Há muitos anos uma montanha começou a fazer um barulhão. As pessoas acharam que era porque ela ia ter um filho. Bobos e sabidos, todos tinham seus palpites. Os dias foram passando, e o barulho da montanha aumentava cada vez mais. Alguns diziam que o mundo ia acabar. Um belo dia o barulho ficou fortíssimo, a montanha tremeu toda e depois rachou num rugido de arrepiar os cabelos. As pessoas nem respiravam de medo. De repente, do meio do pó e do barulho, apareceu um rato. Moral: Nem sempre as promessas magníficas dão resultados impressionantes. Esopo[1]O Plano Nacional de Educação (PNE-2) transitou por cerca de três anos no Congresso, além do prazo de validade do anterior, que, apropriadamente ou não, continuou sua vigência até que norma nova o revogasse, o que ocorreu neste mês com a aprovação da segunda edição. A menção à continuidade da vigência é, digamos assim, só de efeito jurídico, pois, se nos dez anos pouco ou nada ofereceu, não seria em seu final que produziria algo. O primeiro PNE, verdadeiro fracasso em relação à implementação de suas metas, não conseguiu satisfazer ao menos 50% das propostas projetadas, que nem por isso foram adicionadas/resgatadas no novo PNE. O Projeto de Lei nº 8.035/2010, que aprova o Plano Nacional de Educação (PNE-2) para vigorar de 2011 a 2020, foi enviado pelo governo federal ao Congresso Nacional em 15 de dezembro de 2010 e tramitou nas Comissões de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), Educação e Cultura (CEC), Direitos Humanos e Minorias (CDHM), Seguridade Social e Família (CSSF) e Finanças e Tributação (CFT). O relator do projeto foi o deputado Angelo Vanhoni (PT-PR). Convenhamos, “um pouco em cima da hora” para um Congresso que não prioriza a educação e só trabalha de terça a quinta-feira. Como sabido, deu no que deu alguns anos depois. A cumprir-se o fator decenal, o novo PNE vai até 2020 ou 2025? Observe-se que já estão dando um novo nome ao PNE, que antes era o ano de vigência, agora recebe um numeral, 1, 2, 3... O novo PNE apresenta dez diretrizes objetivas e 20 metas, seguidas das estratégias específicas de concretização. O texto prevê formas de a sociedade monitorar e cobrar cada uma das conquistas previstas. As metas seguem o modelo de visão sistêmica da educação estabelecido em 2007 com a criação do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). Tanto as metas quanto as estratégias premiam iniciativas para todos os níveis, modalidades e etapas educacionais. Além disso, há estratégias específicas para a inclusão de minorias, como alunos com deficiência, indígenas, quilombolas, estudantes do campo e alunos em regime de liberdade assistida (vide portal do MEC). Nada contra tais exceções, que podem representar alguma variação menor diante da regularidade da educação. A questão é que essas estratégias podem atrasar e procrastinar o todo. Talvez o caminho certo seria o de criar mecanismos especiais em vez de efetivar exceções, que carecem de mais discussões e não serem fixadas como diretrizes de regularidade educacional. Um dos eventos mais controvertidos de 2010 para o futuro da educação brasileira foi realizado em Brasília de 28 de março a 1º de abril daquele ano: a Conferência Nacional de Educação (Conae), um espaço de discussão sobre os rumos que o país deve tomar em todos os níveis de ensino. Dessa conferência, da qual seus participantes eram originários dos partidos de esquerda brasileiros e de sindicatos que buscavam atender interesses corporativos, saíram as diretrizes que deram origem ao Plano Nacional de Educação de 2011, documento que organizou prioridades propondo metas a serem alcançadas nos dez anos seguintes, com base nas 677 deliberações obtidas. "O PNE-2 traça os objetivos, mas sua implementação é responsabilidade dos diferentes níveis de governo, que precisam criar planos de ação", disse Francisco das Chagas Fernandes, então secretário-executivo do Ministério da Educação (MEC) e coordenador geral da comissão organizadora da Conae. De uma forma comparativa e descrevendo estratégias para alcançar as metas, foi possível fazer a crítica ao PNE anterior, o qual o governo, em sua vigência, não conseguiu cumprir, por desinteresse e descompromisso com os resultados. A panaceia da Conae foi então montada quando surgiu a perspectiva política de usar o PNE como plataforma de governo para o então Ministro Fernando Haddad. O documento final da Conae foi organizado em seis eixos que expressam:
(I) o papel do Estado na garantia do direito à educação: organização e regulamentação da educação nacional; (II) qualidade da educação, gestão democrática e avaliação; (III) democratização do acesso, permanência e sucesso escolar; (IV) formação e valorização dos/das profissionais da educação; (V) financiamento da educação e controle social e (VI) justiça social, educação e trabalho: inclusão, diversidade e igualdade.
O PNE-2 estruturou-se em 12 artigos e 20 metas, seguidas das estratégias específicas de concretização. O art. 2º refere-se especificamente às diretrizes para a educação brasileira no próximo decênio:I - erradicação do analfabetismo; II - universalização do atendimento escolar; III - superação das desigualdades educacionais; IV - melhoria da qualidade do ensino; V - formação para o trabalho; VI - promoção da sustentabilidade socioambiental; VII - promoção humanística, científica e tecnológica do país; VIII - estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do Produto Interno Bruto (PIB); IX - valorização dos profissionais da educação; X - difusão dos princípios da equidade, do respeito à diversidade e a gestão democrática da educação.
A Editora Abril, em seu site de educação, faz um balanço nada satisfatório do Plano Nacional de Educação (PNE-1) 2001-2010 no endereço. Veja aqui. Um ponto particularmente complexo pelo envolvimento e interesses de variados segmentos merece destaque: o financiamento e os recursos para a educação. O PNE-2 fixa percentual do investimento público em educação em 10% do PIB. Uma velha meta não alcançada no plano anterior (PNE-1). O novo plano ainda deixa a questão mal resolvida, ao não explicitar como vai ser feito, de onde virão os recursos e como se calcula esse percentual. Evidentemente que deve ser do financiamento público, separado do privado. Mas isso não está no Plano. Veja aqui apresentação do deputado Vanhoni que mostra como serão distribuídos os recursos. Com efeito, no PNE não está clara a relação entre o público e o privado. É certo que o ensino privado é imprescindível ao país, mas é preciso melhorar o equacionamento da relação entre o público e o privado. De tudo o mais, conforme editorial da Folha de S.Paulo, de 8 de junho deste anocom o título Desejos letivos, “trata-se de uma lei de metas para não dizer ‘constituição dos desejos’, que, infelizmente, não cuida de alguns dos principais empecilhos à melhoria da educação e aos próprios objetivos do PNE”. São desafios do PNE universalizar, até 2016, atendimento escolar da população de 4 e 5 anos quando hoje 19% dessas crianças estão fora da escola; atender, até 2020, 50% das crianças até 3 anos porque hoje 77% não contam com atendimento; tornar universal, até 2016, o atendimento de todos os jovens de 15 a 17 anos porquanto, atualmente, 80% deles estão na escola mas só 53% no ensino médio; alfabetizar todas as crianças até, no máximo, os oito anos de idade, infelizmente, hoje, apenas 44,5% delas leem adequadamente. Ao que se observa, a lenda da montanha pode materializar-se até 2025. [1] Esopo:escritor da Grécia Antiga a quem são atribuídas várias fábulas populares.