Entidades e escolas de engenharia de todo o país participaram hoje (21) de uma audiência pública no Clube de Engenharia, no Centro do Rio de Janeiro, para discutir a proposta apresentada pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) sobre mudanças nas diretrizes curriculares nacionais para o curso de graduação em engenharia. O documento foi colocado em consulta pública no dia 24 de agosto, com prazo para apresentação de propostas até 17 de setembro.
Diante do tempo exíguo para contribuições, as comunidades acadêmica, científica, tecnológica e de inovação publicaram uma carta aberta no dia 19 de setembro expressando preocupação com a “aprovação apressada e pouco discutida publicamente das novas Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de graduação em Engenharia”. O documento foi assinado por 18 entidades, entre elas, 12 universidades ou faculdades de engenharia, sindicatos e entidades de classe.
A carta ressalta os impactos “acadêmicos, jurídicos, sociais e econômicos” da proposta e a supressão de conteúdos gerais e profissionais aprovados em 2002 por resolução do CNE, atualmente em vigor. “Desta maneira, se poderá aprovar um curso de engenharia sem disciplinas de matemática, física, química, economia e ciências do ambiente, porque a resolução proposta dará base legal para a argumentação dos interessados em não oferecer essas disciplinas em cursos de engenharia”.
As entidades destacam que a proposta muda a exigência para a docência, incluindo a possibilidade de “mestres, especialistas e profissionais não acadêmicos de notória competência” se tornarem professores, o que é caracterizado como uma “ingerência na autonomia acadêmica e administrativa das universidades”.
Audiência
Na manhã de hoje, diversos representantes criticaram a proposta. Entre os principais pontos estavam a falta de diálogo com conselhos regionais e federal sobre a mudança na formação e a possibilidade de que um currículo aberto “leve à formação de um engenheiro que não sabe fazer um prédio”.
Entre os argumentos favoráveis estava a diminuição da carga-horária. Segundo as entidades presentes ao evento, os cursos de engenharia no Brasil tem carga-horária superior ao de escolas mundialmente conhecidas como o Massachusetts Institute of Technology (MIT, uma das mais conceituadas escolas de engenharia do mundo), e os conteúdos costumam ser repetitivos. O Brasil registra ainda grande evasão nos cursos de engenharia provocada, principalmente, pela dificuldade com matérias como cálculo e física.
De acordo com o conselheiro da Academia Nacional de Engenharia (ANE) Paulo Alcântara Gomes, ex-reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a evasão nos cursos de engenharia chega a 40% em alguns casos. Para ele, é preciso melhorar a integração entre prática profissional e conhecimento básico dentro das faculdades.
“Soubemos da proposta em abril e fizemos as sugestões, solicitamos as reuniões. Tem uma ausência do estímulo à cultura da educação continuada, do empreendedorismo e da inovação na área de engenharia. Mas não vai resolver introduzindo a inovação como uma disciplina, mas sim incluindo inovação em todas elas. As diretrizes construídas em 2001 e 2002 nos atendem perfeitamente”.
Já o integrante do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Minas Gerais (CREA-MG) Bernardo Abraão disse que foi “surpreendido” com as novas diretrizes em julho e que a entidade não foi chamada para conversar sobre as mudanças. “Fizemos um documento com sugestões e nada foi modificado. Todos os argumentos favoráveis à proposta são fracos. Falar de evasão é nivelar por baixo e aceitar aluno não capacitado para o curso. Não houve acatamento de nenhuma sugestão. Já estava tudo fechado”.
Para ele, o argumento contido na proposta de que o país precisa de mais engenheiros é falacioso. “O Brasil não tem demanda para mais engenheiros. Há um desconhecimento sobre o que é engenharia. Em Minas Gerais nós estamos capacitando os prefeitos para aproveitar os engenheiros que já têm”, disse.
O presidente da Câmara de Ensino Superior do CNE, Antonio Freitas, relator da comissão que analisa a proposta, afirmou que a ideia é que cada escola tenha mais autonomia para formar seus profissionais de acordo com as necessidades do mercado de trabalho.
“Nós estamos discutindo as novas diretrizes curriculares de engenharia de forma a que cada escola possa ter o seu próprio tipo de egresso, gerando maior empregabilidade e ao mesmo tempo fazendo com que as empresas brasileiras tornem-se internacionalmente competitivas”, afirmou.
“Hoje os engenheiros são muito parecidos, assim sendo, os engenheiros das escolas como UFRJ [Universidade Federal do Rio de Janeiro], ITA [Instituto Tecnológico de Aeronáutica], IME [Instituto Militar de Engenharia] têm bons empregos. Os outros têm dificuldades. A ideia é que cada escola possa desenhar o seu próprio programa e se destacar na sua área, gerando empregabilidade e maior competitividade pelas empresas nacionais”, completou.
De acordo com ele, as novas diretrizes também pretendem aumentar a inovação e criação de produtos no Brasil. Para Freitas, os cursos não estão acostumados com a liberdade para montar o próprio programa, tendo que seguir um currículo mínimo, o que seria inconsistente.
“É importante que cada escola possa ter o seu próprio programa aonde você tem diretrizes: seria bom que você ensinasse cálculo, química, física. Agora, a quantidade de cálculo que você vai ensinar, depende do tipo de engenharia que você está formando. Por exemplo, um engenheiro de produção talvez precise de uma quantidade diferente de cálculo do que um engenheiro eletricista. Ou seja, as diretrizes não só da engenharia, mas de toda as áreas, oferece essa liberdade para que o corpo docente da escola monte o seu próprio programa”.
Freitas explicou que tudo o que for possível aproveitar da audiência será aproveitado, mas o processo não tem prazo definido. “Tem boas contribuições que vão ser aproveitadas. Vai fechar quando estiver pronto”.