Gabriel Mario Rodrigues
Presidente do Conselho de Administração da ABMES
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“Sem uma Educação Superior e sem instituições de pesquisa adequadas, que formem a massa crítica de pessoas qualificadas e cultas, nenhum país pode assegurar um desenvolvimento endógeno genuíno e sustentável, nem reduzir a disparidade que separa os países pobres e em desenvolvimento, dos países desenvolvidos. O compartilhar de conhecimento, a cooperação internacional e as novas tecnologias podem oferecer novas oportunidades para reduzir essa disparidade.”[1]
Pensar nos desafios que as instituições de educação superior vão enfrentar num mundo em transformação tem sido tema de vários seminários, congressos e discussões acadêmicas. Muitas ideias, muitos propósitos, mas poucos resultados efetivos.
Um exemplo é a publicação “Desafios e perspectivas da educação superior brasileira para a próxima década – 2011-2020”, fruto da parceria entre a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e o Conselho Nacional de Educação (CNE) do Ministério da Educação (MEC). Já estamos chegando à terceira década do século e ainda são tímidas as inciativas setor de educação em direção ao futuro.
Segundo dados de 2017 do Inep, o Brasil tinha 296 instituições de educação superior (IES) públicas e 2.152 particulares. Nós, do setor privado, representamos 87,9% da rede e somos responsáveis por garantir o acesso à educação superior (ES) de uma parcela significativa da população brasileira, que de outra forma estaria relegada a alternativas menos equânimes.
O documento revela boa diferença entre o setor público e o privado quanto à oferta de vagas e à ociosidade. Um dos principais motivos do não aproveitamento de vagas no setor privado tem sido apontado como o esgotamento da capacidade de as famílias (ou o próprio aluno, já que a maioria deles trabalha e é responsável por sua educação) pagarem pelo curso superior.
Ainda mais preocupante do que a ausência de matrículas iniciais é o baixo índice de conclusões na graduação. Segundo dados do Inep, o total de concluintes não é o ideal, sobretudo na área da educação (cursos de licenciatura – formação de professores da educação básica e formação de professores de matérias específicas).
Tanto a ociosidade quanto o fenômeno da evasão, que causam o baixo índice de conclusões na graduação, têm sido pouco estudados pelos pesquisadores, mas são um dos calcanhares de Aquiles das IES privadas.
Com a entrada exponencial da tecnologia em todos os mercados e setores, o papel do profissional formado precisa ser repensado e, acima de tudo, o modelo educacional também. Estamos numa transição de paradigma educacional e a instituição que não perceber isto estará fora do mercado educacional.
Um estudo da ONU indica que até 2035 a taxa de desemprego global atingirá 20%; e que, até 2050, 40% dos postos de trabalho atuais, tais como são hoje, deixarão de existir. Mas também existirão oportunidades advindas das mudanças do mundo do trabalho. Se uma parte (sobretudo os empregos que exigem uma atividade braçal ou mecânica) será substituída por tecnologia e IA (inteligência artificial), outros postos de trabalho surgirão inevitavelmente.
Como a educação se transformará para deixar de formar indivíduos com diplomas e sem empregos para passar a formar uma força de trabalho capaz de se tornar relevante neste mundo em transformação? Esse é o grande desafio do desenvolvimento e das instituições de ensino.
Pior, e mais abrangente, do que esse problema é a situação dos cursos da área de educação e sua articulação com a educação básica. Segundo o documento da Unesco,
“no Brasil, a escassez de docentes para a educação básica é problema estrutural, produzido historicamente pela redução da responsabilidade do Estado na manutenção da educação pública de qualidade, na insuficiente colaboração entre os entes federados, na ainda inconsistente formação e na oferta de condições inadequadas de trabalho, carreira e remuneração de seus educadores”.
O setor privado, por sua magnitude, tem avançado nesse quesito, mas em velocidade muito aquém da exigida pelos graves déficits estruturais da educação brasileira, em especial no nível básico. Esse mesmo setor padece desses déficits: mudança no perfil dos alunos das licenciaturas, falta de preparo adequado dos estudantes, principalmente quanto à capacidade de leitura, escrita e compreensão de textos, bem como a falta de domínio dos conhecimentos básicos da área em que esses estudantes irão atuar.
No setor público, esses déficits são menores, mas o grande desafio é convencer os alunos a não desistirem do magistério (pelos problemas acima elencados).
O documento da Unesco dá a “receita” para enfrentar o desafio da baixa atração que a carreira docente exerce sobre jovens egressos do ensino médio e que leva à necessidade de políticas de formação de professores que:
“i) estabeleçam maiores vínculos com as redes públicas de ensino das regiões onde estão inseridas, atendendo às demandas específicas de formação por área ou por campo de conhecimento;
ii) reconheçam o corpo docente como ator fundamental do sistema educativo, garantindo sua formação, capacitação permanente, apoio na elaboração de materiais didáticos e concepção de infraestrutura que permitam tornar efetiva a qualidade do ensino básico”.
O que fazer para aumentar a atratividade da profissão docente na educação básica? Que políticas e práticas inovadoras podem ser desenvolvidas? Como avaliar e valorizar o bom professor.
Para além das discussões e teorias, fundamentais para a equação do problema, é preciso implementar, urgentemente, práticas para promover melhor aproximação das IES com as escolas de educação básica.
A escola precisa reinventar-se por meio da mudança de suas práticas pedagógicas, da reflexão coletiva, do debate qualificado, da cooperação, da inovação e da criatividade, especialmente no que se refere à formação de professores.
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[1] Declaração Mundial sobre Educação Superior no Século XXI: Visão e Ação – Conferência Mundial sobre Educação Superior - UNESCO, Paris, 9 de outubro de 1998.