“Na nossa vida a tecnologia entrou, todo mundo usa. Mas na escola, ou ela não entra, ou entra de forma fragmentada, dentro da lógica da escola. Por isso nosso mantra é ressignificar a escola.” (Adriana Martinelli, gerente de negócio da Joystreet, para o Especial Educação do Futuro do jornal O Estado de S.Paulo – 24/10/2016)O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, fundamentado por 26 intelectuais em 1932, foi o grito de alerta para a reconstrução do então sistema educacional brasileiro. E, decorrente das ideias defendidas, indicava o uso da nova tecnologia que despontava na época: o cinematógrafo. Desde seu primórdio, o cinema pela imagem, movimento, som e cores mostrava-se uma poderosa ferramenta para incrementar o processo de ensino-aprendizagem. E foi assim que o governo de Getúlio adquiriu centenas de projetores para serem distribuídos às escolas. Passada a euforia dos primeiros momentos, todos se deram conta somente depois de que para exibir cinema havia necessidade de filme, de energia elétrica e de quem o passasse. Assim, as máquinas encaixotadas se perderam no correr do tempo. Ainda hoje, embora se observe a proliferação exuberante de todas as mídias, muitos se esquecem de que o mais importante é o conteúdo respaldado por uma bela história. Escrevo isso porque, nos últimos meses, a mídia vem dedicando sua atenção ao uso das tecnologias em educação, preocupada com a sua aplicação e os resultados efetivos alcançados. Aposentamos os projetores de slides, os mimeógrafos, os players para a bitola VHS e os retroprojetores para exibir transparências e todos estão atribuindo à tecnologia o condão de atravessar os muros e as paredes escolares, exortando que as inovações em sala de aula estão diante da hora da mudança, que é agora. O uso da Tecnologia da Informação (TI) na educação tem levado escolas e pais a verem os avanços tecnológicos com respeito, mas o tema também gera alguma desconfiança. Afinal, os pais que se sentaram na sala de aula em carteiras postas uma atrás da outra e nas quais assistiam ao magister dixit durante quatro horas pensam que o mundo jurássico não mais existe, enquanto a realidade é que a universidade brasileira pouco mudou na transmissão do conhecimento. Há todo um universo apostando nas novas tecnologias, incluindo intelectuais, educadores, pedagogos e outros profissionais que se arriscam. E correr riscos é temerário demais no âmbito educacional. É como apostar todas as fichas na viagem de ida, sem volta. E com razão, pois dá para voltar atrás e retomar o modelo tradicional? Jamais. Tudo é desafiador, não dá para prever se vai dar certo ou não. Mas, como retórica, a TI não é boa nem má. Mau ou bom é o uso que se fará das ferramentas na educação. Não é de hoje que o assunto tecnologias incomoda, mas nunca ganha solidez, principalmente porque quem escreve elogiando ou criticando costuma ser quem nunca pôs os pés na sala de aula, a não ser como aluno. Nesse contexto, o único que poderá decifrar o enigma será o professor. Seu papel está assegurado diante de ferramentas autônomas e inteligências artificiais: colocar um pouco de ordem no caos, ajudar a organizar o mundo. No Iluminismo do século XVIII, para reformar a sociedade, a criação lapidar revolucionária foi a enciclopédia, obra que tinha a ambição de colocar ao alcance do leitor todo o conjunto de conhecimentos humanos derivados da razão. A realidade é que hoje quem governa o mundo é o caudal de informações vindas dos mais diferentes aparatos tecnológicos, e o desafio vai ser informar melhor. O papel do professor (comunicador, tutor, mediador, seja lá o nome que for) é o de ser o guia no processo de transformar informação em conhecimento – uma mistura fluída de experiência acumulada, valores, informação e insight experimentado, o que proporciona uma estrutura para a avaliação e incorporação de novas experiências e informações. O conhecimento é decorrente da interpretação da informação e de sua utilização para gerar novas ideias, resolver problemas ou tomar decisões e existe quando uma informação é explicada e suficientemente compreendida por alguém. É o resultado de nossa aprendizagem, daquilo que experimentamos e podemos utilizar novamente em diversas situações. A escola se depara atualmente com um paradoxo: quantidades cada vez maiores de pessoas precisam ser educadas, mas o modelo da revolução industrial em que todos aprendiam as mesmas coisas da mesma forma já não serve mais. A solução para esse impasse é a personalização do ensino, possível em grande escala graças à tecnologia, que possibilita tratar cada pessoa individualmente, com suas necessidades e modos de pensar, dando a elas uma série de ferramentas que as ajuda, também, a conectar-se com outras pessoas e outras culturas. Ao debater os novos papéis do professor, Miguel Thompson, diretor executivo do Instituto Singularidades, afirma que, muito mais do que pensar em aparelhos ou programas de computador, o professor tem de atuar segundo os drives culturais da atualidade: customização, colaboração, conexão, comunicação, criatividade e crítica. O professor deve ainda desenvolver uma sensibilidade ativa, que o ajuda a entender as necessidades e interesses reais dos estudantes. Estes, por sua vez, vão atingir a condição que tanto reivindicam: o protagonismo sobre a própria aprendizagem, ajudados nessa tarefa por toda tecnologia à sua disposição e em suas mãos. Por outro lado, embora se considere importante o uso de uma tecnologia, vale lembrar que essa utilização se torna desprovida de sentido se não estiver aliada a uma perspectiva educacional comprometida com o desenvolvimento humano, com a formação de cidadãos, com a gestão democrática, com o respeito à profissão do professor e com a qualidade social da educação. Sabe-se que o emprego deste ou daquele recurso tecnológico de forma isolada não é garantia de melhoria da qualidade da educação. A conjunção de diversos fatores e a inserção da tecnologia no processo pedagógico da escola e do sistema é que favorecem um processo de ensino-aprendizagem de qualidade. Para isso, o professor tem de se sentir confortável em seu novo papel. Nesse sentido, ele também deve estar engajado na sua formação continuada, feita de forma personalizada. Deve conhecer as novas tecnologias e utilizá-las de maneira criativa em suas aulas. Há perigos pelo caminho? Sem dúvida. Mas ousar, errar e assimilar o erro positivamente em novas experiências é a ponte para a mudança de paradigma. A incorporação de tecnologias como instrumento de aprendizado tem o potencial de promover essa mudança, colocando o aluno no centro do processo, tornando-o um sujeito ativo e produtor.