"A principal questão de fundo é a impossibilidade de o setor público continuar se expandindo e aumentando seus custos sem modificar profundamente seus objetivos e formas de atuação, diferenciando as instituições dedicadas à pesquisa, à pós-graduação e ao ensino superior de alta qualidade, que são necessariamente mais caras e centradas em sistema de mérito, das instituições dedicadas ao ensino de massas em carreiras menos exigentes, que é onde o setor privado atua com custos muito menores e qualidade pelo menos equivalente". (Simon Schwartzman)[1]O assunto do momento é se as mensalidades devem ou não ser cobradas nas universidades públicas. Pessoas e setores organizados da sociedade manifestam as suas opiniões – a favor ou contra, fundamentadas ou não – que são veiculadas pela grande mídia. Como este tema é recorrente, vale lembrar, de início, que em 2010 o PMDB, quando era o principal aliado do PT na campanha presidencial, apresentou proposta (que não avançou) de cobrança de mensalidades nas universidades públicas. Hoje o PMDB ocupa a vice-presidência e se cala... Tal como um movimento pendular, o tema vai e volta, sem que se encontre uma solução adequada à nossa realidade. Este artigo tem como objetivo fazer uma breve análise da questão com base em informações veiculadas pela mídia, buscando contribuir para o debate que, a nosso ver, deverá ser aprofundado e ter continuidade para além das campanhas eleitorais do ano em curso. Vamos então aos fatos: Na Folha de S.Paulo – veículo que sugere a cobrança e que parece apoiar a medida, e segundo o qual, pelo menos 60% dos estudantes da Universidade de São Paulo (USP) poderiam pagar por seus estudos –, o jornalista Hélio Schwartsman manifestou-se em duas oportunidades e, pelo jeito, incomodou. Na primeira delas, com o artigo “Não há almoço grátis”, ele afirma: “A questão da cobrança, transcende o problema conjuntural. É uma medida, de justiça social, que deveria ser implementada mesmo que a USP estivesse com folga no orçamento...”. Por óbvio, a medida poderia ser estendida a todas as universidades públicas. Mais adiante ele diz que a constatação básica é a de que a palavra de ordem “universidade pública gratuita e de qualidade é uma ilusão cognitiva (...), porque alguém precisa pagar por isso”. De fato, ou a conta recai sobre os contribuintes ou sobre os estudantes e suas famílias, embora seja perfeitamente possível repartir a despesa. Na segunda, com o artigo “As tragédias dos comuns”, ele adota a metáfora do biólogo Garret Hardin para explicar que vários indivíduos exaurem limitados recursos comuns, contrariando interesses de todos (veja-se o caso do consumo de água em condomínios que não dispõem de hidrômetros individuais.). Na USP, a tragédia da expansão de gastos/despesas decorre de salários de professores e funcionários, que comprometem o orçamento, sob os olhos complacentes e cooptadores do Conselho Universitário, que unanimemente admitiu um aumento médio de 75% no salário dos técnicos. Corporativismo e aspirações políticas são irmãos siameses. Ricardo Melo em seu artigo “Querem acabar com a USP” aborda a questão por um outro prisma: “Por que não melhorar o ensino básico gratuito de forma a qualificar os que têm menos dinheiro a concorrer a uma vaga em vez de cobrar a mensalidade de quem estuda na USP?”. Preocupa-nos de forma especial a permanência de um olhar enviesado, e mesmo preconceituoso, sempre que o tema entra na ordem do dia. Editorial da Folha (4/6/2014) defende, por exemplo, que “a mensalidade não pode representar obstáculo intransponível a nenhum cidadão e que seria um evidente desatino impor barreira adicional a jovens pobres”. Parece que o déficit de atenção está chegando às redações, também. Ninguém até aqui está dizendo ou disse algo sobre onerar os sabidamente pobres, mas exclusivamente a parcela de estudantes que têm muitos salários acumulados em suas contas familiares e que poderiam, e/ou deveriam, pagar as suas mensalidades. O Editorial insiste em afirmar que “um modelo mais bem ajustado na administração traria alívio orçamentário”, fato que qualquer humilde dona de casa, que por andar fora dos trilhos teve seu nome registrado no Serasa ou SCPC, sabe mesmo sem ter curso superior. Quando não se quer, porém, que os cavalos da parelha vejam um ao outro, colocam-se viseiras nos olhos deles. Francisco Marmolejo, coordenador de ensino superior do Banco Mundial, manifestou a sua opinião sobre o ensino superior gratuito em entrevista à jornalista Sabine Righetti (Para coordenador do Banco Mundial, universidade pública deve cobrar mensalidade): “O Banco tem posição muito clara sobre isso. Acredito que deveria haver uma contribuição proporcional para quem estuda no ensino superior público. Não podemos pensar que o problema do acesso ao ensino superior está no setor público. É preciso expandir o ensino superior privado e fazer um sistema de divisão de custos, senão a expansão será inviável”. Na semana que terminou a Folha levantou a seguinte questão na coluna Tendências/Debates: “A USP deveria cobrar mensalidades dos alunos?” José Arthur Gianotti com o artigo “Por que não vender a USP”, respondeu “Não”. LeandroTessler no seu artigo “Uma questão de princípio”, respondeu “Sim”. Para Giannotti, a universidade pública não deveria cobrar mensalidades de seus alunos. E, em tom irônico, sugere: “Em vez de adotar uma medida paliativa, por que não vender a própria universidade e transformá-la numa dessas instituições de ensino que distribuem diplomas como vendem bananas?” Mas, o emérito professor, hoje com 84 anos e merecedor de todo o respeito, avança o sinal, quase radicalizando, ao afirmar que “a universidade pública, encarregada de promover o ensino de qualidade, a pesquisa e a extensão é um dos espaços privilegiados da República (...)” como se só a instituição pública devesse propor e promover ensino de qualidade, restando às particulares se divertirem no Play Center e venderem diplomas. Inquieto, ele vai além: “Privatizar a universidade pública equivale a arrancar o coração de nossa nacionalidade e transformar o país num grande mercado”. A interrogação e o espanto ficam por conta do “privatizar” quando ninguém falou ou está falando nisso. Para justificar o seu “Sim”, Tessler observa em seu artigo que “sendo o Estado incapaz de prover educação fundamental pública de qualidade para todos similar à privada (por quê?), a maior parte das vagas no ensino superior público e gratuito é ocupada por egressos de escolas privadas.” Para ele “o Estado não deve ser o financiador das vantagens que a universidade proporciona aos indivíduos e sim assumir as suas responsabilidades com o financiamento do desenvolvimento, da inovação e da inclusão, sob pena de as instituições de ensino se tornarem meramente centros de ensino onde não se faz pesquisa de ponta, fundamental para o desenvolvimento da sociedade.” Tessler afirma a sua convicção de que os alunos que financiam ainda que parcialmente a sua educação têm mais comprometimento com o aprendizado, fato que muda a aluno/universidade. “O Programa Universidade para Todos (ProUni) está aí para provar que bons mecanismos de assistência social é possível garantir que nenhum talento seja desperdiçado”. Para ele, esta “é uma questão de princípio”. Em que pesem as opiniões divergentes, é importante ter em mente que o mundo mudou e que todas as famílias querem ter acesso à educação de qualidade. E como o país não tem orçamento para subsidiar ensino superior para todos, o mais óbvio é que as famílias com renda além da média paguem os estudos de seus membros e que o Estado e outros organismos desenvolvam programas de apoio aos estudantes carentes. A nosso ver, o modelo utilizado em alguns países asiáticos parece ser o mais equânime. O ensino superior de responsabilidade dos governos destina-se à formação de cientistas, pesquisadores, professores, enfim, dos talentos com conhecimentos básicos, para terem acesso às poucas e melhores universidades públicas de ponta. O governo investe, em última análise, na constituição de elites científicas e intelectuais, cujos membros depois de formados devem trabalhar nos organismos públicos, visando colaborar para os países buscarem a liderança em suas áreas de melhor de atuação. Os que se formam nos demais cursos, isto é, os que irão trabalhar em empresas, negócios e atividades particulares, deverão pagar por seus estudos com os recursos de suas famílias e/ou buscar financiamento junto ao governo. Com base nos exemplos bem sucedidos de outros países, não podemos concordar que num país como o Brasil o Estado e a sociedade devam financiar os estudos dos bem-nascidos para que, depois de formados, consigam as melhores colocações no mercado de trabalho e nada devolvam ao Estado. Importante ter em mente que o mundo mudou e que todos, independentemente da classe social à qual pertençam, querem ter acesso à educação de qualidade. E como o Brasil não tem orçamento para subsidiar ensino superior para todos, o mais óbvio é que as famílias com renda além da média paguem os estudos de seus membros e que os bancos e os programas sociais do Estado financiem, por meio de bolsas e de outros instrumentos, os estudos dos alunos de baixa renda. Ao analisar o modelo da USP, Simon Schwartzman afirma que não há razão para não se cobrar mensalidades dos alunos, dados os benefícios que um diploma de ensino superior traz para os formandos. (Fim da gratuidade nas universidades públicas divide opinião de acadêmicos) Estamos certos de que houve avanços nessa direção e que o Estado brasileiro caminha para a definição de um modelo mais justo e mais adequado à nossa realidade. Para tanto, esperamos que a sociedade brasileira tenha coragem para enfrentar esse debate com competência e seriedade apartada dos ideologismos e das conveniências eleitoreiras. A ver! [1] http://www.pco.org.br/conoticias/movimento-estudantil/o-estado-de-sao-paulo-propoe-a-cobranca-de-mensalidade-dos-estudantes/ejjy,b.html