É preciso dar atenção ao papel que o ensino superior terá na formação dos professores do ensino médio. A reforma da universidade deve começar, portanto, por uma reforma na educação básica para que todos os jovens brasileiros consigam concluir o ensino médio com qualidade. (Cristovam Buarque, 2005.)[1]O jornal Estadão publicou no início do mês matéria sobre a cidade de Detroit, a ex-capital mundial da indústria automobilística que, na década de 1906, produzia metade dos carros negociados no planeta. Hoje, dos 2,7 milhões de veículos vendidos pela General Motors nos Estados Unidos, apenas 4% são fabricados na cidade. A antiga fábrica do Packard, um dos mais luxuosos carros americanos, desativou sua linha de montagem em 1958. As instalações de 325.000 metros quadrados, agora completamente desmanteladas, são uma caricatura do que foram aqueles bons tempos de majestade e prestígio. Entre 1970 e 2007, a cidade perdeu 80% de suas fábricas e 78% das lojas de varejo. Em sua época áurea, Detroit com 1,85 milhões de habitantes era a quarta cidade americana e hoje nem chega a 700 mil moradores. Quase sem ofertas de trabalho, é uma cidade parcialmente abandonada – casas vazias, apartamentos desabitados, escritórios desertos e escolas caindo aos pedaços. A cidade perdeu sua receita de impostos e está em concordata. Logicamente, toda a sua força de trabalho procurou outros lugares para atuar. Tal movimento ocorre em outros lugares do mundo e também no Brasil. Vejam o caso de São Paulo, capital: o desenvolvimento da indústria, da construção civil, de serviços foi feito com a participação maciça de nordestinos que, desde os meados do século passado, abandonaram suas pequenas cidades em busca de oportunidades de emprego. Esta é a sina da humanidade: nômade, indo de lugar em lugar, buscando alimentos e fugindo dos predadores e, depois, na fase de urbanização, retida nas aldeias e cidades que ajudava a construir, visando, sempre, trabalhar para sobreviver. Assim, a tese de Jim Clifton de seu livro The Coming Jobs War, abordada em artigo anterior, pode ser alarmista, em seu argumento de que a nação dominante no planeta Terra, nos próximos 30 anos, vai ser aquela que apresentar maiores oportunidades de emprego. Mas a realidade é óbvia: num mundo sem fronteiras, todos buscarão trabalho nos lugares onde o desenvolvimento acontece. A sustentabilidade é uma relação biunívoca entre progresso e trabalho. O poder não será das nações mas dos grandes Fundos donos das empresas. Para Clifton, tendo como fundamento a realidade americana, a maior oferta de empregos não estará no Governo ou nas grandes empresas, mas nas pequenas organizações que, baseadas na inovação e no empreendedorismo, buscarão soluções inovadoras para melhorar a qualidade de vida das pessoas. Como consequência, contribuirão para o fortalecimento do PIB nacional que, por sua vez, envolve a combinação de três elementos: grandes cidades, melhores universidades e líderes mentores. O empreendedorismo e a inovação desenvolver-se-ão em microambientes locais e não resultarão, prioritariamente, de mudanças profundas ou gerais de governo. As melhores soluções são locais, e o papel dos líderes – não necessariamente os que financiam, mas sobretudo os que conseguem dar suporte a uma ideia; os que motivam; os que abrem as portas e ajudam os empreendedores locais – é fundamental para o desenvolvimento do empreendedorismo. Os líderes originam-se em geral de um sistema universitário de qualidade, enquanto locus de produção e de debate das grandes ideias. No entanto, a formação daqueles começa no ensino básico, fase na qual as crianças precisam ser educadas para compreender que os reais objetivos de suas vidas estão ligados à realização pessoal e profissional. O que me impressionou no livro de Clifton é a relação clara entre trabalho e desenvolvimento. Para o autor, é fundamental ter gente preparada, focada e orientada para vencer desafios profissionais e contribuir para o progresso e sustentabilidade das empresas e das iniciativas empreendedoras. Isto significa dizer que tudo estará contido na melhor formação educacional das pessoas em todos os níveis. Quantos mais talentos uma nação tiver, mais poderosa será. Nesse contexto, a educação deve ser o suporte para o bom desempenho do Estado; para o desenvolvimento do país; para o sucesso empresarial e para a realização social e profissional do indivíduo, tendo em vista sua melhor qualidade de vida. Infelizmente, o sistema educacional brasileiro está apartado da empresa (mercado de trabalho) e da vida. Isto vale não só para as classes menos privilegiadas economicamente, dos “cafundós” do país – onde o que vale não é a escola, mas sim o valor da “bolsa-família", que é propiciada pelo aluno – como também para as altas rodas, com a primazia do "diploma". O que vale menos é a preocupação com os conteúdos para melhorar o desempenho. Assim, as crianças saem depois de nove anos de escolaridade sem os conhecimentos básicos de português e matemática. O mesmo acontece com o sistema universitário. Vejam o caso da Universidade de São Paulo (USP), a mais importante do Brasil: o novo reitor declarou que a primeira providência a ser tomada será a modernização dos currículos. Imaginem as outras! A massa de conhecimento perdido com a deficiência na formação de gente capaz é um dos condicionantes que bloqueiam o nosso porvir. Infelizmente o país sempre viveu a falsa dicotomia da dualidade da escola acadêmica para a continuidade dos estudos visando o acesso à universidade e à escola profissional ou técnica direcionada para os quadros médios das empresas. Parafraseando Anísio Teixeira: “escola para nossos filhos e escola para os filhos dos outros.” Agora que se aproxima uma nova eleição presidencial, a ABMES promoverá seminários para discutir com os candidatos as questões educacionais do país. Certamente temas como os abordados neste artigo precisarão compor uma agenda de propostas do setor privado para o ensino superior, a começar pela reforma da educação básica com o propósito de melhorar a qualidade das instituições de ensino superior e fortalecer o papel que desempenham na promoção do desenvolvimento do país.
[1] Cristovam Buarque, A Refundação da Universidade. Série Grandes Depoimentos. Brasília: ABMES Editora. 2005.