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Manter alunos é o maior desafio do ensino superior

20/04/2021 | Por: O Tempo | 5094
Foto: Reprodução/ O Tempo

De cada dois inscritos no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) em 2020, pelo menos um não compareceu para fazer as provas. O índice de abstenção, que superou 50%, foi o maior da história. Segundo levantamento feito pela Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES) em parceria com a Educa a Insights, 61% dos faltantes deixaram de ir por medo de pegar COVID-19. Além do medo de fazer a prova, a pandemia também tem adiado a entrada na faculdade para muita gente. Nesse cenário de incertezas, as universidades têm feito tudo que podem para segurar os estudantes.

Segundo o diretor executivo da ABMES, Sólon Caldas, a manutenção dos alunos nos cursos tem sido o principal desafio para as instituições de ensino durante a pandemia. E o que mais teria pesado na decisão de abandonar o sonho do diploma seriam as questões econômicas, como redução de renda e perda de emprego. “Os alunos que estão deixando para depois o curso superior são aqueles que estão enfrentando problemas financeiros em suas famílias. Há uma demanda reprimida que aguarda também pela vacinação em massa e tem preferência por aprender em aulas presenciais. A soma desses fatores faz com o que o investimento na educação superior seja adiado”, explica.

A ABMES tem orientado as instituições de ensino a negociar os contratos individualmente, com descontos para colaborar com os alunos. “Por outro lado, a ABMES tem levantado a bandeira do Fies Emergencial e novos calendários de pagamentos para os contratos existentes. A maior preocupação neste momento é evitar que ocorra um apagão de mão de obra no futuro”, diz Caldas. Tramita no Senado essa proposta de Fies Emergencial para atender tanto os alunos que ingressarem na universidade agora quanto aqueles que estão inadimplentes. A ideia é garantir uma linha de crédito para estudantes que não tenham arcado com as mensalidades desde abril do ano passado.

Tempos de empatia
Com a pandemia, além de atrair novos alunos, as universidades precisaram se desdobrar para conter a evasão e o trancamento de matrículas. De oferta de crédito educacional a parcerias para baratear acesso a computadores e internet, “empatia” foi a palavra de ordem por trás das alternativas criadas pelas instituições, no esforço de evitar abandono dos cursos.

A pandemia foi decretada no dia 11 de março de 2020. No dia 17, o Centro Universitário UniAcademia, em Juiz de Fora, na Zona da Mata mineira, já estava com uma estrutura montada para aulas em regime remoto. Segundo o reitor Giovânio Aguiar, o rápido investimento em tecnologia foi importante, mas, para dar certo, nada foi tão importante como a dedicação da comunidade acadêmica. “Professores, coordenadores, corpo administrativo. Todos fizeram de tudo para dar certo. Porque nós trabalhamos com a educação, e ela é um direito, por isso temos uma função social”, destaca Aguiar.

O UniAcademia também investiu em programas de renegociação das mensalidades. “Nós criamos o Semestre Garantido, para diluir o pagamento e minimizar os impactos financeiros para aqueles que perderam emprego. Com isso, conseguimos evitar muitos trancamentos. Muitos perderam pessoas da família, outros não conseguiram se adaptar ao modelo remoto. Por isso nos baseamos em três atitudes básicas: empatia, lembrar que não é o vírus que mudará o mundo, mas sim as pessoas, e ter esperança”, destaca Aguiar.

O diretor da Una das unidades Linha Verde, Cristiano Machado e Sete Lagoas, Bruno Antunes, afirma que, entre as inseguranças dos alunos, a incerteza sobre o mercado de trabalho sempre foi uma constante. “Muitos pensavam se valia a pena continuar estudando em meio à pandemia, não só por questões financeiras, uma vez que muitos perderam seus empregos, mas também por questões emocionais. Percebemos que tínhamos que oferecer soluções personalizadas para cada problema e montamos um time de acolhimento para tratar de problemas acadêmicos, financeiros e pessoais”, explica.

Até atendimento psicológico foi oferecido aos estudantes. “Também criamos programas para aumentar a empregabilidade dos alunos e, depois de identificar que muita gente não conseguia acompanhar as aulas remotas porque não tinha equipamentos ou internet adequada, compramos computadores para emprestar aos alunos e fechamos parceria com uma operadora para oferecer pacote de dados com preço menor”, conta Antunes.

A Estácio também fechou parceria com operadoras de internet e redes de varejo que ofereciam descontos para aquisição de equipamentos de informática. “Oferecemos o seguro educacional, para cobrir o pagamento de mensalidades no caso de o aluno ou responsável financeiro ser demitido sem justa causa”, afirma o reitor da Estácio Belo Horizonte, Fabio Alba.

A instituição lançou ainda um programa para facilitar o pagamento das mensalidades de novos alunos. “No primeiro semestre, eles pagam apenas três mensalidades, de R$ 49 cada uma. E, no semestre seguinte, esse valor volta em créditos. São iniciativas pensadas para ajudá-los a enfrentar esse momento difícil. Não queremos que ninguém atrase esse sonho, nem a perspectiva de começar uma carreira e ter um trabalho”, explica Alba.

Nem sempre os esforços das instituições de ensino são suficientes para evitar a interrupção de sonhos. Estudante do último ano de biologia na Universidade Federal de Uberlândia, Willy Naresse Lucio, 23, teve a vida virada de cabeça para baixo a poucos meses de pegar o diploma e realizar o sonho de dar aula. No início do ano passado, ele já estava com todas as disciplinas cursadas e o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) sobre empatia entre professores e alunos bem adiantado. Mas, com o fechamento das escolas e universidades por questões sanitárias, ele teve que parar o acompanhamento das aulas nas escolas públicas onde realizava a pesquisa.

“Eu tive duas opções: ou esperar a pandemia passar para continuar a pesquisa, ou mudar completamente meu foco para analisar essa relação entre professores e alunos nas aulas remotas. Escolhi mudar o foco, mas ainda não consegui iniciar”, conta.

Nesse intervalo, Willy precisou começar a trabalhar como motorista de aplicativo para ajudar os pais aposentados e não conseguiu se dedicar aos estudos. Como se não bastasse, ele e os pais contraíram Covid-19, doença que matou o pai e desestruturou totalmente a família. Agora, Willy segue no trabalho tentando se reequilibrar emocional e financeiramente para voltar aos estudos que, se não fosse a pandemia, teriam sido finalizados no ano passado.

UFMG lança programa de inclusão digital
Nas universidades públicas, mesmo que com menos recursos financeiros disponíveis, o esforço para manter os alunos também tem sido grande. A Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) lançou um programa de inclusão digital para que as aulas pudessem chegar aos alunos sem acesso à internet. Segundo informações da assessoria de imprensa da instituição, o primeiro passo foi um levantamento para saber a realidade dos estudantes. Pouco mais de 70% dos alunos da graduação participaram da pesquisa, o equivalente a um universo de 23 mil alunos. Desse total, 82,29% declararam ter ótimas ou boas condições de acesso à internet; outros 11,72%, acessos razoáveis; e 5,99%, precários.

Com as informações em mãos, a universidade realizou algumas ações, como um auxílio de R$ 1.500 para aquisição de computadores, ajuda financeira mensal para a contratação de serviços de internet, softwares e outros recursos e empréstimos de equipamentos das universidades, que passaram a ser usados na casa dos estudantes. Até uma campanha de apadrinhamento foi criada para que qualquer pessoa pudesse doar dinheiro para a compra de computadores para universitários em primeira graduação e de baixa renda.

É graças a essa força dada pelas instituições de ensino que os filhos da microempreendedora Marilda Dionísia da Silva Costa, 50, seguiram os estudos remotos. “Eu tenho três filhos de 17, 25 e 29 anos. O Caique, que é o mais velho, está na faculdade, mas não mora aqui em casa mais. Estão aqui conosco a Anna Flávia, que é a caçula e faz ensino médio técnico no Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG), a Rebeca que estuda na UFOP (Universidade Federal de Ouro Preto), a filha dela de 4 anos e o marido dela, além do meu marido. Quando as aulas começaram a ser pela internet tinham muitos estudantes para pouco computador aqui, sem contar que também uso para trabalhar e minha netinha também estuda à distância agora”, conta.

A filha mais nova de Marilda conseguiu, junto à UFMG, e a mais velha, junto à Ufop, auxílio para comprarem computadores. “O notebook que a gente tinha aqui é de oito anos atrás e não tinha a tecnologia necessária para elas acompanharem as aulas. As coisas foram se ajeitando e agora todo mundo está estudando aqui em casa, graças a Deus”, diz.

Orçamento apertado
Mas nem todos os estudantes têm a mesma sorte. Com o orçamento apertado, há um limite para que as universidades possam ajudar, e, pelo previsto para este ano, a situação pode piorar ainda mais. A Lei Orçamentária Anual de 2021 aprovada no Senado prevê um corte de 18% no orçamento das universidades federais. No caso da UFMG, a redução seria de 18,9%, o equivalente a R$ 6 milhões em perdas.

Segundo a assessoria de imprensa da universidade, além de afetar o pagamento das despesas com manutenção e ações de ensino, pesquisa e extensão, o corte vai se refletir na redução nas ações afirmativas de inclusão e assistência aos alunos em situação de vulnerabilidade. Atualmente, cerca de 8.500 dos mais de 32 mil estudantes de graduação da instituição são apoiados por essas ações.

Se para os alunos de graduação a situação não está fácil, para os de pós-graduação o cenário não é diferente. Com as bolsas de fomento a pesquisas em baixa no país, muitos pesquisadores estão fazendo as malas e partindo para o exterior. Da forma como foi aprovada pelo Senado, a  Lei Orçamentária Anual de 2021 reduz em 15,6% o Orçamento geral do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) deste ano, segundo levantamento da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

Caso a lei seja sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro, ela vai reduzir em 12,22% as bolsas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Além disso, 61,95% dos cerca de R$ 898 milhões aprovados para esse fim dependem de créditos futuros, ou seja, não estão com o recurso disponibilizado.

“Deixar estudantes de mestrado e doutorado sem bolsa é o mesmo que matar a galinha dos ovos de ouro do país, porque investimos mais de 20 anos na formação desses pesquisadores, e, sem estímulo para fazer pesquisa aqui, eles são chamados para outros países e descobrem coisas importantes para outras nações. No ano passado e neste ano, só que eu lembro de cabeça, eu perdi dois alunos que foram para os Estados Unidos e um para Espanha”, afirma o professor Kleber Del Claro, da Universidade Federal de Uberlândia. Ele era diretor de pesquisa da UFU.

Um dos pesquisadores que vão continuar as pesquisas fora do país é Danilo Ferreira Borges dos Santos, 28. Aprovado em duas universidades nos Estados Unidos, até agosto, ele estará em um laboratório norte-americano estudando defesas de plantas contra predadores.

“São vários os fatores que estão me fazendo ir para o exterior. O primeiro é a baixa disponibilidade de vagas aqui no Brasil; o segundo é que, pela falta de investimento na pós-graduação aqui no país, a gente acaba ficando sem certos materiais para aprofundar na pesquisa; e o terceiro é porque quero ter perspectiva de carreira. E isso tudo é impossível em um país que não valoriza a pesquisa”, diz. Procurado pela reportagem, o MCTI não se manifestou até o momento.


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