Gabriel Mario Rodrigues
Presidente do Conselho de Administração da ABMES
***
“O país precisa de um projeto de desenvolvimento sustentável e com justiça social, que dê atenção à economia, à preservação do meio-ambiente e garanta que nenhum brasileiro passe fome. Não basta ter democracia política se parte da população não ter acesso a saneamento básico, saúde, escola, cultura e cidades decentes.” (Sen. Cristovam Buarque)
O mundo a cada momento se transforma decorrente da revolução digital, das novas tecnologias, da internet, da Inteligência artificial, do Big Data, da robótica e tantos outros fatores que impactam na maneira como vivemos, nos comunicamos e, principalmente, trabalhamos. A máquina, inexoravelmente, vai substituir as atividades repetitivas e manuais e o principal problema dos países emergentes vai ser como se desenvolver de modo a propiciar melhor qualidade de vida à população e promover pela sua vitalidade econômica e sustentabilidade empresarial o que é mais sagrado: a possibilidade a cada pessoa ter trabalho e sustentar a si e à sua família.
Bem-estar, economia saudável e trabalho para todos é o maior desafio dos governos. Planos não se fazem ao estalar dos dedos, nem da noite para o dia. É preciso dezenas de anos, com gente diuturnamente pensando nisto e dedicação de pessoal talentoso e bem-intencionado. Há necessidade de metas claras e definidas, plano de estado e, acima de tudo, foco na educação.
Apenas um exemplo básico para mostrar que não há sintonia nas ações governamentais, Priscila Cruz, presidente-executiva do Todos pela educação, diz que
“pautar a gestão pública em evidências, além de imperativo para melhores resultados, é um dos princípios determinados pela política de governança da administração pública federal (Decreto 9.203/2017). Por tudo isso, é muito preocupante a solicitação da Secretaria de Alfabetização do Ministério da Educação para que o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) adie a aplicação da avaliação de alfabetização, que ocorreria neste ano”.
Porém, todos sabem que garantir que as crianças estejam alfabetizadas na idade certa é fundamental para que possam seguir aprendendo não só ao longo de toda a sua trajetória escolar, mas também ao longo da vida. Por isso é que políticas educacionais não podem ser de de governo. Elas têm de ser de Estado (aliás como qualquer política pública) para serem ativas, efetivas, coerentes e harmônicas com os tempos, baseadas em evidências.
O mundo atravessou a educação 1.0, 2.0, 3.0 e agora a 4.0 (com acenos da 5.0 em países como Japão e Alemanha) e no Brasil ainda engatinhamos entre as três primeiras, com alguns poucos focos de excelência na quarta, divorciados da realidade dos novos tempos.
O planeta vai evoluído sem que tivéssemos dado conta, como se nosso país estivesse apartado e como se aqui tivéssemos a melhor proposta educacional para os tempos futuros. Ou seja, o órgão encarregado de conduzir a educação nacional está ao sabor dos governos. E o pior, de cada ministro que fica temporariamente no cargo.
Não foram poucos os embates que a inciativa privada teve com os órgãos de regulação educacional, na medida em que nova e diferente postulação aconteceu ao longo das últimas décadas. E isso não adicionou nada em termos de qualificação às IES privadas, sequer às instituições públicas. Estamos falando da educação e não de futebol. Ou seja, de algo muito mais importante, grave mesmo do que se pode cenarizar de futuro para a juventude.
Por muito tempo, as universidades foram, por excelência, instituições para a formação de elites, para a produção de conhecimento científico e para o desenvolvimento cultural em geral. Ou seja, o sistema universitário foi criado para ser protagonista do progresso, formando recursos humanos para os quadros políticos, religiosos e empresariais. Nosso mundo tecnológico é o que é hoje porque foi formado por esses recursos humanos. Mas o mundo vem mudando célere e radicalmente, e o Brasil não pode ficar para trás.
Nos dias de hoje, essa velocidade de expansão é muito maior: projetos e inovações podem tornar-se realidade em pouco tempo, pela velocidade da telecomunicação, pelo processo contributivo para criar e testar modelos, e sua adoção, na prática, pode levar menos de um biênio. Tudo isto em nível mundial e não apenas local.
Nessa nova configuração global, será que o sistema universitário ainda detém o protagonismo? Está preparado para sintonizar-se com as mudanças e oferecer ao volátil mercado de trabalho profissionais com envergadura e “jogo de cintura” para os novos tempos? Sem dúvidas, o maior desafio é como criar recursos humanos para esse novo cenário e como dar emprego a todos.
Em consonância com essa nova ordem mundial, têm surgido, ao lado das universidades de elite, complexos sistemas educacionais que atendem a milhões de estudantes de origem social, condições econômicas, padrão de escolarização e interesses distintos, nos quais, em lugar de uma hierarquia rígida de cursos e currículos, tem-se a opção de aprendizagem mais flexível e interconectada, capaz de responder às demandas deste novo milênio que rompem com os paradigmas das relações professor-aluno, com os limites da sala de aula e com a temporalidade e a espacialidade estanques dos cursos tradicionais.
Nesse cenário, as IES necessitam, cada vez mais, se renovar e se adequar às necessidades dos alunos, às expectativas do mercado empresarial e do país. E, sobretudo, formar profissionais para o mundo do trabalho. São temas pouco discutidos, mas acredito ser de fundamental importância. Por exemplo, com as mudanças impostas por uma nova ordem tecnológico-econômico-social, é premente o desenvolvimento de várias outras formas de obter-se um grau acadêmico, muito diferentes das atuais, com prazos mais curtos e métodos produtivos, mais eficientes e eficazes.
Importa saber como os regimes normativos e reguladores da educação brasileira veem a nova realidade, se sensibilizam e se sintonizam, com seus atos autorizativos de funcionamento das instituições e de seus cursos, visitas in loco por comissões, atos de reconhecimento de curso, imposição de diretrizes curriculares nacionais por parte do CNE, renovação de reconhecimento, imposição de aceitação da proposta do Enade (cuja nota o Inep – ou o Sinaes – se recusa a concordar com o registro no diploma do aluno).
Para João Batista Oliveira[1], estudioso e analista da área educacional, o liberalismo tem tomado força na economia, mas os princípios desta doutrina também podem ser aplicados no setor educacional para promover uma verdadeira reforma da educação brasileira.
“Mais do que obrigações, legislações e regulações, que hoje entravam o desenvolvimento da educação no Brasil, a título de proteger um ou outro grupo, eles acabam amarrando. A agenda liberal, do ponto de vista macro, seria mais para liberar a ação dos atores e usar estímulos do governo apenas quando necessário. Hoje ele [o MEC] é montado como se fosse uma sede de grandes escolas, e não faz o que deveria, que é política educacional. Poderia ser um órgão mais enxuto e barato, mas isso só podemos pensar na medida em que decidimos qual é a função de um ministério dentro de uma agenda liberal de um país efetivamente federativo.”
Concluindo: o mundo mudou, a tecnologia avança exponencialmente e o desenvolvimento depende de recursos humanos capacitados para uma nova realidade de trabalho. Razão do MEC precisar ousar mais nas POLÍTICAS EDUCACIONAIS.
_______________________________
[1] João Batista de Oliveira é referência nacional em educação. Atuou como professor, pesquisador, consultor e ocupou cargos executivos em organismos nacionais e internacionais. É fundador e presidente do Instituto Alfa e Beto, ONG promotora de políticas práticas de educação que priorizam a alfabetização. Foi secretário-executivo do MEC (1995).