Na contramão das escolas, que reabrem neste mês em São Paulo, faculdades públicas e particulares não têm pressa para retomar atividades presenciais. Mesmo com aval para reabrir no Estado, as instituições planejam manter no modelo remoto as aulas teóricas no 1º semestre. Entre os motivos citados pelas reitorias, estão a boa aceitação do ensino a distância, incertezas sobre o plano de flexibilização da quarentena e a necessidade de avanço maior na vacinação.
Decreto da gestão João Doria (PSDB) de dezembro estabeleceu que o ensino superior poderia retomar atividades com 35% dos estudantes a partir da fase amarela do plano de flexibilização da quarentena. Da educação infantil ao ensino médio, o aval de reabertura foi dado mesmo nas fases mais restritivas (laranja e vermelha) e a maioria dos colégios está com as portas abertas. Nesta semana, a Grande São Paulo e outras regiões, como Campinas e a Baixada Santista, avançaram para a fase amarela, o que libera o retorno parcial do ensino superior.
Com início do semestre letivo marcado para abril, a Universidade de São Paulo (USP) ainda não definiu o formato das aulas. Segundo o vice-reitor, Antonio Carlos Hernandes, essa definição “depende das condições epidemiológicas e/ou da vacinação dos profissionais da educação”. Por enquanto, a universidade está na fase máxima de restrições, em que as atividades devem, preferencialmente, ser realizadas de forma remota. O plano da USP só prevê retorno presencial para aulas teóricas de graduação na fase azul, a menos restritiva.
Já a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) suspendeu no fim de janeiro as atividades presenciais em função da “piora da pandemia”. Segundo o reitor, Marcelo Knobel, “tudo o que puder será feito de maneira remota no 1º semestre”. O ano letivo de 2021 começa em 15 de março. Em decreto de janeiro, a Unicamp só autorizou o retorno presencial depois que as regiões de Campinas e Piracicaba permanecerem por 14 dias seguidos na fase amarela do plano de flexibilização da quarentena, o Plano São Paulo. Campinas entrou no nível nessa segunda-feira. 8, e Piracicaba permanece no laranja.
Mesmo neste cenário, Knobel acredita que aulas teóricas da graduação devem permanecer virtuais. “Temos estudantes de várias regiões do País. Como trazer uma pessoa para cá e depois, na semana seguinte, a situação muda?”, argumenta. Ele destaca que os estudantes de graduação, diferentemente dos alunos da educação básica, têm mais autonomia para estudar em casa. Na Unesp, que deve começar a maior parte das atividades de graduação para os calouros só em abril, a previsão é manter o ensino remoto, em função do “recrudescimento da pandemia”.
Faculdades privadas calculam o ônus de oferecer classes presenciais e ter de mudar os planos no meio do semestre. Também citam boa aceitação dos alunos ao modelo remoto. Na Unip, o semestre começou na terça-feira, 9. Não há previsão de retorno presencial das classes teóricas e as práticas voltam no fim do mês. “Os alunos precisam de estabilidade para poderem planejar seus estudos e suas vidas. Precisam saber como serão suas aulas e que não mudarão a cada semana”, informou a Unip, em nota.
Outras adiaram para março o início do semestre, tradicionalmente em fevereiro, à espera de definições. “As escolas postergaram o começo para ver se a situação melhora. Algumas já estão começando, mas com aulas remotas”, diz Rodrigo Capelato, diretor executivo do Semesp, entidade que representa mantenedoras de ensino superior no Brasil. Cursos teóricos, diz, devem permanecer remotos no 1º semestre.
A principal demanda das particulares, segundo Capelato, era pelo aval para atividades práticas, em cursos como Engenharia. Na área de Saúde, a permissão para esse tipo de classe já é válida desde o ano passado. Sem poder reabrir laboratórios, o risco era atrapalhar o andamento dos cursos, principalmente para os concluintes. Na Fundação Getulio Vargas (FGV), mesmo com a liberação para aulas presenciais a 35% dos estudantes, pelo menos o 1º semestre deve continuar prioritariamente remoto.
Apenas pequenos grupos podem ser chamados para a faculdade, de modo não obrigatório. Um retorno mais amplo ocorrerá à medida que mais pessoas forem vacinadas. “Após a 2ª dose de vacinação, que cubra, pelo menos, 70% da população, o ensino poderá ser remoto, presencial ou híbrido”, diz o pró-reitor da FGV de Ensino, Pesquisa e Pós, Antonio Freitas. A FGV iniciou as aulas na primeira semana de fevereiro, mas só pelo computador.
Aluno de Administração Pública na FGV e Educomunicação na USP, Tiago Cesar dos Santos, de 24 anos, estudou quase o ano inteiro pelo computador e deve fazer o mesmo, pelo menos no 1º semestre. “No começo foi complicado me adaptar. Meu espaço de estudo é muito restrito, moro na favela, minha internet não era boa”, diz ele, que trancou matérias na FGV que considerava mais difíceis de acompanhar no modelo remoto, como Estatística.
Já na USP, diz, deixou de fazer uma disciplina após perceber que o ensino não seria o mesmo. “A professora não deu aula, mas não parou a matéria. Deu quatro leituras durante o semestre e trabalhos. Não quis fazer desse jeito”, diz Santos. Ele é um dos que, quando puder, voltará às carteiras da faculdade para usufruir do espaço e da convivência mais próxima com os professores. “Gostaria de voltar, mas com cuidados muito grandes porque sou do grupo de risco.”
A Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) também diz “acompanhar a evolução da cobertura vacinal” para definir o modelo de retorno da graduação e informou que só pretende permitir atividades em formato híbrido a partir de março - o semestre letivo começou na segunda, 8. Na Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), que recomeça em 1º de março, o retorno também deve ser online.
Transmissão simultânea de aula presencial ainda é exceção
Com maioria de cursos de Engenharia, o Instituto Mauá prevê priorizar atividades práticas presenciais na fase amarela - o semestre letivo começa dia 18 para os veteranos. Já as aulas teóricas se mantêm remotas. “Na medida em que avançarmos de fase e pudermos ter mais alunos no câmpus com segurança, teremos também aulas híbridas, que são lecionadas presencialmente e transmitidas online, de forma síncrona.”
Já o Insper retomará as aulas em formato híbrido a partir do dia 22, se a capital continuar na fase amarela. Segundo Guilherme Martins, diretor da Graduação do Insper, a tendência é que a volta presencial ocorra para matérias que demandam mais contato, como as práticas ou os debates. No ano passado, o Insper começou a adotar o formato híbrido, em que parte da turma vai para a sala e a aula é transmitida ao vivo aos que ficam em casa.
Poucas faculdades, porém, usam esse modelo, que foi adotado por várias escolas privadas de elite em São Paulo. A maior parte das instituições de ensino superior dá aulas em plataformas de videoconferência, como o Zoom, com professores e alunos em casa. O modelo com transmissão direta da sala de aula e comunicação entre alunos do presencial e do remoto tem custos altos, como instalar câmeras e contratar assistentes. E mesmo esse formato não deve ser usado em todas as circunstâncias, segundo Martins. “Se tem só dois alunos no presencial, não funciona bem, tem de ter um mínimo de adesão. Se não, talvez faça mais sentido ficar no remoto.”
Universidades federais também devem oferecer apenas aulas remotas para cursos teóricos nos primeiros meses de 2021. A maioria das instituições está, no momento, iniciando estudos que estavam previstos para o 2º semestre de 2020. “Por enquanto, a tendência, pelo menos para o 1º semestre civil de 2021, é de predomínio de atividades remotas”, diz Edward Madureira Brasil, presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) e reitor da Federal de Goiás (UFG).
Universitária sente falta de debates em sala; aluno de MBA não pretende voltar
Juliana Rodrigues, de 24 anos, deve concluir neste semestre a faculdade em Gestão Financeira na Uninove pela tela do computador, mas tem a esperança de que pelo menos a formatura possa ter alguma celebração. O curso funcionou no modelo remoto e as aulas de casa aliviaram a logística com transporte público, mas ela diz sentir falta dos debates em sala de aula.
“Algumas aulas levantavam várias discussões. E eu pensava como seria legal ter essas discussões em sala. Pelo computador, fica limitado, não é todo mundo que quer abrir o microfone”, diz a estudante. Ela também notou evasão, pela diminuição da própria turma. “Muitos colegas não se adaptaram, perderam o emprego e outros não tinham estrutura.”
Já Marcos Rocha, de 29 anos, diz ter “virado a casaca” para o modelo a distância depois da experiência, nos últimos meses, de fazer MBA sem ir à ESPM. “Pegar transporte público em horário de pico não compensa. No home office, posso jantar, fazer outras coisas, não fico mais preso”, diz ele, que trabalha e estuda em casa. O modelo, no entanto, não agradou outros estudantes da faculdade, que reclamaram nas redes sociais sobre a falta de aulas no câmpus.
“Como a grande maioria dos alunos tem suporte, computador em casa e recurso para tudo, neste momento de pandemia chega a ser um pouco de egoísmo pedir aula presencial", diz Rocha. “Antes, pensava que não ia me adaptar, tinha dúvida e achava que seria muito conteúdo. Mas como a faculdade ofereceu suporte, hoje não sei se voltaria ao curso presencial.”