Enquanto o Brasil se prepara para a possibilidade de um novo apagão energético em virtude da pior seca dos últimos 91 anos, um outro apagão promete assombrar a nação por anos: o de mão de obra qualificada. Não é de hoje que o país não forma os profissionais de que necessita, mas esse cenário foi potencializado pela mudança no perfil do trabalhador deste século XXI. E ainda serão contabilizados os desdobramentos da pandemia de Covid-19.
De acordo com um estudo do Senai, da UFRGS e da agência alemã de cooperação GIZ, apenas a área de tecnologia (TI) deverá abrir 140 mil vagas nos próximos dois anos ante a perspectiva de formação de 109 mil profissionais nos cursos de graduação. Esse gap (22%) será significativamente ampliado quando se analisa um cenário no médio prazo. Em cinco anos, a lacuna entre a demanda e a quantidade de egressos da educação superior na área de TI deverá saltar para 35%.
A solução definitiva para esse quadro passa, essencialmente, pelo fortalecimento da educação superior no país. Contudo, a despeito das metas do Plano Nacional de Educação (PNE) para a educação superior — cada vez mais distantes de ser alcançadas, diga-se —, do descompasso entre a demanda e a oferta por profissionais e dos quase 15 milhões de brasileiros desempregados, a educação superior segue presa a amarras regulatórias incompatíveis com o atual contexto socioeconômico e com as necessidades do mercado de trabalho.
Na outra ponta, preocupa a desidratação constante das políticas governamentais de acesso à educação superior. De nada adiantam novos currículos e metodologias inovadoras se a graduação continuar sendo um privilégio de poucos brasileiros. Preocupa que as duas principais políticas de acesso à educação superior estejam comprometidas. O Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), que já concedeu mais de 700 mil financiamentos por ano, hoje opera na casa dos 40 mil. O Programa Universidade para Todos (Prouni) é ameaçado pela proposta de reforma tributária que tramita no Congresso Nacional.
Vale ressaltar que o cenário poderá ser ainda mais nebuloso do que o apresentado pela pesquisa mencionada. Isso porque os cálculos dos pesquisadores foram feitos com base nas informações de vagas/cursos disponíveis no Cadastro Nacional de Cursos e Instituições de Educação Superior do MEC (e-MEC). Mas, na realidade, além das vagas não preenchidas, o levantamento desconsiderou um aspecto pontual e altamente relevante: o adiamento do ingresso na educação superior em virtude da pandemia de Covid-19.
Entre 2020 e 2021, caiu de forma significativa a entrada de novos estudantes nos cursos de graduação. Levantamento com mais de mil estudantes, realizado pela Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES) em parceria com a Educa Insights, comprovou que, entre os que ainda não tiveram acesso à vacina, 43% decidiram adiar para 2022 o início da graduação.
Portanto estamos diante de um quadro complexo e desafiador. A solução passa, sim, pela criação de novos cursos, pela atualização de currículos e pela formação de professores, mas também pela aceleração do ingresso de novos estudantes na educação superior e pela liberação das amarras regulatórias.
De tudo isso depende a construção de novas perspectivas para o Brasil. Caso contrário, o país sairá da crise sanitária, mas não terá o capital humano necessário para dar vazão à economia que vai surgir no pós-Covid. Viveremos o pior apagão da nossa história, para o qual não há vela que dê alívio.