A proposta de Emenda Constitucional (PEC) 45/2019, principal projeto de reforma tributária em discussão pelo Congresso, aumentaria o peso dos impostos sobre consumo de 106 dos 126 setores econômicos existentes (ou seja, 84%), segundo estudo do professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) e ex-secretário da Receita Federal Marcos Cintra, obtido com exclusividade pelo Valor.
Nos setores mais intensivos em mão de obra, o material mostra que o impacto será drástico, se não houver alguma medida de compensação. Por isso, Cintra defende a troca da contribuição patronal à Previdência por uma espécie de CPMF, ideia que foi um dos motivos de sua saída do cargo no Ministério da Economia, mas que ainda encontra, internamente, defesa em parte da equipe econômica e do próprio ministro Paulo Guedes.
No levantamento do ex-secretário, o impacto mais forte da PEC 45 - que tem o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), como principal articulador - seria no setor de serviços de vigilância e segurança privada. Neste caso, a carga tributária sobre o consumo será mais de duas vezes e meia a atual. Haveria também altas substanciais em educação privada (125,5%), saúde privada (75,6%), transportes de passageiros (de 35% a 37%), petróleo e gás (81,7%), serviços jurídicos (85,2%), produtos agropecuários e alimentos.
Por outro lado, 20 setores, ligados principalmente à indústria, terão redução, como os automóveis (queda de 27,1%), eletrodomésticos (13,2%), equipamentos de informática (17,3%) e perfumaria (14%). A maior diminuição, de 38%, é para o setor de bebidas (que, contudo, deverá pagar um imposto adicional sobre “externalidade negativas”, ainda indefinido).
Esses aumentos e reduções não seriam necessariamente aplicados direto para os consumidores, o que dependeria de cada setor, mas certamente influenciariam na formação dos preços. A conta também não engloba a carga tributária total de cada setor, apenas dos chamados impostos sobre consumo, que são o alvo da PEC 45 - ainda há contribuições previdenciárias sobre a folha de salários, IPTU, Imposto de Renda, entre outros.
Os impactos para cada segmento foram calculados por Cintra com base na Tabelas de Recursos e Usos (TRU) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que mostra as relações econômicas (compras e vendas de bens e serviços) entre eles, e consideram alíquota de 25% para o Imposto de Bens e Serviços (IBS), que unificaria PIS, Cofins, IPI (tributos federais), ICMS (estadual) e ISS (municipal).
Essa alíquota única foi estimada pelo economista Bernard Appy, autor da proposta que deu base à PEC 45, para manter o mesmo nível de arrecadação existente hoje. No governo, fala-se numa alíquota ainda maior, de 30%, enquanto recente estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) projeta taxação de 26,9%. Se isso ocorrer (o percentual só será definido em lei complementar), o impacto sobre cada setor seria ainda maior.
Para Cintra, essa divergência entre perdedores e ganhadores inviabilizará a aprovação da reforma, caso não haja compensação para as empresas em termos de redução da carga tributária. Os empresários do setor de serviços, principalmente, estão organizando protestos e campanhas publicitárias contra a PEC, mostrando os impactos nos preços.
“Não quero fazer terrorismo com esses números, quero salvar a PEC 45. E a solução para isso é diminuir a diferença entre os setores”, disse Cintra. “Historicamente os setores de serviços e agropecuário foram menos tributados com os impostos sobre o consumo, mas compensou-se porque eles têm carga maior na folha de salários.
Agora que está se corrigindo o desequilíbrio com o IBS, o modo de não elevar tanto a carga é desonerar a folha”, propôs.
A tese dele é de que é possível diminuir as brigas entre os setores se um Imposto sobre Movimentações Financeiras (IMF) de 0,33% fosse cobrado no crédito e no débito (0,66% no total) de todas as transações e usado para acabar com os 20% pagos pelas empresas sobre a folha de salários como contribuições ao INSS. Isoladamente, essa troca reduziria a carga para todos os setores em relação à PEC 45.
Com isso, segundo os cálculos de Cintra, o aumento na carga tributária dos serviços de vigilância e segurança provocado pela PEC 45 cairia de 161% para 19%. A educação privada, por exemplo, iria de um acréscimo de 125,5% para um de 17,9%. Para a indústria, no geral, os impactos são menos intensos, mas haveria beneficiados importantes, como calçados e produtos de couro, que iria de alta de 0,4% para recuo de 17,4%.
Mesmo assim, alguns segmentos ainda teriam elevação significativa da carga. A produção de laranjas e a gestão de propriedade intelectual (como patentes) teriam alta de 47%. Com o IBS isoladamente, os aumentos seriam de 91,8% e 144,7%, respectivamente.
A ideia de Cintra é que o sistema seja neutro do ponto de vista de arrecadação, sem perda nem ganhos para os governos federal, estaduais e municipais. Os setores empresariais não teriam acréscimo tão grande na carga tributária, mas toda a população e empresas, por meio do IMF, pagaria o custo da Previdência. A proposta de uma nova CPMF, contudo, já foi rejeitada pelo presidente Jair Bolsonaro e por parte da classe política, como Rodrigo Maia.