Aposta do Ministério da Educação para modernizar a aplicação do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), a versão digital da prova não será ampliada na próxima edição.
Ao contrário do que previa o plano inicial do MEC, o Enem Digital 2021 não terá a ampliação da oferta de vagas para os candidatos que desejam fazê-lo no computador –foi mantido o mesmo número da última edição, de 101 mil. Também não haverá a aplicação em mais de uma data, como havia sido anunciado.
O Inep, órgão responsável pela aplicação da prova, e o MEC foram questionados sobre por que abandonaram o plano de expandir gradualmente a versão digital, mas não responderam. O planejamento previa a expansão anual até 2026, quando a versão em papel seria extinta.
No último exame, em janeiro deste ano, foi feito o projeto-piloto do Enem no computador. Com projeção de custo quase quatro vezes superior ao da prova em papel, a primeira edição digital teve a maior abstenção já registrada no exame.
A versão digital do Enem 2020 teve abstenção de 71,3% –índice bastante superior ao da versão impressa, que foi de 55,3%.
Para especialistas e professores de cursinho, a ausência de informações sobre os benefícios do novo formato e a falta de planejamento para a implementação do modelo não deram segurança para que os estudantes optassem por fazer a prova no computador.
Desde o anúncio do Enem Digital, em julho de 2019, o MEC não apresentou estudos ou relatórios que comprovassem a garantia do mesmo grau de dificuldade e de comparabilidade entre os dois formatos. Também não conseguiu implementar novos recursos na versão digital, como o uso de vídeos nos enunciados das questões, conforme havia anunciado.
Diferentemente do que ocorreu na última edição, quando as provas impressa e digital ocorreram em datas diferentes, para o Enem 2021 elas ocorrerão nos mesmos dias, em 21 e 28 de novembro –com as mesmas questões e mesma proposta de redação.
O MEC e o Inep não responderam por que decidiram realizar as provas dos dois formatos nos mesmos dias.
“Se a prova é no mesmo dia, com as mesmas questões, não há nenhuma vantagem ou incentivo ao aluno para testar esse novo modelo. Até porque há um receio do candidato de ter alguma falha com a tecnologia usada”, diz Gilberto Alvarez, diretor do Cursinho da Poli.
Servidores relataram à Folha que a decisão de realizar as provas no mesmo dia ocorreu devido à escassez de questões disponíveis para elaborar os exames. Com a realização em dias diferentes na última edição, foi necessário criar três versões diferentes da prova (além da impressa e digital, há a reaplicação). Como cada uma tem 180 questões, foram usadas 540 somente em um ano.
Desde o anúncio da versão digital, especialistas e servidores alertavam para a necessidade de investimentos para ampliar o BNI (Banco Nacional de Itens), que guarda todas as perguntas que podem cair no Enem. O MEC não anunciou nenhum recurso extra para a área.
A elaboração é cara e demorada por seguir rigoroso processo para garantir qualidade e sigilo. O custo estimado da produção de cada item é de R$ 2.000 a R$ 4.000.
A avaliação dos técnicos é de que a falta de planejamento para implementar a versão digital fez com que os benefícios do formato fossem perdidos.
A aplicação da prova em computador já era estudada por gestões anteriores, ao menos desde o governo Dilma Rousseff (PT), por dar mais segurança ao exame e pela redução de custos ao exigir uma logística menos robusta do que na versão em papel.
Outra vantagem do formato era a possibilidade de realizar o exame mais de uma vez ao longo do ano, diminuindo a pressão sobre os estudantes e descartando a necessidade de mobilizar mais de 5 milhões de candidatos em uma única data.
Sem conseguir ampliar a versão digital, o Inep mantém os altos custos da prova, dificulta a logística por ter de contratar dois tipos de serviços para a aplicação e não garante os potenciais benefícios do exame em computador.
“O Enem pode e deve mudar, a tecnologia traz diversas possibilidades e facilidades. Mas, no formato em que a prova digital está sendo feita, esses benefícios estão sendo perdidos”, diz o professor Francisco Soares, ex-presidente do Inep.