“Para a sobrevivência da humanidade um novo pacto deverá surgir para promover a passagem do modelo econômico voltado para o mercado, para um que priorize o humano, instituído a partir de um novo pacto social entre os diferentes, capaz de redistribuir riqueza, trabalho, poder, saber, oportunidades e bem-estar”. Prof. Domenico de Masi
Em palestra realizada há três anos na Universidade de Caxias do Sul, sobre o tema Tendências 2030, o sociólogo italiano Domenico de Masi foi categórico em dizer que se deve ao neoliberalismo globalizado a questão da desigualdade entre ricos e pobres, a degradação ambiental, a crise de emprego na Europa, as migrações em massa provenientes de áreas em conflito, o fundamentalismo religioso e o recrudescimento do extremismo político. Ele afirmou que “todos estes fatores ilustram o fracasso dos três agentes da formação da sociedade, a família, a escola e a mídia”. E esclareceu que “enquanto a tecnologia está fazendo o seu trabalho no mundo pós-industrial, as Ciências Humanas têm falhado naquilo que lhe compete: a construção de modelos para os indivíduos e a sociedade”.
Refletindo sobre esta afirmação, fiz uma síntese do que escrevi neste blog durante este ano, que no fim aponta a relação entre a educação às transformações atuais do mundo.
Vivemos um tempo de ansiedade, pois a globalização possibilitou a todas as nações acesso às tecnologias, aos meios de comunicação, ao uso de bens e serviços – restritos a poucos, ao mesmo tempo em que nos deparamos com um mundo dividido como nunca se viu antes. Movimentos que considerávamos ultrapassados surgem aqui e acola, talvez insatisfeitos com seus governos, decepcionados com suas ideologias tanto a esquerda como a direita.
E por que não estão satisfeitos? Porque há uma desigualdade de acesso aos bens e serviços descomunal na maioria das nações, mesmo nas mais desenvolvidas. As riquezas se concentram cada vez mais nas mãos de poucos e as tecnologias comandam as ações, tornando todos reféns de um processo que não se sabe exatamente onde vai dar.
A divisão entre desenvolvidos, em desenvolvimento e não desenvolvidos já não serve mais aos órgãos de representação como a ONU e são questionados abertamente, porque também não conseguem consensos, pois cada pais procura sua hegemonia política, econômica e tecnológica e, nesta última, principalmente com seus aparatos bélicos, cada vez mais sofisticados.
A UNESCO, a OCDE e outras agências que tratam questões sociais alertam sobre o meio ambiente e para o nosso planeta, que estamos destruindo e que por ora não tem substituto. Mas tudo isso é fruto da inteligência humana que também aperfeiçoa a artificial, de tal modo que causa medo, pois não sabemos seu alcance e até onde isso pode dar. O mundo dos robôs frequenta os noticiários e também nossa imaginação. Não há quem não já pensou um mundo tão automatizado que pode vir a ser dominado por máquinas.
Todas essas tecnologias provêm da inteligência humana e, por consequência, da educação que esses grandes especialistas receberam. E por isso cada país investe em educação, em ciência e tecnologia buscando competir mais fortemente e dominar o maior número de áreas possíveis.
Mas se é da educação que vem a pesquisa para os avanços da tecnologia, ela é questionada se também não é culpada no fundo pelas desigualdades que o mundo revela mais fortemente hoje, apesar de ao longo da história, em todos os países termos, ora mais ou ora menos, desigualdades que começam pelo acesso aos bens mais fundamentais de moradia, comida, saúde e bem-estar.
Criamos parâmetros, regras, requisitos e outros instrumentos para que as pessoas possam ter acesso ao mundo desenvolvido, à tecnologia, enfim a uma qualidade de vida que seja digna.
E aí se olharmos o mapa do mundo veremos um mosaico de imagens assustadoras que parece não impressionar os dirigentes, onde ainda há escravidão no setor produtivo, enquanto parte da humanidade usufrui desses benefícios mesmo sabendo que provieram de mão de obra escrava, onde pessoas passam fome, não têm moradia e recursos para que seus filhos possam sonhar em mudar de patamar social e adentrar a sociedade do consumo de bens e serviços essenciais.
Nesse cenário, podemos enquadrar o Brasil, um pais de dimensões continentais, multicultural e também heterogêneo em seu processo de desenvolvimento em tudo.
Esse cenário pode ser analisado como um filme desde os tempos da colonização até hoje e a forma como fomos criando um sistema perverso de classes sociais que ao longo do tempo foram dominando o pais e hoje se perpetuam na política, na economia, na religião, na distribuição de bens e serviços, aproveitando inclusive o processo de globalização para nos tornar mais reféns ainda.
E isso é tão verdadeiro que agora, durante a pandemia da Covid-19, se escancarou de vez nossa situação brasileira, onde descobrimos milhões de cidadãos fantasmas que não existiam pois nunca foram registrados e pior um sistema injusto de distribuição de renda que conduziu o pais a uma taxa de desemprego muito alta obrigando milhões de brasileiros a ir para a informalidade para sobreviver. Basta ver os números do auxílio emergencial para dimensionar nossa situação e pior que não se vê a curto prazo luz do fim desse túnel. E por que? A resposta pode ter diversas conotações desde a política, a econômica e a social.
Estamos vivendo tempos de extremismos onde estamos vendo e assistindo um país com medo, com ódio, com rancor, no qual valores são postos em discussão de forma nada convencional e onde as ideologias perderam a vergonha e tentam impor formas de pensar, de conviver, onde se discute inclusive o papel da educação de forma nada isenta como se dela partissem os pensadores do caos social.
Mas é na educação brasileira que devemos nos concentrar nessa quadra da história da humanidade e brasileira, pois fazemos parte do conjunto das nações que podem conviver em harmonia o quanto possível e também buscando nossa independência tecnológica pela pesquisa, pela ciência e tecnologia.
E aqui começam as análises mais otimistas e mais pessimistas, pois nosso sistema educacional diferentemente de outros setores sociais não conseguiu atingir uma maturidade qualitativa que possa responder as necessidades da sociedade como um todo.
Conseguimos universalizar o ensino fundamental, mas o preço foi alto, pois a qualidade não acompanhou e, apesar dos esforços, ainda estamos longe do mínimo desejável. Porém, aprovamos uma nova reforma para unificar o ensino fundamental para que todos tenham um mínimo de conhecimentos básicos, só não se sabe quando vamos implementá-la de forma efetiva. Aprovamos também uma reforma do ensino médio, um dos níveis com mais problemas e indefinições como se fosse – a terra média – que serve mais para passagem, pois é requisito necessário para acessar o ensino superior.
O grande desafio da educação brasileira é o ensino básico público que pretendo tratar oportunamente. Neste primeiro artigo fico por aqui, para tratar na próxima terça-feira do ensino superior (24/11).