre formas de pagamento, mas ela não me deu brecha para tentar voltar”, conta.

Agora, sem conseguir reativar o Fies e com o nome negativado pela instituição de ensino, ele vê os juros correndo, relativos à dívida do que já usou do financiamento, e aguarda uma oportunidade para negociar com a Caixa Econômica Federal. “Se a situação melhorar, pretendo voltar à faculdade ano que vem, mas em outra instituição e para outro curso: educação física. Vou ter que começar do zero e devendo o que não concluí”, relata. “Estou desempregado e faço bico de segunda a segunda à noite como entregador de sanduíche para ajudar minha mãe, que recebe pensão de R$ 900, e cuidar da filha de 12 anos que minha irmã deixou. A dívida vai correr, pois não vou tirar da minha família para pagar.”

Bruno ficou desmotivado, mas não pretende abandonar seus objetivos: “A graduação é meu sonho. Quero me formar e fazer aquilo que gosto, mas faculdade é para poucos. Se eu matar ou roubar tenho direito de fazer faculdade de graça na cadeia, como o Fernandinho Beira-Mar”. “A UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) é pública, mas para quem tem tempo e consegue estudar, não para quem precisa comer livro até as quatro da manhã para dar conta de um trabalho de faculdade. Capacidade de entrar todos temos, mas, nesses casos, a facilidade de entrar é muito menor.”

Novas faixas no Fies

Depois de aprovadas no Senado na quarta-feira passada, as mudanças no Fies agora dependem apenas da canetada do presidente Michel Temer. Entre as principais alterações estão as formas de pagamento da dívida e das taxas de juros do financiamento. O novo Fies vai gerar 310 mil vagas e será composto por três faixas. Na primeira, serão oferecidas 100 mil vagas a juro real zero para estudantes com renda familiar per capita mensal de até três salários mínimos. Os recursos deste financiamento serão provenientes da União. Já as modalidades dois e três estão destinadas a estudantes com renda per capita mensal de até cinco salários mínimos. Terão como fonte de financiamento recursos de fundos regionais no Nordeste, Centro-Oeste e Norte, no caso da modalidade dois, e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), na modalidade três. Pelas regras atuais, depois de formado, o estudante tem prazo de até 18 meses para começar a pagar as parcelas. As normas que entrarão em vigor no início do ano que vem acabam com o período de carência e exigem que o pagamento seja feito no primeiro mês depois da conclusão do curso. Agora, o estudante poderá consignar a dívida à folha de pagamento, caso esteja empregado.

Cadeiras vazias nas faculdades Brasil afora se tornam sinônimo de desperdício. De um lado, nas instituições públicas, representam milhões de estudantes que ficaram de fora do Sistema de Seleção Unificada (Sisu) e outros processos seletivos. De outro, nas particulares, um rombo em vagas de programas essenciais para a permanência de quem não tem condições de pagar mensalidade – as bolsas do Programa Universidade para Todos (Prouni) e o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies).

De acordo com o Ministério da Educação (MEC), a ocupação das bolsas na fase de inscrição dos candidatos chega a 100%. Mas, durante o processo que envolve o aluno e a instituição privada, o jogo vira por diversas razões, ainda segundo a pasta: alunos que passaram em alguma instituição pública, mudaram de cidade, divergência na comprovação documental, simples desistência, entre outros. Este ano, foram ofertadas 361.925 vagas e ocupadas 239.386. Ou seja, um terço delas se esvaiu. Para diminuir essa lacuna, o MEC anunciou mês passado, dentro da Política Nacional de Formação de Professores, a intenção de permitir a professores já graduados serem beneficiados com bolsas do Prouni para fazer novos cursos de licenciatura. As bolsas ofertadas seriam justamente as que não foram preenchidas do processo aberto aos alunos.

No Fies, segundo o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), gestor do programa, no primeiro semestre do ano passado foram 250 mil vagas ofertadas e preenchimento de pouco mais da metade (148.051) – 41% das vagas não foram preenchidas. Para diminuir o prejuízo, optou-se por abrir processos de vagas remanescentes. No primeiro deles, no segundo semestre, houve 75 mil vagas e 55.570 contratos firmados. O percentual de ociosidade foi reduzido para 26%. No primeiro semestre deste ano, foram 150 mil vagas ofertadas e 117.970 contratos firmados – 21,4% não foram ocupadas. O MEC informou que os números do segundo semestre ainda não estão concluídos, pois o processo de vagas remanescentes ainda está em andamento.

As vagas não preenchidas no Fies nas primeiras chamadas também são redistribuídas e podem ir para outros estados, por isso o ministério não divulga os números por estado. No Prouni, que tem dois processos seletivos durante o ano, também é previsto um cronograma para o processo de ocupação para as vagas remanescentes. As vagas não preenchidas não são ofertadas novamente no semestre seguinte.

O diretor executivo da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), Sólon Caldas, ressalta que, para driblar a crise, várias instituições de ensino superior fizeram parcerias com instituições financeiras privadas para subsidiar juros e tornar mais acessível o financiamento aos alunos. Também ofertaram credito próprio, onde o aluno pagava parte da mensalidade enquanto estudava e outra parte, sem juros, depois de formado. O problema, diz ele, é que essa medida não atinge todos os alunos que precisam de uma política de governo: “De um lado, não conseguem atender a todas as exigências dos bancos, e de outro, não conseguem arcar com parte da mensalidade enquanto estudam”.


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