“A igualdade não é um direito, é o resultado do que o cidadão aprendeu (…) é inútil querer que as pessoas tenham igualdade nos resultados quando não são iguais nos méritos (…) não há como ser igual nos méritos se o sujeito que sabe menos não teve oportunidades iguais de aprender as coisas que foram aprendidas pelo sujeito que sabe mais.” (J.R.Guzzo)
Em toda a mídia, inclusive nas redes sociais, está se comentando até hoje o que o correu no dia 1º de dezembro na Comunidade de Paraisópolis, em São Paulo. Nove jovens foram pisoteados e mortos após ação policial que promoveu pânico em perseguição a malfeitores. Todos participavam de um baile funk, um dos musicais comuns dos realizados aos finais de semanas nas periferias e bairros das cidades brasileiras.
Paraisópolis tem mais de 100 mil habitantes, muito mais do que a média da população das cidades brasileiras. São 21 mil domicílios em uma área de 10 km² na Zona Sul de São Paulo. Surgiu em áreas abandonadas do então loteamento do bairro do Morumbi, onde, na metade do século passado, operários da construção civil eram contratados para as obras do estádio do São Paulo FC (atual Morumbi), do hospital Albert Einstein e, mais tarde, para erigirem os condomínios do luxuoso bairro nascente.
Foi natural, portanto, aos trabalhadores deixarem a longínqua periferia onde moravam para, na proximidade do trabalho, ocuparem áreas abandonadas. Começarem a construir seus barracos, contando com o refugo das obras, das sobras salariais e do mutirão dos amigos.
Paraisópolis cresceu ao “Deus dará” como todas as favelas brasileiras, mediante o esforço de seus moradores e o empenho de suas comunidades. Como todos sabem, o estado só entra depois, quando a área está totalmente ocupada, remediando o sistema viário, o abastecimento de água, a coleta de lixo e a energia elétrica. Mas, como não há mais espaço e nada foi planejado, faltam áreas de recreação, entretenimento, esporte e para espetáculos artísticos. Em resumo, não há áreas para convivências e nem praças públicas. Tudo improvisado, construído em terras inadequadas e sem planejamento algum.
Mas Paraisópolis hoje já é um grande bairro, com todo tipo de comércio e prestação de serviços, contando com escolas, centro de saúde, bancos, lojas, farmácias, mercadinhos e congêneres. E tem também biblioteca! Só não há espaços para o lazer e, para isso, os moradores ocupam as ruas e vielas.
Olhando os fotos e imagens publicadas a respeito da tragédia ocorrida no início do mês, a maioria dos brasileiros pode não reparar na disparidade, por já estar acostumado ou ser insensível mesmo. Mas qualquer estrangeiro vê o enorme contraste das moradias da comunidade e dos prédios ao redor, que reflete a grande discrepância social e econômica da sociedade brasileira.
O sociólogo François Dubet, professor da Universidade Bordeaux-II, sobre desigualdade social diz o seguinte (“Igualdade de oportunidades” ou “igualdade de posições”? Qual é o melhor modelo para reduzir as desigualdades sociais?):
“Há dois modelos que permitem reduzir a contradição de toda sociedade democrática onde se afirma que todos os indivíduos são iguais, mas ao mesmo tempo vivem em sociedades desiguais. O modelo da primeira estratégia propõe reduzir a distância entre posições sociais, ou seja, que os ricos passem a ser menos ricos e os pobres sejam menos pobres. O segundo modelo consiste em dizer que todos os indivíduos terão a possibilidade de alcançar a mesma posição, contando com seus atributos e seu empenho.”
Não é nada fácil encontrar saídas, mas também não é nada difícil mostrar as razões por que muitos esforços não caminham para algum sucesso. Parece que o Brasil que não percebeu ainda que a justiça social só é possível sem os desmandos governamentais e com eficiência econômica. E que o futuro depende da educação como coluna central de construção da sociedade.
É dentro desta ótica que precisamos colocar para debate a inaceitável desigualdade que parece ser a seta indicadora de tantas mazelas decorrentes, como violência, falta de ambiência, cultura, educação, saúde e moradias sem esse nome, nas quais viver é impossível, porque deitado para dormir a pessoa tem de colocar os pés para fora da janela. E o que dizer da moçada que precisa espairecer com os amigos? Os jovens faziam o que toda a moçada faz nos fins de semana. Cantam, dançam, conversam e participam da vida social no que existe de bem e de mal em todas as cidades brasileiras, onde as únicas diferenças são a cor dos participantes, as indumentárias e local dos espetáculos. Para as comunidades das periferias não há espaços para esporte e artes em geral.
A educação é a única solução e não pode terminar em pesadelo. Precisamos de um despertar adiante, vislumbrar um novo ciclo que nos dê alguma esperança, de quem vê como possível a realização daquilo que se deseja: fé e expectativa, mas, sobretudo, confiança em coisa boa. A esperança é a nossa âncora e precisamos pensar como o jornalista J. R Guzzo, que escreveu em sua coluna no Estado de S.Paulo do dia 8 de dezembro:
“Ainda não foi inventada no mundo uma maneira mais eficaz de concentrar renda, preservar a pobreza e promover a desigualdade do que negar ao povo jovem uma educação decente.”
Diante da ascensão tecnológica, imperando no planeta, não temos sido capazes de enfrentar os imensos desafios do mundo contemporâneo com suas ideologias, políticas, economias e morais. No resultado do Pisa estamos entre os piores. Por que não usar a tecnologia de melhor nível para salvar a educação?
Muitas palavras, muitas intenções. Mas poucas ações efetivas envolvendo o cenário da educação no país. Não estamos gerando realizações efetivas de que estejamos seguindo em frente. Não, a sensação é a de que estamos parados, ainda que com as máquinas funcionando, ou que, tendo dado as costas para o destino, percebamos que estamos dando marcha a ré.
E aqui vale uma reflexão de Albert Einstein: “Não podemos resolver problemas atuais com o mesmo modelo mental e soluções de décadas atrás”[1]. As demandas sociais econômicas, políticas e culturais mudaram, e o setor educacional precisa compreender essas transformações e diversificar seus modelos de oferta impactando o tradicional currículo, concepções, abordagens e práticas pedagógicas.
O ano 2020 está a poucos dias e vamos adentrar com a mesmice habitual, nada de novo, nenhuma mudança, sem transformação. E para acertarmos o futuro da educação não há outro meio: vamos precisar usar a Inteligência Artificial, associada à inteligência humana, à neurociência e à pedagógica para construir novos modelos, que estejam mais conectados e alinhados às reais demandas atuais.
A educação é um direito, e precisa impactar positivamente as mais diversas camadas sociais, com equidade, para ampliar as perspectivas de transformação social, tão urgentes para a nossa sociedade.
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[1] Frase parafraseada de Albert Einstein, disponível em: https://www.pensador.com/frase/MTExNzU5Mg/, acesso em dez/19.