Lousa em branco (ou desligada), carteiras vazias, luzes apagadas. A ausência de estudantes nas salas, que poderia anunciar a chegada do fim de semana, passou a refletir, após o anúncio da pandemia, um cenário comum a muitas escolas do País. Para evitar a interrupção das atividades e garantir o cumprimento da carga horária mínima obrigatória, seja na escolinha de ensino infantil, seja nas universidades e escolas de negócios, o conteúdo agora chega por meio de aplicativos e plataformas. São soluções que permitem postagem de tarefas, chats, fórum de discussão, videoaulas ou mesmo aulas em tempo real e videoconferências.
Na Saint Paul Escola de Negócios, que tem unidades no Jardim Paulista e na Vila Olímpia, ambas em São Paulo e, em Fortaleza, as aulas presenciais foram suspensas no dia 13 de março. Para as aulas remotas, entrou em cena a plataforma digital LIT. “Para os nossos professores, essa adaptação foi bem mais fácil, porque não se iniciou com a pandemia e, sim, há cerca de quatro ou cinco anos”, destaca o sócio e reitor Adriano Mussa.
Diretor acadêmico e de pesquisas em Inteligência Artificial da Saint Paul, Mussa diz que o ensino digital permite que o aluno aprenda em qualquer tempo, lugar e modo. “Conseguimos passar o controle remoto para a mão dele, o que no presencial é muito difícil, porque quem dita o ritmo é o professor”, afirma. Quanto a possível inadimplência em razão de desemprego e queda de receita vinda dos alunos, Mussa diz que esse índice segue sem flutuações. “O mundo inteiro teme essa recessão mais pesada, mas educação é um setor um pouco mais resiliente.”
A Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES) destaca que suas 2,5 mil associadas, com 6,3 milhões de alunos, também passaram a oferecer turmas com atividades remotas. O objetivo é atender ao programa das disciplinas previstas para o curso presencial contratado pelo aluno. Para a entidade, aulas digitais não reduziram os gastos das instituições, que arcam também com a manutenção do quadro acadêmico. “Elas têm feito mais investimentos tecnológicos para dar conta deste momento atípico pelo qual passa o mundo com o coronavírus.”
O programa de Educação Executiva da Fundação Getulio Vargas (FGV), com cursos presenciais em Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo também passou por adaptações para manter as atividades. O que incluiu mais investimentos. A instituição diz adotar o que há de mais moderno em tecnologia para minimizar o distanciamento social, sem a perda da qualidade de ensino e também não registrou aumento significativo da inadimplência. Além disso, foram disponibilizados 55 cursos on-line e gratuitos a toda a população no período de quarentena.
O empresário Janguiê Diniz, presidente do Grupo Ser Educacional (200 mil alunos no total) e vice-presidente da ABMES, sugere aos donos de estabelecimentos educacionais que trabalhem para cortar custos e prorroguem pagamentos para manter o caixa e ter condições de se reerguer após a pandemia. O receio de queda de receita e de matriculados faz com que algumas instituições estudem modalidades de financiamentos para alunos que percam o emprego ou tenham redução de renda. É o caso do Grupo Cogna (Kroton, Platos, Saber e Vasta Educação/Somos Educação), que possui cerca de 800 mil alunos no ensino superior e 35 mil no básico.
Ambiente digital
O executivo Daniel Castanho, presidente do Conselho de Administração do Grupo Ânima, que tem no portfólio a Universidade São Judas (118 mil alunos e 8 mil professores), afirma que adoção da aprendizagem digital durante a quarentena deve acabar com a resistência ao Ensino a Distância (EAD), embora diferencie os dois modelos. Num, há teleconferências reunindo alunos um mesmo horário. No EAD, profissionais da educação e alunos estão em lugares e tempos diferentes. “Na noite do dia 19 de março, tivemos 1.279 turmas simultâneas, com as aulas ocorrendo normalmente em ambiente digital”, diz.
O aprendizado a distância e o pagamento das mensalidades dos estudantes estão entre as principais preocupações dos pais – e das escolas – dos ensinos infantil, fundamental e médio durante a quarentena causada pela pandemia. O Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Estado de São Paulo (Sieeesp), que representa 10 mil instituições privadas, com 2,3 milhões de estudantes, recomendou férias neste mês para que os estabelecimentos consigam se adaptar ao modelo. O presidente da entidade, Benjamin Ribeiro da Silva, acredita que muitos não terão condições financeiras de investir em equipamentos e vê na reposição de aulas a saída para o cumprimento da carga horária mínima de 800 horas, determinadas pelo Ministério da Educação. Segundo o Censo 2018 do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), o Brasil tem 40 mil estabelecimentos privados, que atendem a quse 9 milhões de alunos.
Tempos difíceis
O consultor Roberto Prado, diretor da Associação Brasileira de Escolas Particulares (Abepar), que reúne as principais escolas de elite de São Paulo, prevê período de dificuldades às instituições e aos pais. Ele lembra que no Brasil há escolas com apenas 50 alunos e outras com 10 mil. Algumas cobram menos de R$ 500 de mensalidade e outras, R$ 10 mil. Mas reforça que o ensino a distância, implementado em caráter de urgência, não representa economia para os estabelecimentos. Prado recomenda aos pais em dificuldade financeira que negociem com as escolas. “O melhor caminho, num momento como este de grande crise, é a conversa”, observa o consultor.
Ao analisar o processo de transformação das instituições para se adaptarem ao ensino digital, a pedagoga Marizane Piergentile, diretora da Rede Adventista da região do ABC e Baixada Santista, no Estado de São Paulo, afirma que a linguagem virtual faz parte do cotidiano das crianças e adolescentes e que, independentemente da duração da pandemia, a educação não irá parar. Ela enxerga na crise provocada pelo coronavírus uma possibilidade de sair mais forte. “É o momento da autogestão da aprendizagem”, diz a pedagoga.