Os modernistas brasileiros, confundindo o ambiente literário do país com a Academia, traçaram linhas divisórias rígidas (mas arbitrárias) entre o bom e o mau. E querendo destruir tudo que ficara para trás, condenaram, por ignorância ou safadeza, muita coisa que merecia ser salva. (Graciliano Ramos)[1]Para dar título a este artigo lembrei-me de antigo dito popular segundo o qual não há novidades e tudo continua igualzinho ao passado. Diz-se do que permanece na mesma, sem alteração. A frase tem origem em Portugal no tempo da primeira invasão francesa (1806) quando o general francês Junnot instalou seu quartel em Abrantes. Enquanto isso, nada se fazia para se opor às forças do general francês. Ninguém lhe ousara resistir. D. João VI, que era o Regente, não tomava medidas para evitar o avanço do general para Lisboa. Daí quando alguém perguntava como estava a situação, a resposta era: “tudo como dantes no Quartel de Abrantes”.[2] Ligando os fatos, ouso dizer que muita tinta tem sido gasta com os temas das tecnologias em educação – novas mídias para o ensino, Professor do Futuro e outros. Concordo com praticamente tudo que li e vi a respeito: os professores não só têm de dominar as novas mídias como também se aproveitar delas para aprimorar a nova maneira de fazer com que os alunos aprendam. Caso contrário, serão engolidos por eles. Acompanho o portal Porvir.org.br sempre que posso, em razão das informações novas sobre tecnologias educacionais, e o recomendo a todos os que se dedicam à Educação. Dias atrás vi uma matéria superinteressante nesse site: um resumo da palestra de Ronaldo Mota[3] “Professor do Futuro Será um Designer de Currículos”. Instigado pelo título, preguei os olhos no monitor e iniciei a leitura com redobrado interesse. O autor afirma, desde o início, que o termo é desconhecido no Brasil para em seguida avisar: “é bom você ficar familiarizado com ele”. O conteúdo aborda as novas mídias na sala de aula e fora dela. Até aqui tudo bem. Mas depois me deparei com uma informação que me fez voltar ao passado: a escola norte-americana High Tech High unifica as matérias para facilitar o aprendizado. Física e matemática são ensinadas juntas, assim como história, filosofia e língua inglesa, aglomeradas numa única disciplina denominada Humanidades. “Acreditamos na integração do currículo. Em vez de ir à aula de história e de inglês, o aluno tem um professor de humanidades”. Esta unificação não soou aos meus ouvidos como novidade. Voltei então ao que era ensinado nos colégios vocacionais, aqui mesmo em São Paulo, na década de 1960. Fiz uma rápida pesquisa para recarregar a memória. Tais colégios – públicos de ensino secundário, o antigo ginasial, em período integral – foram idealizados e implantados pelos professores Luis Contier, diretor do Colégio Alberto Conte, da capital, e Maria Nilde Mascellani, do Instituto de Educação de Socorro. A proposta pedagógica dos “Ginásios Vocacionais” baseava-se na integração curricular (o grifo é meu), por meio da pesquisa e da ação efetiva, abordando estudos do meio, projetos de intervenção na comunidade e planejamento curricular. Professores e estudantes iam a campo, punham a mão na massa. A matéria principal – Estudos Sociais – englobava História, Geografia, Economia, Sociologia e Antropologia. Tal como nas escolas de vanguarda que utilizam hoje a disciplina Humanidades, nos ginásios vocacionais os alunos frequentavam aulas de Estudos Sociais, em vez de aulas de História ou de Português. Conforme o artigo sobre os designers de currículos, os professores empreendem projetos interdisciplinares, que associam as disciplinas curriculares ao cotidiano dos estudantes, para que estes entendam na prática o aprendizado da escola. Utilizam os mesmos métodos dos ginásios vocacionais. Não tem o que tirar nem pôr. Em menos de dez anos de existência, foram instaladas seis unidades dos ginásios vocacionais no Estado de São Paulo: um na capital e os demais em Americana, Rio Claro, Batatais, Barretos e São Caetano do Sul. Com o golpe militar de 1964 e a implantação da ditadura, o modelo começou a ser visto como uma ameaça ao regime. Em 1968, a coordenadora do projeto, Maria Nilde Mascellani, e muitos professores foram sumariamente afastados. Com a intervenção no Estado, o regime militar extinguia o ensino vocacional, sob a alegação de conter uma “pedagogia esquerdizante e uma ideologia nefasta à formação da juventude brasileira”. Alunos, professores, diretores, técnicos e funcionários foram indiciados em processos policiais militares; muitos foram presos, tiveram suas casas devassadas e aposentados compulsoriamente. Por fim, os colégios foram extintos em 12 de dezembro de 1969, com a ocupação truculenta dos militares nas suas sedes[4]. Algo semelhante aconteceu na Universidade de Brasília (UnB). O Centro Integrado de Ensino Médio (Ciem) funcionou até 1971, quando foi desativado pela ditadura militar. A ideia mater do centro, idealizado por Darcy Ribeiro e José Aloisio Aragão, consistia em fazer uma escola, um colégio, que fosse diretamente vinculado à Faculdade de Educação da UnB, por meio da utilização dos métodos de ensino vocacional. Esse vínculo estreito com a UnB objetivava algo ainda maior na educação: pretendia ser o sustentáculo de uma nova concepção de ensino superior. Logo a UnB passou a ser indesejada nas hostes militares pelas “ligações perigosas” e sendo tamanha a pressão quase foi fechada. Assim acabou o sonho de conferir a importância devida ao modelo do ensino vocacional. Reconheço, no entanto, os esforços de educadores brasileiros no sentido de reverter o quadro e de impedir que “tudo continue como dantes no Quartel de Abrantes”. Porém a questão que fica no ar diz respeito à perda nefasta que a educação brasileira e em especial o ensino público tiveram com a destruição, por razões ideológicas, de propostas inovadoras. Estas “mereceriam ser salvas” pelo fato de ter como objetivos conduzir os jovens a pensar de forma diferente; libertá-los da sala de aula; prepará-los para desenvolver atividades práticas e, com isso, interagir com o meio social em que viviam. E o melhor de tudo, a direção das escolas, os professores, as famílias e os alunos sentiam-se irmanados e entusiasmados na busca diária de vencer os desafios da aquisição de novos conhecimentos.
[2] http://pt.wikipedia.org/wiki/Anexo:Lista_de_express%C3%B5es_idiom%C3%A1ticas_de_origem_hist%C3%B3rica_ou_mitol%C3%B3gica
[3] Ex-secretário Nacional de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e, atualmente, professor visitante do Instituto de Educação da Universidade de Londres.