Se os teus projetos forem para um ano, semeia o grão. Se forem para dez anos, planta uma árvore. Se forem para cem anos, educa o povo. (Provérbio chinês)Não há dúvida de que a qualidade da educação é fundamental para o desenvolvimento dos países. Se tomarmos como exemplo a China com a sua extensão territorial e número de habitantes verificaremos que são incalculáveis os impactos geopolíticos que a educação pode provocar. E, se antes do Program for International Student Assessment (Pisa) [ver Anexo] podíamos pensar na China como "a fábrica do mundo"— que abastecia os países com isqueiros, guarda-chuvas e outras quinquilharias a preços imbatíveis por conta de seu infinito estoque de trabalho "escravo"—, somos agora forçados a mudar de ideia. O país está se capacitando nas áreas de produção de conhecimento e tecnologia, mirando os bens e serviços que alavancam um país desenvolvido. Essa nova China, que vem assombrando o mundo, nasceu — ou renasceu— em 1977, com a negação de tudo o que a revolução cultural de Mao-Tsé-Tung pregava. A afirmação de Den Xiaoping, considerado o refundador do país, de que “não importa a cor do gato, contanto que ele cace o rato”, já apontava, na década de 1970, para a utilização da tecnologia e de todos os meios que permitissem à China retomar o caminho do progresso e da modernização. Talvez seja arriscado dizer que a educação tenha erguido o gigante, mas a forma por meio da qual o processo educacional é encarado no país reflete, com absoluta certeza, os valores chineses e as suas expectativas pela liderança mundial. Em março de 2011, um relatório da Royal Society Britannica apontou que os investimentos chineses em pesquisa e desenvolvimento têm crescido aproximadamente 20% ao ano e que o número de cientistas e engenheiros formados também impressiona. Há quase duas décadas, esse tigre asiático tem se concentrado na criação de "aprendizagem do século 21". A reforma começou no ano de 1999 com o "desenvolvimento de habilidades espirituais e a implementação criativa" como prioridades. Na reforma educacional local, que começou em 2004, Xangai formulou uma estrutura curricular destinada a formar alunos com espírito nacional, perspectiva global, sentido de responsabilidade social, capacidade de ser, aprendizagem ao longo da vida, espírito criativo, capacidade de execução e domínio em ciências e humanidades. A visão estratégica de longo prazo em relação à educação — um fato importante e que chama a nossa atenção — manifesta não só em políticas educacionais recentes, como também em toda a trajetória da educação no país. Para Zhou Zhong, professora do Departamento de Educação da Universidade Tsinghua, em Beijing, não há dúvida quanto à sustentação do crescimento chinês: “A educação é a base do sucesso da economia chinesa. Creio que essa afirmação é verdadeira quando se fala no desenvolvimento econômico, social, cultural, sustentável de todos os países do mundo”. Se o destaque na educação chinesa nas décadas de 1980 e 1990 foi a expansão da educação básica, nesse início do século 21, o foco é a expansão do ensino superior. Hoje o governo chinês vem investindo pesado na formação de recursos humanos em ciência e tecnologia e não tem medido esforços para elevar o prestígio das universidades chinesas visando torná-las polos de atração de estudantes e pesquisadores estrangeiros. Isto aconteceu, especialmente, a partir do chamado Programa 985, por meio do qual o governo criou universidades, investiu nelas, e escolheu algumas das mais importantes para se transformarem em centros de excelência. Essas universidades – segundo relatório da Thomson Reuters, que fala de uma “nova geografia da ciência” – são uma das chaves para o sistema nacional de inovação chinês, sintonizado com os novos paradigmas. O sistema universitário chinês é, do ponto de vista estrutural, bastante semelhante aos da maioria dos países ocidentais. O primeiro nível de estudos universitários, a que os estudantes têm acesso após concluir o ensino secundário, é o undergraduate, similar ao grau europeu (licenciatura), com duração de quatro anos. Segue-se o mestrado e o doutorado, ambos com duração de três anos. Os cursos de licenciatura (undergraduate) são oferecidos em chinês, embora as instituições façam um esforço cada vez maior para se internacionalizar. Não é sem razão que, no nível universitário, os estudantes chineses tenham que escolher pelo menos quatro cadeiras quadrimestrais em inglês. Por outro lado, nas universidades com maior número de estudantes de outros países, os professores estrangeiros dão as aulas em inglês, sobretudo as relacionadas às áreas empresarial e financeira. No caso dos estudos em mandarim, os estudantes estrangeiros têm que fazer um ou dois anos letivos. Do ponto de vista do financiamento, a China possui uma política de custos partilhados, por meio da qual os estudantes contribuem com uma porcentagem variável, de acordo com os seus níveis de rendimentos. Nesse sentido, é importante diferenciar os alunos que financiam seus estudos dos que estudam graças a uma bolsa do governo. Essa fórmula facilita o acesso ao ensino superior daqueles que têm bolsas de estudo por parte do governo, pois a China desenvolve uma política de acesso generalizado ao ensino superior. Nesse sentido, nos últimos anos foram implementados planos específicos para pessoas com dificuldades econômicas que incluem bolsas, isenções ou reduções de matrículas, trabalhos em tempo parcial ou empréstimos estatais. A China, no entanto, não está surda aos apelos do mercado de trabalho. As “escolas vocacionais”, com duração média de dois anos, são o canal mais importante para aliviar as contradições da estrutura de oferta e demanda do mercado de trabalho, apontando caminhos para que, nos próximos anos, as mudanças incluam descentralizar o ensino superior e aproximá-lo do mercado de trabalho. Por tudo o que foi exposto neste artigo, não se pode deixar de reconhecer que a educação chinesa nessas quase duas décadas do século 21 é um exemplo e uma referência para o mundo e, sobretudo, para as instituições brasileiras de ensino superior. Isso reforça a necessidade (quase certeza) de que devemos pensar seriamente em aprender mandarim! Anexo O Program for International Student Assessment (Pisa) é uma iniciativa de avaliação comparada, aplicada a estudantes na faixa dos 15 anos, idade em que se pressupõe o término da escolaridade básica obrigatória na maioria dos países. As avaliações do Pisa se iniciaram em 2000 e, a seguir, foram aplicadas nos anos de 2003, 2006, 2009, 2012 e 2015. A China só começou sua participação em 2009 e já ficou em primeiro lugar com uma média de pontuação de 575 pontos distribuídos em três áreas — ciências, matemática e leitura (o Brasil ficou na 53ª colocação, com 401 pontos na média, desempenho semelhante aos de países como Trinidad e Tobago, Colômbia, Montenegro e Jordânia). Em 2009, a avaliação do Pisa enfatizou a leitura. Entre os dez países mais bem colocados, além da China, quatro eram asiáticos — Coreia do Sul, Hong Kong, Cingapura e Japão. No Pisa 2012, a China novamente ficou em primeiro lugar em ciências, matemática e leitura, alcançando respectivamente 580, 613 e 570 pontos, seguida de Cingapura e Hong Kong (o Brasil ficou na 58ª colocação). Os resultados do Pisa 2015 ainda não foram divulgados. “Mas o que é que a China tem?”, pergunta-se. A China tem um sistema educacional forte, embora grande parte da comunidade internacional questione os resultados do Pisa, alegando que em 2009 e 2012, estes se referiam a Xangai, uma ilha de excelência na área da educação, que se diferencia do restante de país imenso onde vivem 1,35 bilhão de habitantes em condições não exatamente satisfatórias. A China, no entanto, tem por que ser bicampeã em todas as categorias, pelas seguintes razões:
- Reforma contínua. A educação não para de ser pensada. Três grandes reformas nacionais foram feitas - em 1999, houve uma enorme expansão no ensino superior; em 2002, uma nova legislação incentivou a criação de escolas particulares; em 2006, lançou-se uma política para atenuar a disparidade de investimentos na área da educação. Em 2010, foi anunciado o programa de Desenvolvimento e Reforma da Educação, com duração até 2020, que tem como um dos principais objetivos tornar universal a educação infantil;
- Foco no aprendizado. A meta é aprender. Grupos de especialistas são selecionados para estudar, exclusivamente, o processo de aprendizado do ser humano – as chamadas "ciências do aprendizado". Há congressos, seminários, debates, entre outros, voltados para a questão do "como se aprende" na prática. O currículo das escolas é completamente voltado ao aprendizado;
- Igualdade entre estudantes. A China compromete-se em não deixar "nenhum aluno para trás". Os professores — que ganham cerca de 3,5 mil reais por mês em Xangai e que dependendo de seu desempenho, chegam a faturar o dobro em bônus – costumam ficar além de seu horário de trabalho apenas para tutorar os alunos com dificuldades;
- Disciplina e resiliência. Em Xangai, as classes das escolas públicas são cheias, chegando a ter 50 alunos, mas silenciosas e limpas; todos, de fato, prestam atenção. Os estudantes costumam sair às 16h da escola e estudam mais em casa. Os cursos de reforço são a norma para as noites e os fins de semana, o que acaba por somar 12 horas diárias de estudos;
- Pais vigilantes. Eles têm uma relação muito próxima e de exigência com as escolas. A via é de duas mãos: a escola exige dos filhos, os pais exigem da escola;
- 1.001 indicadores de desempenho. Há indicadores para cada detalhe do sistema educacional, o que torna a educação bastante transparente. A mídia cobre o tempo todo o desempenho das escolas, facilitando, assim, o conhecimento dos pais e dos alunos sobre os caminhos a escolher. Essa vigilância acaba gerando pressão sobre as instituições, que não têm nada a fazer a não ser melhorar cada vez mais o seu ensino.